Escritor angolano Lopito Feijó
diz que não foi só o MPLA que cometeu atrocidades em Angola - a UNITA, então
liderada por Jonas Savimbi, também o fez. E há muitas "feridas" por
sarar para a efetiva reconciliação no país.
Também há feridas por sarar no
seio da União para a Independência de Angola (UNITA) de Jonas Savimbi. O aviso
é de Lopito Feijó, que lembra, em entrevista à DW África, que não foi só o
Movimento de Libertação de Angola (MPLA) que cometeu atrocidades em Angola e
tem contas a ajustar com a sociedade angolana.
"A propósito de Savimbi
aconteceram outras coisas, que também têm que ser conversadas dentro da
própria UNITA", afirma o escritor angolano nas vésperas das cerimónias
fúnebres dos restos mortais do líder histórico do partido, morto em
combate em 22 de fevereiro de 2002.
Feijó cita a "Queima das Bruxas"
ou o "Setembro Vermelho", em que foram queimadas pessoas vivas
na Jamba, acusadas de feitiçaria. Este foi um dos vários acontecimentos
sangrentos na história da guerra civil em Angola, que também afetou muitas
famílias angolanas.
"Há familiares que estão na
UNITA e há deserções, há problemas no partido que também ainda não estão
totalmente [resolvidos]; feridas que não estão saradas e cuja culpa é
atribuída pessoal e individualmente ao doutor Savimbi", acrescenta o
escritor.
A DW África falou com o autor
angolano a propósito dos crimes bárbaros cometidos pelo regime de
Agostinho Neto, histórico líder do MPLA, na sequência da alegada tentativa de
golpe de Estado de 27 de maio de 1977, que resultaram em milhares de mortes,
cujos corpos são até hoje reclamados pelas famílias das vítimas.
"Pai da Nação"
No entanto, Lopito Feijó não
questiona o direito de Agostinho Neto a ter uma estátua erguida na capital
angolana, apesar desses acontecimentos. "Ninguém funda nada sozinho, muito
menos uma nação, mas Agostinho Neto é tido por nós como o 'pai da Nação'. Portanto, vamos admitir que Agostinho Neto, tal como outros milhares de heróis
e partícipes da luta de libertação dos nossos países africanos de língua
portuguesa e não só, têm o seu lugar na sociedade".
Feijó argumenta, no entanto, que
"o próprio Agostinho Neto, que escreveu em poesia que as honras são para
os generais, provavelmente não estaria muito interessado nisto, em saber se
merece estátua ou não merece estátua". E, como as honras são para os
generais, o escritor não exclui igualmente o lugar de Jonas Malheiro Savimbi na
história de Angola, "como todos os outros que lutaram pela libertação de
Angola do jugo colonial".
Violência na luta de libertação
O académico congolês Jean Michel
Mabeko-Tali, que investiga sobre o processo político em Angola, lembra que a
"violência sangrenta" foi transversal a todos os movimentos durante o
período da luta de libertação. "A gente sabe das revoltas que houve quer
dentro da FNLA [Frente Nacional de Libertação de Angola], quer dentro do MPLA
ou da UNITA. Portanto, não há neste processo nenhum movimento que não tenha
cometido atrocidades".
De acordo com Mabeko-Tali, a
violência decorreu "das conjunturas e em função das lutas quer internas,
quer entre os diversos movimentos, porque, como a gente sabe, nunca chegaram a
formar uma frente para enfrentar os portugueses [durante a guerra
colonial]".
O autor do livro "Guerrilhas
e Lutas Sociais. O MPLA perante si próprio (1960/1977)", que serviu de
mote para um debate na quarta-feira (29.05) em Lisboa, considera que cabe à
sociedade angolana refletir se se deve dar "uma certa visibilidade"
aos outros atores políticos na História de Angola.
"Porque, por mais que eu não
concorde com Holden Roberto como dirigente [da FNLA], há uma coisa que ninguém
me vai convencer do contrário - ele foi um nacionalista, à sua maneira. Um
nacionalismo talvez conservador ou reacionário, como a gente quiser. Agora
caberá à sociedade angolana debater essas coisas, se Holden [Roberto] merece ou
não uma estátua. Savimbi é muito mais controverso, por razões que a gente sabe,
a sua colaboração com os portugueses, etc... aí também caberá aos angolanos
decidir qual o lugar a dar a Savimbi em termos de monumento nacional. Mas
Agostinho Neto foi fundador deste Estado-Nação, por isso é legítimo que ele
tenha direito a uma estátua. Agora, qual o lugar dos outros?"
Feridas do passado
Estas feridas do passado têm que
ser resolvidas, reconhece o historiador radicado nos Estados Unidos, que sugere
um debate no seio da sociedade angolana, "porque não é por decreto que o
Presidente João Lourenço vai dizer: agora quero uma estátua de Savimbi. Daí o
debate à volta do enterro de Savimbi".
Segundo Jean Michel Mabeko-Tali,
"se a abertura que o Presidente João Lourenço acaba de iniciar, que é de
abrir espaço para um debate nacional, essa abertura significa que vai ser
necessário que se alargue esse debate".
Lopito Feijó diz, em tom reconciliador,
que "a sociedade angolana tem que se reencontrar". Cabe agora à nova
geração a transformação da sociedade, que ele deseja "culta e sã". A
referida geração, sublinha, tem a responsabilidade de corrigir os erros do
passado e fomentar novos valores a pensar numa nova Angola.
"O mundo da política
angolana tem que resolver os seus problemas, para que esses problemas não
voltem de forma incidente a afetar o mundo social e cultural dos
angolanos".
João Carlos (Lisboa) | Deutsche
Welle
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