segunda-feira, 6 de maio de 2019

Angola | Combate à fome no sul do país ganha força na agenda do Governo?


Presidente angolano visitou duas das três províncias angolanas assoladas pela seca e pela fome. No Namibe e no Cunene, João Lourenço constatou a situação da população. Governos provinciais anunciaram investimentos.

A visita do Chefe de Estado angolano ao sul do país começou na província do Namibe. Na localidade do Coroca, município do Tômbwa, João Lourenço foi elucidado sobre a situação das mais de três mil famílias e várias cabeças de gado afetadas pela seca e pela fome. "A situação da seca aqui é preocupante, não chove há três anos. E as pessoas estão a deslocarem-se para outras regiões", disse à imprensa estatal o soba António Mbeiapé.

"Números arrepiantes"

A província do Cunene, na região sul de Angola, é a mais afetada pela seca e pela fome. Em fevereiro deste ano, o Governo local decretou mesmo "estado de calamidade" devido à seca.

Os números apresentados, esta sexta-feira (03.05), ao chefe de Estado angolano, não deixam dúvidas: "são arrepiantes". "Até 30 de abril, foram afetadas 175 mil famílias que perfazem 880 mil pessoas e 488 mil escolas, nas quais estão matriculados 91.917 alunos. 



Em pelo menos três destas escolas, as aulas encontram-se interrompidas. O gado bovino é o principal ativo económico da província e principal riqueza do povo, em especial que reside no meio rural. Estão afetados cerca de um milhão e cem mil bovinos, tendo morrido já 26. 267 animais".

Este sábado (04.05), último dia da sua visita ao sul do país, João Lourenço deslocou-se à localidade de Mbalaiamongo, município da Ondjiva. 

Soluções definitivas?

Várias são as medidas que serão levadas a cabo para a inversão do atual quadro. O Governo da província do Namibe anunciou a disponibilização de mil milhões de kwanzas para mitigar a seca no Coroca. Mas não só. Alexandre Nhuca, administrador do Tômbwa, garantiu que haverá avanços no combate à escassez de água.

"Acreditamos nos resultados positivos da visita do Presidente da República. Recebemos algumas garantias de apoio e também recebemos orientações de como trabalhar naquilo que podemos fazer. O grande problema é a questão da seca e o pensamento da administração municipal é que esse problema pode ser resolvido de forma definitiva. É uma proposta que nós apresentamos, aproveitando o rio Cunene", explicou.

Para o Cunene, estão disponíveis 3,9 mil milhões de kwanzas. Valores que, somados a outros apoios que estão a ser dados pelo Governo Central, poderão mitigar a situação, considera o governador. "Com a disponibilização oportuna de 3,9 mil milhões de kwanzas, estamos a concluir os procedimentos concursais obrigatórios destinados à aquisição urgente de meios e equipamentos para aumentar exponencialmente a capacidade da província de captação, transporte, armazenamento e distribuição de água às pessoas e, sempre que possível, ao gado", disse o governador local, Virgílio Tchova.

Novo hospital

Para além da constatação da seca e da fome nesta região do país, o Presidente angolano João Lourenço reinaugurou também, durante esta visita, o Hospital Provincial Ngola Kimbanda, no Namibe, parado há dez anos.

Segundo o jornal de Angola, a partir de segunda-feira (06.05), a unidade sanitária vai colocar à disposição dos utentes máquinas sofisticadas nunca antes usadas naquela região nem noutras unidades hospitalares da província do Namibe. Assim sendo, na Unidade de Tratamento Intensivo, 14 camas equipadas com monitores e ventiladores estarão à disposição dos doentes que derem aqui entrada em estado grave.

Da teoria à prática

Recentemente, o Bispo da Diocese da Ondjiva, Dom Pio Hipunhati, manifestou-se preocupado com a situação. Falando à imprensa, depois da audiência com João Lourenço, esta sexta-feira (03.05), o pastor da igreja católica mostrou-se esperançoso, mas com algumas reticências. 

"Esperemos que desta vez passemos do teor a prática para execução das acções. Recebemos garantia de que o Executivo está seriamente empenhado e queremos fazer votos para que, de facto, isso se concretize. Não sejam defraudadas as legítimas expectativas das pessoas", afirmou.

Dom Pio Hipunhati diz ainda que é importante que o Governo compare as condições em que vivem as populações angolanas com as da vizinha Namíbia. "Tem que se fazer uma comparação: Por que é que os mais velhos da Namíbia têm todos pensão e os nossos não? Por que é que os outros têm hospitais no meio rural e nós não? Por que é que os outros têm água canalizada, até nas aldeias, e nós não temos?", questiona.

Em entrevista à DW África, o analista político Augusto Báfuabáfua, afirma que, na sua opinião, o "Presidente da República não tinha uma noção fiel daquilo que se estava a passar nas províncias da Huíla, Namibe e Cunene". 

Augusto Báfuabáfua acrescentou ainda que, depois desta visita, o chefe de Estado terá de reconhecer que há sim fome em Angola. "Não é possível que o Presidente mantenha a mesma opinião, depois de tantas reclamações e depois de ter feito esta visita de constatação. Não é possível voltar com a mesma opinião. Com toda a humildade que lhe é reconhecida, vai reconhecer que há fome em Angola", disse.

E a região dos Gambos?

A região dos Gambos, na província da Huíla, é outra parcela angolana assolada pela estiagem e, consequentemente, pela fome, apesar de não ter constado na agenda presidencial. Nos últimos anos, o padre Pio Wacussanga, pároco da igreja católica local, tem denunciado a morte de pessoas e de gado. Questionado sobre a situação nesta região, o mesmo analista angolano diz que:

"Tem havido falta de vontade política ao nível da base, do intermédio, no sentido de passar a mensagem a quem é de direito, nesse caso o Presidente da República, para resolver essa situação. E sabemos que os problemas quando não são resolvidos no principio tendem a piorar e foi exatamente o que aconteceu".

Para o analista Augusto Báfuabáfua, "o Padre Pio Wacussanga tem ido à Angola profunda, vai aos municípios, comunas, vilas e aldeias da Huíla e, em particular, à região dos Gambos. Ele tem feito muito ativismo social, demonstrando quão mau estão as coisas", concluiu.

Manuel Luamba (Luanda), rl | Deutsche Welle

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