O Governo fala de «recuperação
sustentada» na contratação colectiva. Usando uma expressão conhecida, é preciso
torturar muito os números para que estes confessem existir uma «recuperação
sustentada».
Fernando Marques | Abril Abril |
opinião
A publicação pela Direcção-Geral
do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) de resultados da contratação
colectiva em 2018 1 levou
o Governo a falar em «recuperação sustentada» nos últimos anos em contraste com
o passado no período da tróica. Esta posição foi difundida num contexto em que
a Assembleia da República discute na especialidade as alterações ao Código do
Trabalho, as quais não repõem o direito de contratação colectiva, e segue-se à
não aprovação na Assembleia (a 7 de Dezembro passado) de projectos de lei do
PCP e do BE sobre esta matéria.
A mensagem subjacente é clara:
não se justifica qualquer alteração em profundidade do direito de contratação
colectiva, face às mudanças introduzidas em 2003 e agravadas em 2009 e no
período da tróica, porque os resultados mostram estarmos no bom caminho da recuperação;
quando muito, justificam-se as alterações plasmadas na Proposta de lei do
Governo de alteração ao Código do Trabalho, as quais mantêm aspectos essenciais
como a possibilidade de uma convenção colectiva caducar por vontade patronal e
a não aplicação plena do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador.
Mas será que se justifica esta
leitura quando não houve alteração ao regime legal da contratação colectiva em
2018? Resulta deste regime que uma convenção pode caducar (e portanto podem
cessar normas mais favoráveis que as da legislação em vigor, à excepção
das que o Código do Trabalho expressamente prevê) se, por exemplo, os
sindicatos recusarem um regime de banco de horas, a descida da remuneração do
tempo de trabalho, a eliminação ou enfraquecimento de complementos de segurança
social e de saúde ou um regime mais desfavorável de mobilidade geográfica. Ou
se, simplesmente, a entidade empregadora considerar ter um regime de trabalho
mais favorável (uma «desvantagem competitiva»!) que a das empresas
concorrentes.
A essência da contratação
colectiva reside na fixação de condições mais favoráveis que as fixadas na
legislação geral de trabalho, as quais são entendidas como mínimos. Admitir que
a convenção caduque, ou que inclua disposições menos favoráveis que as da lei
(em nome da liberdade de regredir), é pôr esta essência em causa e é atacar os
sindicatos.
Com o Código do Trabalho a
relação de forças na contratação colectiva alterou-se radicalmente porque o
patronato tem e usa a arma da caducidade. Os sindicatos não deixam de negociar
(e de acordar, dependendo aqui do custo do não acordo) mas fazem-no em situação
de maior desequilíbrio. A chamada «dinamização» da contratação colectiva,
invocada antes e depois da aprovação do Código do Trabalho de 2003, assenta num
argumento simples e cínico: se os sindicatos não negociarem e mantiverem as
normas «rígidas» (isto é, mais favoráveis que as da lei) das convenções
colectivas em vigor, então o patronato pode fazer caducar as convenções. E se a
própria convenção estabelecer uma disposição (acordada, por definição) que
estatui que se mantém em vigor até ser substituída por outra, então faça-se
caducar esta disposição (o que se fez em 2009 com Vieira da Silva).
Não se trata de considerar
irrelevante o número de convenções acordadas ou o número de trabalhadores
abrangidos em cada ano, mas antes o de ter presente o contexto da negociação.
Usando uma expressão conhecida, é preciso torturar muito os números para que estes
confessem que existe uma «recuperação sustentada». Em 2018 foram publicadas 220
convenções (CCT, ACT e AE), mais 12 que em 2017. É verdade que o número de
convenções publicadas subiu nos últimos três anos e é o maior desde 2011. Mas
estamos longe das 342 convenções publicadas em 2003 e das 398 publicadas em
1996. Em síntese, há recuperação se a comparação for feita com os anos da
tróica, mas este padrão de comparação não é muito abonatório para quem o faz.
O número de trabalhadores
abrangidos pelas convenções colectivas foi de 900 mil em 2018, o que compara
com 821 mil em 2017. A
cobertura de trabalhadores pela contratação colectiva (renovação ou novas
convenções) permanece baixo. O total de trabalhadores por conta de outrem sem a
Administração Pública pode ser estimado em 3,385 milhões, pelo que se obtém uma
cobertura de 26,6%. Se esta for calculada tendo em conta os trabalhadores
declarados nos Quadros de Pessoal (que são uma parte do universo do emprego assalariado)
obtemos um valor mais elevado mas, ainda assim, de 31,7%, ou seja, de menos de
um terço dos trabalhadores.
O que há de mais positivo na
contratação colectiva em 2018 é a não publicação de novos avisos de caducidade,
tal como aconteceu em 2017. Ao que sabemos, o Governo não valorizou este facto.
Houve um compromisso com o Governo no sentido da sua não publicação e houve
mesmo formalmente, em Janeiro de 2017, um período de suspensão de 18 meses. Mas
as denúncias de convenções visando a caducidade não cessaram nem os processos
judiciais contra a DGERT pela não publicação de avisos de cessação de vigência
se extinguiram. O Governo deverá, pois, esclarecer o que pretende fazer face
aos processos pendentes, uma vez que está em risco a cessação de várias
convenções de diversos sectores de actividade económica. A menos que haja uma
mudança de rumo e seja feita na Assembleia da República uma alteração ao Código
do Trabalho que reponha o direito de contratação colectiva.
1.-
Estes resultados não incluem a contratação colectiva no âmbito da Administração
Pública
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