O CDS não anunciou uma moção de
censura para defender o cheque-ensino, o corte das reformas ou o despedimento
de funcionários públicos, como estava previsto no seu programa
Joana Mortágua* |
jornal i | opinião
A curiosidade é que o CDS é o
partido político que mais vezes apresentou moções de censura no parlamento
desde 1974. Das 29 que foram aceites, só uma levou à queda de um governo. Foi
por isso tautológica a defesa de Assunção Cristas na apresentação da sua
segunda censura a este governo quando disse que as moções de censura valem pelo
sinal político, além da suas consequências práticas.
Cristas sabe-o bem. Enfrentou
seis moções de censura quando era ministra do governo Passos/Portas, uma do
Bloco, uma do PEV, uma do PS e duas do PCP. Nenhuma delas reunia os votos
necessários para derrubar o governo. Eram moções de censura políticas,
qualidade que Cristas agora reclama para a sua.
Se havia poucas dúvidas sobre o
que seria a moção de censura, agora não resta nenhuma. Mas assegura o CDS que
gostaria de ir já a eleições. Porque o país não aguenta esperar até outubro?
Não, porque o CDS tem medo de esperar até outubro. Porque há demasiados
partidos de direita à espreita e é preciso alguém começar a pôr--se em bicos de
pés. É o espelho da direita que temos.
O problema das moções de censura
políticas é que para serem mais do que um oportunismo pré-eleitoral, ou
golpezinhos de propaganda, precisam de algum motivo para existir. Alguma coisa
que as torne compreensíveis no seu objetivo: censurar o governo. Veja-se como
exemplo a moção de censura apresentada ao governo de Cristas pelo Bloco de
Esquerda.
Foi em outubro de 2012, já depois
do “colossal aumento de impostos”, do confronto aberto com o Tribunal
Constitucional e da vergonhosa proposta de redução da TSU patronal e de aumento
da tributação sobre quem trabalha que levou à maior manifestação de rua pós-25
de Abril. Estávamos a três anos de eleições e já se previa a destruição social
que havia de ensombrar o país.
É verdade que salvar o país da
destruição nacional não é o único motivo para apresentar uma moção de censura.
Uma diferença ideológica profunda em relação a uma governação, a defesa
coerente de um programa político, tudo isso podem ser razões compreensíveis para
uma moção de censura política.
Mas não foi a isso que
assistimos. O CDS não apresentou uma moção de censura em nome dos colégios
privados cujo privilégio quis salvar, nem dos despejos que promoveu como
política imobiliária do futuro. O CDS não anunciou uma moção de censura para
defender o cheque-ensino, o corte das reformas ou o despedimento de
funcionários públicos, como estava previsto no seu programa.
Justifica-a com a onda de
contestação e mobilização social, com as expetativas dos profissionais da administração
pública, com a falta de investimento de serviços públicos. O CDS censura o
governo por não corresponder às expetativas do país. Mas sempre que foi chamado
a votar propostas que correspondem a essas exigências, o CDS chumbou-as.
Na defesa da contratação
coletiva, na diminuição do número de alunos por turma, na contagem integral do
tempo de serviço dos professores, no combate ao falso trabalho temporário, na
reposição do valor das horas extraordinárias e do trabalho extra, em todas
essas propostas o CDS votou contra, como votou contra a criação do SNS, que
agora diz querer defender, apesar de não se lhe conhecer outro amor que não
seja aos privados. É uma longa lista de exemplos do CDS a censurar-se a si
próprio.
A única cara de Assunção Cristas
é a vergonha dos idosos despejados, o drama das famílias que não conseguem
pagar a renda e dos jovens que são expulsos para as periferias. A única cara de
Mota Soares é a perseguição aos precários, o corte no apoio aos de-sempregados,
os 800 trabalhadores da Segurança Social na prateleira para despedir. A moção
de censura do CDS foi um exercício de hipocrisia. E dos fraquinhos.
Se o CDS quer disputar o lugar de
porta-estandarte da direita, isso é entre Assunção Cristas e Rui Rio. Mas
assumam que não tem nada a ver com o estado do país. É que as moções de
censura, mesmo as políticas, precisam de ser eco do país ou acabam amassadas no
parlamento.
*Deputada do Bloco de Esquerda
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