Como criar alternativas ao avanço
conservador? Uma ideia simples — a “loja” de iniciativas comunitárias — afastou
a ultra-direita e transformou dois grandes bairros, ao ajudar as pessoas a
melhorar de vida coletivamente. O que é e como funciona
George Monbiot, em The
Guardian | Tradução: Marianna Braghini | em Outras Palavras
Se há esperança, é nas periferias
que ela está — inclusive nos bairros mais desprovidos de Londres. Barking e
Dagenham têm estatísticas chocantes de desemprego, moradores de rua, gravidez
precoce, violência doméstica e mortalidade. Até 2010, era a fortaleza do
fascista Partido Nacional Britânico (BNP, em inglês). Sua população se transforma
em velocidade impressionante: todos os anos cerca de 8% dos residentes mudam-se
de lá. Mas, ao longo do ano passado, começaram a ser reconhecidas por algo
diferente: líderes globais em tomar o controle de volta para si.
Desde a Segunda Guerra, o legislativo
e governos nacionais se empenharam em mudar a vida das pessoas de cima pra
baixo. Seus esforços, durante os primeiros trinta anos deste período pelo
menos, eram altamente efetivos, criando serviços públicos, moradias populares e
uma rede de proteção social que melhorou radicalmente a vida das pessoas.
Mas a consequência não
intencional foi reduzir nosso senso de responsabilidade, nossas habilidades
sociais e assistência mútua. Agora, na era da “austeridade”, o apoio estatal
tem sido subtraído, deixando muitas pessoas com o pior dos dois mundos: nem a
proteção de cima pra baixo do governo, nem a resiliência de baixo pra cima da
comunidade, que aquela substituiu. Acredito que ainda precisamos de um forte
apoio do estado, e de serviços públicos altamente financiados. Mas isso não é o
suficiente. O melhor antídoto contra a crescente onda de demagogia e reação é
uma política de pertencimento, baseada em comunidades locais fortes e
confiáveis.
Aqueles que estudam a vida
comunitária falam de dois tipos de redes sociais: a união e a construção de
pontes. Redes de união são aquelas criadas entre grupos homogêneos. Ao mesmo
tempo em que conseguem superar o isolamento social, também podem alimentar
desconfiança e preconceitos, e limitar oportunidades de mudança. Já as redes de
pontes unem pessoas de diferentes grupos. Pesquisas mostram que elas podem
reduzir a criminalidade e o desemprego e, ao ampliar as vozes da comunidade,
melhorar a qualidade do governo.
Depois de ficar atrás do BNP, que
levou 12 cadeiras parlamentares das 51 disponíveis em 2006, conselheiros do
Partido Trabalhista em Barking e Dagenham perceberam que não era suficiente
identificar as necessidades da população e entregar serviços isolados. Queriam
substituir o paternalismo pela participação. Mas como?
Assim que o gabinete começou a
buscar ideias, se deparou com a Fundação Participatory City, conduzida pelo
inspirador Tessy Britton. Seus pesquisadores formularam um plano para um
sistema completamente diferente, desenvolvido em nove anos de investigações
sobre como se formam as redes de pontes. Nunca um gabinete havia tentado algo
parecido. O conselho percebeu que estava assumindo um risco. Mas ajudou a
financiar um experimento de cinco anos e 7 milhões de libras (cerca de 33,4
milhões de reais), chamada Todo Mundo, Todo Dia (Every One, Every Day, em
inglês).
Analisando projetos comunitários
de sucesso ao redor do mundo, a fundação descobriu um conjunto de princípios
comuns. Em geral, eles demandam pouco tempo ou compromisso das pessoas locais,
e nenhum custo financeiro. Estão próximos dos lares das pessoas, abertos a
todos e são pensados para atrair talentos em vez de atender necessidades
particulares. Monta-se uma infraestrutura física e visível. Em vez de enfatizar
grandes inovações – a ruína de muitos esquemas bem intencionados – alimentam
projetos simples que melhoram a vida das pessoas de forma imediata. A fundação
percebeu que uma grande parte do orçamento teria de ser voltada à fase de
avaliação, para permitir que o plano se adapte quase instantaneamente ao
entusiasmo dos moradores.
O Todo Dia, Todo Mundo foi
lançado em novembro de 2017, abrindo duas “lojas” (as primeiras de cinco) nas
ruas principais de Barking e Dagenham. As lojas não vendem nada, mas são
lugares onde as pessoas se encontram, discutem ideias e lançam projetos. O projeto
também começou a abrir “espaços de realização”, equipados com cortadores a
laser e outras ferramentas, máquinas de costura e cozinhas de trabalho. Estes
tipos de espaços são normalmente ocupados por homens de classe média, mas até
agora 90% das participantes são mulheres. O motivo para esta diferença é
simples: rapidamente, alguns residentes desenharam uma linha no chão e
transformaram parte do espaço em uma creche informal, onde mulheres se revezam
em turnos para cuidar das crianças. Ao fazer isso, elas superam uma das
principais barreiras para novas iniciativas e projetos: creches acessíveis.
Visitei o depósito de impressoras
antigas na Thames Road, em Barking, que o projeto está transformando em uma
oficina gigante, onde as pessoas podem começar empreendimentos colaborativos em
diversas áreas, como alimentação, roupas e energia renovável (o lançamento será
em um festival, dia 16 de março). O experimento já catalisou um numero notável
de projetos montados espontaneamente pelos residentes.
Há comitês de boas vindas para
pessoas que se mudaram para a rua, refeições coletivas, sessões de culinária e
almoços na rua. Há um programa para transformar pedaços de grama monótonos em
jardins comunitários, parquinhos e centros de aprendizado ao céu aberto. Há uma
escola de abelhas e uma escola de galinhas (ensinado como criar animais em
áreas urbanas), sessões de costura e crochê, espaços para trabalhadores
freelancer para se encontrarem e colaborarem, oficinas de programação e
computação, contação de histórias para crianças, sessões de canto e cafés de
jogos. Um técnico de futebol local começou a treinar pessoas na rua. Há um
estúdio de filmagem e um festival para filmes independentes, aulas particulares
para recitadores de poemas e um projeto para fechar as ruas aos carros, para
que as crianças possam brincar depois da escola. Os residentes se atiraram nas
oportunidades que o novo sistema criou.
Conversando com residentes
envolvidos nos projetos, ouvia sempre a mesma história: “Eu odiava esse lugar e
queria ir embora. Mas agora quero ficar.” Uma mulher em Barking me disse que
“sair e socializar é muito difícil quando você está desempregado”, mas a loja
local “melhorou imensamente minha vida social.” Agora, seu avô e sua mãe, que
também estavam solitários, também vêm. Outra pessoa explicou que, antes da loja
comunitária ser aberta em Dagenham, seus amigos moravam em outros bairros e ela
tinha medo das pessoas da região, especificalmente “os jovens encapuzados”.
Agora, fez amizade com vizinhos que têm origens de todo o mundo: “Eu não me
sinto mais intimidada pelos homens mais jovens que andam aqui, porque eu os
conheço… Foi o melhor ano da minha vida adulta.” Uma mulher negra que passou a
vida com medo do ressurgimento da BNP me disse: “Finalmente temos esperança.
Esperança para minha geração. Esperança para meus netos.”
Há um longo caminho para seguir.
Até agora, quatro mil dos 200 mil residentes do bairro já participaram. Mas a
taxa de crescimento sugere que há uma transformação por vir. O conselho me
disse que o programa tem o potencial de reduzir a demanda por serviços sociais,
já que a saúde mental e física das pessoas melhora. Também como resultado,
outros bairros e cidades estão se interessando por esse notável experimento.
Talvez não seja a resposta final
para os nossos muitos problemas. Mas me parece uma luz brilhante em um mundo
que está escurecendo.
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