sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Portugal | A desordem das greves


Manuel Molinos | Jornal de Notícias | opinião

Só os sindicatos e a Ordem ficaram surpreendidos com a requisição civil decretada pelo Governo na sequência da greve dos enfermeiros. Era inevitável e adivinhava-se.

Não é possível que os doentes fiquem reféns de uma classe profissional que tem as suas vidas nas mãos. Mas também não é possível que um Executivo corte relações institucionais com a Ordem que representa a classe.

No limite, esta greve é mesmo um caso de vida ou morte e tanto a bastonária como António Costa não podem dormir de consciência tranquila quando, à custa de um não entendimento entre as partes, há pessoas que têm a vida em risco.

Pode-se considerar esta greve "selvagem", mas este corte de relações mostra que a diferença incomoda o Governo, que não está habituado nem preparado para uma bastonária guerrilheira, e que os sindicatos perderam a primazia da luta, por muito que isso custe à Esquerda.

O certo é que não vale tudo na reivindicação por mais direitos nem na intransigência de quem governa. Deveria imperar a sensibilidade e bom senso, coisa que vai faltando a todos, tão obcecados que estão com os próprios umbigos.

Nenhum português acha que os enfermeiros trabalham pouco e que não merecem mais. Os utentes percebem bem a importância dos enfermeiros, que muitas vezes são bem mais do que isso: são amigos, confidentes, solidários no ombro de quem não tem mais ninguém. Mas também todos nós percebemos que o Estado não pode desembolsar os milhões de euros que as reivindicações dos enfermeiros custariam.

E por isso a protelação desta greve está a tirar aos enfermeiros o lado humano que os devia guiar. Mas a intransigência do Governo também lhe retira humanidade. Não se pode escolher cortar relações em detrimento de negociar mais e melhor.

A nossa saúde e as nossas vidas estão a ser usadas como escudo numa guerra na qual não escolhemos estar. As consequências podem ser irreversíveis e a culpa não pode outra vez morrer solteira.

*Diretor-adjunto

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