Miguel Guedes* | Jornal de Notícias
| opinião
Um ovo de Páscoa sem octanas a
quem tentar compreender a vertigem com que milhares de depósitos semicheios se
precipitaram para bombas de combustível nos últimos dias. Uma espécie de caça
ao tesouro, sem (es)folar.
O atraso com que o Governo chegou
à questão, aparentemente tão surpreendido como o cidadão comum, não pode
justificar tudo. Independentemente das razões que impelem os motoristas de
transporte de matérias perigosas a exercer o legítimo direito à greve, fica a
imagem de um país sob a ameaça de paralisação súbita e iminente pela mão da
cada vez mais forte disrupção dos tradicionais sindicatos e da contratação
colectiva. Enquanto os acordos à esquerda procuram reverter algumas das
mudanças da legislação laboral introduzidas nos tempos da troika, assistimos a
uma velha e a uma nova Direita que, ao mesmo tempo que vocifera contra o
Estado, exige mais rápido intervencionismo estatal ao sabor da sua habitual
demagogia.
É maior a incerteza sobre a
natureza destes movimentos grevistas do que sobre as habituais tropas de
arrasto movidas a qualquer combustível. As restrições à Lei da Greve podem
estar a ser moldadas com colete amarelo vestido. Ainda que seja difícil
conceber uma requisição civil com os serviços mínimos inicialmente
circunscritos a Lisboa e Porto, mesmo para um país mergulhado num roubo de
identidade que o centralismo permanentemente reforça. Este sinal de falta de
coesão soa a toque de finados. É o país dividido entre gente e pedra, entre
privilegiados e supérfluos, carne de cidade ou para canhão no tempo em que se
começa a marinar, lentamente, o corpo de Deus.
O eventual cansaço de alguns
eleitores relativamente aos mesmos peditórios aconselhava prudência e atenção a
coletes reflectores. Como sinais de aviso ao tráfico partidário, o advento de
novos partidos à direita do habitual espectro político, ameaça estremecer a
governação particular de Rui Rio e Assunção Cristas. A fuga para a frente sente-se
pela movimentação táctica do CDS, a radicalizar-se demagogicamente o mais que
consegue. Já o PSD, a procurar o Graal do Bloco Central, assim haja condições
para Marcelo lhe sentir o gosto. As mais recentes sondagens para as eleições
europeias mostram que Aliança, Partido Liberal e Chega, cada um no seu galho
próprio, são mais visíveis em outdoors do que em votação popular. Eis a
proverbial dificuldade em perceber como alguns peditórios são tão
bem-sucedidos. Doações a quem doer. A nobreza da massa acionista é
infinitamente reveladora e muito mais intervencionista do que o Estado.
*Músico e jurista
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
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