Glenn Greenwald
| The Intercept (Brasil)
Luiz Inácio Lula da Silva está na
prisão há pouco mais de um ano e um mês. Desde então, oIntercept tenta
conseguir autorização judicial para falar com ele. No Brasil, é comum que
criminosos deem entrevistas de dentro da cadeia – mas Lula é diferente. O ex-presidente da República foi impedido de falar
durante toda a corrida eleitoral, que chegou a liderar antes de declarar apoio
a Fernando Haddad. E tem convicção do porquê: para ele, toda a movimentação da Lava Jato, operação da PF responsável pela investigação que
resultou em sua condenação de mais de 12 anos, foi uma manobra para evitar que
ele disputasse a presidência e o PT voltasse ao poder.
Na semana em que o presidente
Jair Bolsonaro reconheceu que havia prometido uma vaga no STF para Sérgio Moro,
o ex-juiz responsável pela condenação de Lula que hoje ocupa o ministério de seu opositor, fui à sede da
Superintendência da Polícia Federal no Paraná, em Curitiba, para entrevistar o
ex-presidente. A autorização do Supremo saiu no começo do ano, junto com a dos
outros veículos que entraram com o pedido de entrevista, a um espaço seguro de
três meses depois das eleições. Lula diz que tenta controlar o ódio, mas não
segura a língua ao falar do atual ministro: “um juiz que depende da imprensa
para condenar não é juiz”. “Ele é mentiroso, o delegado que fez o inquérito meu
do apartamento é mentiroso, o TRF4 mentiu ao meu respeito.”
A entrevista com Lula durou
exatamente uma hora. A Polícia Federal é rígida com seus protocolos. A Lava
Jato, é claro, é um assunto inevitável. Porém, diante da ascensão de Jair
Bolsonaro e outros líderes de extrema-direita no mundo, eu queria saber a visão
de Lula – que, goste ou não, é um dos mais importantes líderes da esquerda
mundial – sobre os motivos que nos trouxeram até aqui, depois de 14 anos de um
governo que, ele diz, foi excelente para a população.
Sim, ele foi o presidente que
mais combateu a pobreza, a desigualdade, que mais criou universidades e
programas para obsessivamente acabar com a fome no Brasil. A vida das pessoas
melhorou. O que explica, então, o sofrimento que fez com que a população
migrasse o voto dele e de Dilma, com o PT, para um extremista como Bolsonaro?
“Quando você cria o ódio na sociedade, quando você cria a antipolítica, quando
você tira a esperança de qualquer pessoa, sabe, nas instituições existentes, ou
seja, qualquer coisa vale. Qualquer coisa vale”, ele disse. Lula também
mencionou que, no mundo, quem está perdendo para a extrema-direita não é a
esquerda – mas, sim, o modelo neoliberal. Esse foi, então, o modelo dos 14 anos
de governo do PT? “Eu nunca disse que era socialista.”
Lula também falou sobre sua
estratégia nas últimas eleições, em que o PT insistiu em sua candidatura de dentro da cadeia – e
apostou na transferência de votos para Fernando Haddad. Muitos dentro da
própria esquerda criticaram a estratégia que impediu que outro candidato
progressista – Ciro, do PDT, por exemplo – aglutinasse a centro-esquerda contra
Bolsonaro, contornando o antipetismo que ditou o tom da eleição. Lula comparou
a estratégia à eleição de 1989, em que não apoiou Brizola e foi, ele mesmo, o
candidato da esquerda derrotado por Collor, e disse que Ciro precisa aprender a
conversar e respeitar. “Se o Ciro quiser aliados, ele tem de saber conversar”,
Lula disse.
O ex-presidente ainda falou sobre
a falta de representatividade na esquerda, cujos líderes ainda são da elite
intelectual, e sobre segurança pública e meio ambiente. São assuntos sobre os
quais o PT tem uma posição oposta à do atual governo, mas que, na prática,
deixou um legado questionável.
A ENTREVISTA
GLENN GREENWALD – Bom dia,
presidente. Muito bom te ver de novo, obrigado pela entrevista. Esta entrevista
é para o público brasileiro, mas também internacional. Todo mundo fora do
Brasil já sabe muito bem que você acredita que sua condenação é injusta e vamos
discutir muito isso daqui a pouco. Mas muitas pessoas também me perguntam sobre
o seu tratamento aqui na prisão. Você disse várias vezes que o tratamento que
está recebendo das autoridades é profissional e humanitário. Ainda é assim?
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA –
Eu não sei o que é tratamento humanitário na prisão. Eu estou preso,
estou numa solitária – a verdade é que é uma solitária – porque eu fico a
maioria do tempo inteiro sozinho, recebo os meus advogados e só. E a família
uma vez por semana. Eu não sei se isso é bom. O que me faz suportar tudo isso
sem ódio e com muita esperança é que tem milhões e milhões e milhões e milhões
de brasileiros que, mesmo em liberdade, vivem pior do que eu estou vivendo. Eu
almoço, eu janto, sabe…
Glenn – Mas o Brasil é um país
que você governou por oito anos que tem muitos prisioneiros. Como você pode
comparar seu tratamento aqui nesta prisão com o tratamento de prisioneiros
comuns, nas prisões comuns?
Lula – O brasileiro ou a
brasileira que mora em uma palafita, ela não tem nenhuma cidadania. O cidadão
que mora num quarto de três por três e ele é obrigado a almoçar, jantar,
cozinhar, fazer sexo com a sua esposa, fazer a sua necessidade fisiológica num
espaço de três por três, sabe, ele não está vivendo melhor do que eu estou
aqui. Então é por isso que eu me preocupo menos com a minha situação e muito
mais com a situação de milhões de pessoas…
Glenn – Eu entendo, mas você não
está sendo abusado, torturado? As pessoas estão querendo saber disso.
Lula – Não, veja. Faz muitos
anos que nós brigamos para acabar a tortura. Agora a tortura é mais
sofisticada. Ela é com base na delação premiada, onde as mentiras são contadas
milhares de vezes ao mesmo tempo, e as pessoas às vezes ficam dois ou três anos
presas até dizerem o que o promotor ou o delegado querem ouvir. Eu poderia
citar como exemplo a delação do Palocci, em que ele está mentindo da forma
mais… sabe, quase que… é quase que uma coisa inexplicável. Você pega o Leo
[Pinheiro], que está preso, tentando contar mentiras o tempo inteiro, e a senha
é tentar falar do Lula. Isso já faz cinco anos. Você sabe que eu estou aqui e
que nem o juiz, nem o procurador, nem o delegado da Polícia Federal que fez o
inquérito têm nenhuma prova contra mim. Eles sabem que o apartamento não é meu,
eles sabem que a chácara não é minha, mas eles contaram uma mentira…
Glenn – Estão maltratando pessoas
para forçar elas a denunciar outra pessoa?
Lula – Sim, ainda hoje
continua. Eu até brinco com os meus advogados que eu gostaria de fazer uma
delação: fazer uma delação contra o Moro, fazer uma delação contra o TRF4,
fazer uma delação contra o delegado que fez o inquérito mentiroso, uma delação
contra o Dallagnol…
Sabe, eu gostaria, mas ninguém
aceita a minha delação. Vamos ver se você consegue publicar uma parte da minha
delação aqui, porque há uma coisa, Glenn, há uma coisa que precisa ficar clara.
Me parece que essa frase é de um filósofo inglês, eu não sei o nome, de que a
desgraça da primeira mentira é que você passa o resto da vida mentindo para
justificar a primeira mentira. Você está lembrado – não sei se está lembrado –
quando eu fui fazer o primeiro depoimento para o Moro. Na frente do Moro, eu
disse: você está condenado a me condenar. Porque a quantidade de mentiras que
vocês contaram, sabe, num acordo feito entre a Lava Jato e a imprensa
brasileira – porque a Lava Jato não seria o que é se não fosse a cobertura da
imprensa, um conluio entre os meios de comunicação, televisão, rádio e jornais,
em que você tinha praticamente editores em cada jornal para receber as matérias
em primeira mão antes dos advogados. Antes dos advogados de defesa receberem
qualquer notícia, a
imprensa recebia. Então, graças a esse conluio você construiu uma mentira.
Eu fico pensando todo dia e toda hora o seguinte: como é que a Globo vai
utilizar o Jornal Nacional para dizer: “erramos no caso do Lula”?
Glenn – Na entrevista que eu fiz com você em 2016, você criticou
duramente a Lava Jato, insistindo que era seletiva, uma operação dedicada a
destruir o PT – como você disse agora também. Mas, depois disso, a Lava Jato
colocou na prisão o Eduardo Cunha, que estava liderando o processo de impeachment contra a Dilma, assim como o Michel Temer, que
se tornou presidente depois que a Dilma foi impeachmada – mas agora ele está
solto (voltou, depois foi solto, mas pelo menos está sendo processado) –, como
o Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, e agora está agressivamente
atrás do Aécio Neves, o adversário de centro-direita de Dilma na eleição de
2014. Depois de tudo isso, você ainda acha que a Lava Jato foi criada só para
destruir o PT?
Lula – Glenn, deixa eu lhe
falar uma coisa. A operação Lava Jato, ela foi seletiva durante grande parte do
seu funcionamento. Você que é um jornalista estrangeiro e que pode fazer uma
investigação com isenção, faça uma investigação de quem foram os doadores do
PSDB e quem foram os doadores do PT. Quanto recebeu o PSDB e quanto recebeu o
PT. E os outros partidos, faça um estudo profundo, sabe, de forma isenta. Você
vai perguntar: por que que só o Vaccari foi preso por conta de finança
partidária? Cadê os outros tesoureiros de outros partidos políticos?
Glenn – Mas o Aécio não está
sendo processado?
Lula – O Aécio não era tesoureiro
de campanha. Estou falando das contas da campanha para mostrar que houve um
processo inicial de perseguição ao PT. Por quê? Porque era preciso tirar o PT
do governo. E como eles não tinham conseguido tirar o PT do governo durante
praticamente quatro eleições, era preciso criar condições objetivas para criar
uma animosidade contra o PT. Historicamente, no Brasil (e acho que no mundo
inteiro), essa animosidade cresce quando você acusa alguém de corrupção.
Então, veja, para ficar muito
claro, eu acho que se alguém roubar deve ir para a cadeia sendo do PT ou não
sendo do PT, sendo católico ou evangélico, sabe? Roubou, tem que ir para a
cadeia. Julgou, apurou, sabe, provou que roubou, vai para a cadeia. Este é o
Estado de direito que nós queremos construir. Agora, o que eu estou desafiando
são as pessoas que me prenderam, sabe, a mostrarem ao mundo uma única prova
contra mim. Eu não estou pedindo nada, eu não estou pedindo nada.
Glenn – Mas você concorda que
agora a Lava Jato está atrás de outros políticos, inclusive dos seus
adversários de centro-direita?
Lula – Glenn, a Lava Jato
aos poucos foi se transformando numa operação política a benefício de quem dela
participa. Eu vou te fazer uma sugestão, uma denúncia que você pode ajudar a
investigar. Não faz muito tempo, nós ficamos sabendo que houve um acordo feito
no Departamento de Justiça dos Estados Unidos em que o Dallagnol estava pegando
para o Ministério Público, para a operação Lava Jato, R$ 2,5 bilhões.
Glenn – Dos Estados Unidos?
Lula – Dos Estados Unidos.
Depois, saiu uma matéria com autorização, assinatura do senhor Moro,
autorizando mais R$ 6,8 bilhões da Odebrecht, feito aqui no Brasil. E nós
sabemos que tem acordo de dinheiro para a Lava Jato em várias outras empresas
que agora eles não estão permitindo que se tenha acesso aos números. O PT,
inclusive, está junto à presidência da Câmara para reivindicar à Caixa
Econômica Federal que a gente possa saber quem é que fez acordo com a Lava
Jato. Olha, na verdade, quando alguém faz um acordo desse e quer pegar R$ 2,5
bilhões ou R$ 13 bilhões ou R$ 6 bilhões, essa pessoa está construindo uma
máquina política, está formando uma quadrilha.
Glenn – Está bem. Quero te
prometer que já estamos trabalhando com essas questões, investigando esses…
Lula – Mas deixa eu… Glenn,
só para não parar pela metade, só dizer o seguinte, olha…
Glenn – Pode concluir.
Lula – Tudo o que eu quero,
tudo o que eu quero, é que seja julgado o mérito do meu processo, eu não quero
nada mais do que isso. Eu queria que em algum momento os juízes se preocupassem
em ter leitura das provas, tanto de defesa quanto de acusação. Você sabia que
eu tive 73 testemunhas e que o Dallagnol não compareceu em nenhuma audiência?
Ele criou aquela mentira do Power Point e desapareceu. Ele só fala com a Miriam
Leitão na Rede Globo de Televisão e, de vez em quando, dá uma entrevista. E
deve estar fazendo palestra para ganhar dinheiro. Então, o que eu quero não é a
convicção dele. O que eu quero é uma prova. Ora, se ele provar que eu tenho o
que ele acha que tem, ora, não custa nada. Eu estou desmoralizado perante a
opinião pública.
Glenn – Não podemos
resolver isso agora. Você tem as suas acusações, mas é uma questão de provas.
Lula – Só para você saber,
quando o PT denunciou o fundo, o Dallagnol, o Dallagnol foi na Caixa Econômica
e assinou um documento para se assenhorear do fundo. Ou seja, eu estou
condenado sem ter nenhum fundo, sem ter nenhum dólar, nenhum real e ele está
livre, está tentando pegar R$ 2,5 bilhões. Nós fizemos a denúncia ao Conselho
Nacional do Ministério Público. Sabe quem vai julgar? O Conselho. O Conselho
tem quem? Oito membros do Ministério Público. Então, o resultado qual vai ser?
Qual é a dúvida?
Glenn – Durante a eleição de
2018, nós passamos um ano tentando te entrevistar, assim como outros
jornalistas, mas nenhum foi autorizado – apesar do fato de que os presos mais
violentos do país, inclusive o Nem, o chefe do tráfico do Rio de Janeiro, foram
entrevistados na prisão. Mas agora que a eleição terminou e o Bolsonaro ganhou,
de repente o judiciário está permitindo a alguns jornalistas (a Folha, o El
País, o Kennedy Alencar para a BBC) te entrevistar. Como você explica isso?
Lula – Olha, eu tenho
clareza, Glenn, eu tenho clareza de que tudo o que aconteceu neste país em
função da Lava Jato foi para impedir que o Lula fosse candidato à Presidência
da República. Hoje, eu tenho muita clareza, da mesma forma que eu tenho clareza
de que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos está por trás disso. Da
mesma forma que eu…
Glenn – Tem evidência para isso?
Lula – Hein?
Glenn – Tem evidência? Tem prova?
Lula – Eu tenho só
convicção, né, por tudo. Da mesma forma que eu tenho, sabe, hoje muita certeza
de que o pré-sal está envolvido em tudo o que aconteceu comigo e com a Dilma.
Ou seja, o golpe, a minha prisão, as denúncias… Veja, porque a Lava Jato, ela
poderia ter tido um papel importante punindo o empresário – se é que ele roubou
–, mas permitindo que a empresa continuasse a gerar empregos, a pagar salário.
Que a Petrobras não fosse quebrada, não fosse vendida, não fosse repartida como
eles estão fazendo. Então, hoje, eu tenho clareza de que a liberação de eu dar
entrevista… primeiro eu agradeço a vocês que reivindicaram na justiça. Era para eu ter dado entrevistas antes da eleição.
Glenn – Mas nós pedimos muito
tempo atrás, antes da eleição.
Lula – Eu sei, eu sei. E eu
sou agradecido, porque vocês pediram. Mas foi negado. Primeiro o ministro Lewandowski permitiu e, depois, foi vetado pelo
presidente, acho que o Toffoli, acho que vetou. Eu sabia que estava sendo jogado
um jogo. Sabia que o jogo era evitar que o Lula pudesse disputar as eleições.
Por quê? Porque era tudo que a elite brasileira não queria era que o Lula
voltasse a ser presidente da República. Por quê? Se eles ganharam muito
dinheiro no meu governo, se eles ficaram mais ricos no meu governo?
Glenn – Mas não era verdade que,
por exemplo, o lucro dos bancos já explodiu durante a sua presidência?
Lula – Eu não sei se
explodiu, mas cresceu bem.
Glenn – Cresceu muito, não?
Lula – Mas a verdade é que
as pessoas mais pobres subiram um degrau na escala social. E, na medida que os
mais pobres começaram a entrar em universidade, na medida que começaram a
frequentar teatro, na medida que começaram a frequentar restaurante, na medida
que começaram a frequentar aeroporto, isso começou a incomodar uma parte da
elite brasileira que…
Glenn – Mas a situação da classe
mais rica melhorou bastante também durante o seu governo. Então, por que você
acredita que essa classe que melhorou muito, que recebeu muito lucro durante o
seu governo, é contra a sua volta?
Lula – É que não é só uma
questão econômica, é uma questão cultural. É importante lembrar que este país
faz pouco mais de 100 anos que acabou com a escravidão na lei, mas a escravidão
continua na cabeça das pessoas. É por isso que quem é vitimado pela polícia são
os negros, os mais pobres. É por isso que os negros ganham metade dos brancos e
é por isso que a mulher negra ganha menos que a mulher branca. É por isso que é
o negro que tem menos escolaridade. Por quê? Porque você tem na consciência das
pessoas o escravismo ainda preponderante. É uma coisa grave, mas ela é
verdadeira. Isso não termina logo. Se a gente pensar nos direitos civis nos
Estados Unidos, eles começaram a ser abolidos de verdade, o povo começou a conquistá-los,
em 1965, 66, 67, 68, mas quantas pessoas importantes morreram, a começar pelo
Martin Luther King, para poder garantir o direito do negro de ser tratado com
decência? Então, o que eu acho é que não é uma questão econômica. É uma questão
cultural, é uma questão política, é uma questão sociológica.
Glenn – Vamos falar sobre essas
questões culturais, porque o seu governo foi responsável, por exemplo, por
aprovar a Lei das Drogas em 2006. Esse foi um avanço, porque diferenciava entre
o usuário e o traficante e melhorou bastante. Mas, como resultado, essa lei fez
com que aumentasse muito a população na prisão e, especialmente, pessoas negras
e mulheres. Hoje, olhando à distância, como você avalia essa política do seu
governo, quando a população na prisão cresceu muito, bastante durante o seu
governo e no governo da Dilma também?
Lula – Olha, deixa eu dizer
uma coisa. Nós, entre 2003 e 2014, fizemos todos os mecanismos e aprovamos
todas as leis possíveis de serem aprovadas para que você pudesse melhorar o
sistema de funcionamento policial neste país, para você poder diminuir a
corrupção e para você colocar bandido na cadeia. Tudo o que você pegar no
Ministério da Justiça, sabe, você vai perceber que o avanço aconteceu
exatamente no período do PT. Exatamente. Olha, nós não conseguimos resolver o
problema da Segurança Pública nesse país, tá, mas nós criamos os mecanismos –
inclusive civilizatórios – para que a polícia tivesse um comportamento:
aparelhamos a Polícia Federal, criamos a Polícia Nacional, com o objetivo de
fazer. Isso, agora, está sendo deteriorado.
O PAC (Programa de Aceleração do
Crescimento) … você falou do Nem na pergunta que você fez anteriormente, e eu
lembro numa entrevista que o Nem deu para uma revista, se não me falha
a memória, a IstoÉ, em que ele dizia que o presidente que mais tirou bandido da
rua foi o PT, o governo Lula, porque com o PAC ele perdeu mais de 20 bandidos
ligados a ele para ir trabalhar no PAC. Então, se você quiser diminuir a
violência, não é distribuindo armas, é distribuindo educação, distribuindo
emprego, distribuindo salário, distribuindo oportunidade, distribuindo sonhos e
esperança.
Glenn – Mas isso funcionou
durante o seu governo? Porque o problema para uma porção da população era que a
violência, o crime, cresceu durante o governo do PT. Por causa disso, o
Bolsonaro conseguiu explorar esse problema. Não é verdade que o problema do…
Lula – Não cresceu no
governo do PT. No governo do PT, nós fizemos a maior política de inclusão
social da história de 500 anos do Brasil.
Glenn – Mas o crime durante o seu
governo cresceu ou piorou?
Lula – Bem menor, bem menor.
Bem menor. Agora, uma coisa no Brasil você tem que levar em conta. Uma coisa é
quando você age com seriedade e você faz o registro de cada coisa que acontece,
e a outra é quando você diminui escondendo os crimes. O que nós fizemos foi uma
coisa de muita transparência nesse país e o objetivo era evitar que as pessoas
mais pobres fossem vítimas. Quando você consegue garantir que um adolescente,
sabe, possa ter um emprego, esse adolescente não vai ter que roubar um celular
ou não vai ter que roubar um tênis. Esse adolescente não vai ter que matar uma
pessoa para roubar uma jaqueta. Isso não é primário. Quando você dá a esse
jovem, adolescente, a oportunidade de ele sonhar – eu posso ter um emprego, eu
posso ir para uma escola técnica, eu posso ir para a universidade – esse jovem
vai se agarrar a essa oportunidade.
Glenn – Entendi.
Lula – Qual é o sonho que
ele tem hoje? Nenhum! Nenhum.
Glenn – Agora quero discutir a
situação política aqui no Brasil e a relação com a política internacional. Em
2015, nos Estados Unidos, era impensável que o Trump pudesse ser eleito
presidente, mas agora ele é presidente. Mesma coisa no Reino Unido com o
Brexit, a decisão de sair da União Europeia. A mesma coisa na Europa com
partidos nacionalistas e extremistas de direita. Um ano atrás aqui no Brasil
ninguém acreditava, era impensável, que Bolsonaro fosse eleito presidente do
Brasil. Eu sei que você acredita que a vitória do Bolsonaro foi por causas,
coisas, únicas ao Brasil, como os ataques da mídia ao PT, mas agora você vê a
eleição do Bolsonaro também como parte desse padrão no mundo democrático de
partidos extremistas de direita vencendo e derrotando os partidos de
centro-esquerda?
Lula – Olha, no processo
democrático no mundo inteiro, a votação e a alternância de poder é uma coisa
normal. Isso vale para os Estados Unidos, vale para a Alemanha, vale para o
Brasil, vale. Uma eleição ganha a direita, outra eleição ganha a esquerda, uma
outra eleição ganha…
Glenn – Mas a direita está
ganhando muito em muitos países…
Lula – Agora, veja. Veja.
Nós tivemos um período muito extraordinário na América Latina. O período de
mais crescimento, de mais distribuição de renda, de mais inclusão social na
América Latina aconteceu de 2000
a 2014 com a eleição de Kirchner, Lagos, a Cristina,
Lula, Evo Morales, Chaves, Rafael Corrêa… foi um momento de ouro da América
Latina. Agora você está vivendo um momento da extrema direita que está
fracassando de forma absurda. O Macri é um desastre na Argentina e ele era a
solução. Tem um livro…
Glenn - Por que isso está acontecendo?
Lula – Olha, tem um livro do
Mia Couto, que é um grande escritor moçambicano, que tem uma frase que é o
seguinte: “em tempo de terror, escolhemos monstros para nos proteger”. Ora,
quando você cria o ódio na sociedade, quando você cria a
antipolítica, quando você tira a esperança de qualquer pessoa, sabe, nas
instituições existentes, ou seja, qualquer coisa vale. Qualquer coisa vale. Eu
sei que os americanos não acreditavam que o Trump tivesse a menor chance. E por
que com o tempo o Trump ganhou as eleições? Não foi por causa do Putin, como
eles tentam falar. É por causa da mentira, do fake news como aqui no Brasil.
Glenn – Só por causa disso?
Lula – Não. Por causa disso,
por causa do desemprego, por causa da desesperança e por causa do discurso,
sabe, do Estado Nacional forte, que é sempre uma coisa importante. Né? Ou seja,
quando o Reagan e Margaret Thatcher criaram a chamada globalização, a moda dos
anos 1980 era você falar que moderno era você ser globalizado, abrir a economia
para todo mundo, deixar o capital transitar à vontade, embora o povo não
pudesse transitar. Agora que a globalização começou a criar problema para os
países desenvolvidos, sobretudo para os Estados Unidos, o Trump encontrou o
discurso fácil de falar: “os Estados Unidos para os americanos, os empregos
para os americanos”.
Glenn – Mas, presidente, sobre
Trump, nos Estados Unidos não é bem conhecido que tem muitas pessoas que
votaram no Obama em 2008 e 2012 e depois votaram no Trump em 2016. E aqui no
Brasil temos a mesma coisa: muitas pessoas que votaram em você e, depois, na
Dilma, votaram no ano passado no Bolsonaro. Como você explica isso?
Lula – Glenn, posso te dizer
uma coisa? Eu conheço razoavelmente bem a Hillary Clinton. Era muito fácil você
encontrar uma pessoa mais popular do que ela. Ela não é uma figura simpática.
Então, a eleição do Trump se deveu ao fato de ele ter um discurso correto para
os operários brancos, sabe, da indústria automobilística, que estavam ficando
desempregados. Ele prometeu o óbvio: emprego para o povo americano. Prometeu
brigar com os chineses para o povo americano para gerar emprego e isso fez ele
ganhar as eleições.
Ora, e obviamente que pode ser
que muita gente do Obama votou nele, como aqui no Brasil pode ser que muita
gente que votava no Lula votou no Bolsonaro, até porque o Lula não era
candidato. Se o Obama fosse candidato eu não sei se os votos iriam para o
Trump. O fato concreto é que eu não sei, apesar da performance extraordinária
do Haddad, eu não sei se eu estivesse candidato, se as pessoas iriam votar,
alguns eleitores do PT votaram no Bolsonaro. O dado concreto é que…
Glenn – Eu conheço muitas pessoas
que votaram em você e, depois, na Dilma, depois no Bolsonaro.
Lula – Talvez se eu fosse
candidato, essas pessoas não tivessem votado no Bolsonaro. Porque, Glenn, você
é jornalista e você sabe o que aconteceu no Brasil. Primeiro, você no Brasil
sempre cria política do pensamento único. O Fernando Henrique Cardoso teve oito
anos de pensamento único favorável, eu tive oito anos de pensamento único
contrário, depois a Dilma teve um pouquinho favorável, quando a imprensa
tentava dividir a Dilma do Lula, depois não deu certo, aí passou a ser contra.
E aí, quando se criou a ideia do impeachment, aí virou 100% contra.
Você foi criando um clima de ódio
na sociedade tentando culpabilizar o PT por toda a desgraça do Brasil, sabe, e,
quando chegam as eleições, não quer nenhum candidato de direita (eu diria
direita normal, porque o Bolsonaro, você poderia, hoje, comparar ele a um Nero
quando tacou fogo em Roma). Sabe, ou seja, você… o Bolsonaro já está há quase
cinco meses no governo e você não ouviu a palavra ainda “crescimento”, “desenvolvimento”,
“investimento”, “geração de emprego”, “distribuição de renda”, essa palavra
saiu do dicionário. A única coisa que você vê é gente apontando o dedo para
você toda hora… Eu não sei se você percebe que esse gesto aqui é o gesto de
quem fazia Lula antes. Né? Acho que o Bolsonaro aprendeu a fazer assim, porque
deve ter feito muito assim nas minhas campanhas presidenciais. Ou seja, o país
está abandonado, o país só se fala em corte e reforma da Previdência,
prometendo à sociedade…
Glenn – Mas abandonado por quem?
Por que em sua entrevista ao El País, você atribuiu a ascensão da direita
internacional a fracassos do neoliberalismo. Eu gostaria de saber sobre essa
questão do fracasso do neoliberalismo aqui no Brasil e internacionalmente
também. Qual a relação entre o sofrimento da população e o fato de que a
população está abraçando pessoas da direita extremista como Bolsonaro e outros
líderes do mundo democrático?
Lula – O neoliberalismo,
como surgiu na época da globalização, está perdendo em tudo quanto é lugar. E
não está perdendo para a esquerda, ele está perdendo para a direita, perde para
a direita, tá, como perdeu para o Hitler e como perdeu para o Mussolini. Ou
seja, nós tivemos dois exemplos agora, que foi a Espanha e Portugal, em que a
esquerda voltou a ter uma atenção no processo eleitoral. Mas mesmo na Alemanha,
sabe, a Angela Merkel, que é uma senhora política muito forte, ela hoje, se não
fosse pelos acordos com o SPD [Partido Social Democrata], ela não governaria a
Alemanha.
Glenn – Mas lá, também, a direita
extremista está crescendo.
Lula – Eu sei, está
crescendo no mundo inteiro, mas veja, eu acho que é um alerta para a esquerda.
A direita não vai… Pode ficar certo de que, depois do Bolsonaro, de que depois
do Macri, a Cristina [Kirchner] vai ganhar as eleições na Argentina. Pode ficar
certo de que, aqui no Brasil, a esquerda vai ganhar na próxima eleição. Pode
ficar certo que se o Evo Morales for candidato, ele vai ganhar na Bolívia, e
assim em vários estados.
Eu espero que os americanos
tenham juízo e não permitam a continuidade do Trump como presidente americano,
porque não é um problema para os americanos, o Trump é um problema para o
mundo. Ele tem que saber que, pela importância dos Estados Unidos da América do
Norte com o mundo, ele não pode tomar decisões sem levar em conta os reflexos
da decisão dele no mundo. Ele não pode, ele tem que pensar antes de tomar a
decisão. Não pode ficar ameaçando guerra para tudo quanto é lado, ameaçando
atacar, ameaçando. Chega! Chega de mentira, como a do Vietnã, chega de mentira
como a do Iraque, chega de mentira como a da Líbia.
Sabe, é preciso parar, o mundo
precisa de paz. O mundo precisa de paz, o mundo precisa de escola, o mundo
precisa de livro, não de arma. O mundo precisa de emprego. Eu, eu, às vezes,
Glenn, fico irritado, porque na reunião que nós fizemos do G20, em Londres, foi
a primeira reunião que o Obama participou, a gente tinha tomado decisões importantes
para enfrentar a crise de 2008, e uma das possibilidades era de que os países
ricos, na medida em que tinham diminuído o consumo interno, que eles
facilitassem o financiamento para os países pobres se desenvolverem, se
modernizarem, comprarem máquinas novas, terem acesso à ciência e à tecnologia.
E isso não foi feito, voltou o protecionismo.
Glenn – Mas presidente, isso é
uma crítica comum, para o PT também, que, embora você e Dilma tenha uma
reputação e um passado político de esquerda, a forma que você governou era
neoliberal. Existem inúmeros exemplos citados do fato que já discutimos, que o lucro dos bancos explodiram durante sua presidência.
Assim como o partido democrata nos Estados Unidos é financiado por Wall Street
e pelo Vale do Silício, o PT foi financiado pelas empresas mais ricas aqui no
Brasil, Odebrecht, OAS, JBS e muitos bancos. Você implementou uma
reforma da previdência em 2004, Dilma implementou a austeridade em 2014, a hidrelétrica de
Belo Monte que os ativistas do meio ambiente indígenas eram contra, você cortou
os impostos para pessoas mais ricas. Se você acha que a vitória do Bolsonaro
foi causada pelos fracassos do neoliberalismo, você acha que o PT também
construiu isso?
Lula – Não, não. Ô Glenn, ô
Glenn, eu não vou responder essa pergunta agora sem antes responder a quantidade
de coisas que você falou do PT e do meu governo.
Glenn – Não, quero que você
responda.
Lula – É importante ter em
conta o seguinte…
Glenn – É uma crítica comum,
estou perguntando por causa disso.
Lula – No meu governo, no
meu governo eu nunca disse que era um governo socialista. Primeiro, quando você
ganha uma eleição, você tem que estabelecer qual é a correlação de forças que
você vai ter para você poder executar as tuas políticas. É importante lembrar,
querido Glenn, que quando eu fui eleito presidente da República num parlamento
de 513 deputados, eu tinha 91 deputados. O Collor… o Bolsonaro, tem 50. Ele vai
precisar, muito mais do que eu, construir uma correlação de forças favorável
para aprovar as coisas que ele quer. Não adianta ficar dizendo “a velha
política”, a “velha política” é ele! Ele é um cara que teve 28 anos de mandato.
Ele é a velha política, eu sou a nova. Eu só tive quatro anos de mandato como
deputado, eu não quis mais ser deputado, ele teve 28 anos. Então vamos parar
com essa bobagem de nova política e velha política. Quem quer governar, governa
com o que tem!
Eu governo o país que eu tenho,
eu não governava a França, nem a Alemanha, nem os Estados Unidos, eu governava
o Brasil, e, quando eu cheguei no governo, tinha 54 milhões de pessoas que
passavam fome, que não tomavam café de manhã, e eu tinha assumido o compromisso
que, no término do meu mandato, cada brasileiro iria estar tomando café,
almoçando e jantando. Eu não tive direito à universidade, mas tinha um
compromisso de honra de que, pelo fato de eu não ter tido universidade, os
trabalhadores tinham o direito. É por isso que eu, mesmo sendo o único
presidente que não tenho o curso universitário, e também não troco o meu por
alguns que têm, sabe. Sou o presidente da República que mais colocou estudante
na universidade, que mais fez universidade federal, que mais fez escolas
técnicas na história do país, que mais fez política de transferência de renda,
que mais aumentou o salário mínimo, que mais fez assentamento dos sem terra.
Glenn – Como você pode explicar o
sofrimento da população que trouxe o Bolsonaro na presidência, depois de 14
anos do PT?
Lula – Por que que eu fiz
isso, por que eu fiz tudo isso, sabe, que eu acabei de dizer? Porque eu, eu
entendo que se alguém quiser resolver os problemas do Brasil, alguém tem que
utilizar a palavra povo, alguém tem que olhar para as pessoas e enxergar um ser
humano. As pessoas não podem enxergar um número, as pessoas não podem enxergar
uma dívida. Você quer diminuir a dívida pública do Brasil? Faça a economia
crescer. Você quer diminuir o déficit da previdência? Gera empregos. Por que em
2014 a
previdência era superavitária? Porque nós criamos 20 milhões de empregos com
carteira assinada, porque nós legalizamos seis milhões de microempreendedores
individuais. Coloca a economia para funcionar. Só fala em corte, corte, corte,
corte, corte, corta. Fala em crescimento, desenvolvimento, olha para o povo,
não olha para os bancos. Olha, como é que você pode imaginar um país crescer
tendo um presidente batendo continência para a bandeira americana?
Glenn – Não, mas eu estou
perguntando porque foi você que culpou a ideologia de neoliberalismo pelo
crescimento do Bolsonaro e outros extremistas. Estou tentando entender a
diferença de como você governou, e Dilma governou, e essa ideologia. Quais
diferenças vocês estão vendo?
Lula – Ah, Glenn, nós
começamos a nossa entrevista, e eu comecei dizendo que o grande problema do PT
não foram os erros do PT, o grande problema do PT foram os acertos do PT. Ou
seja, na América Latina, toda vez que apareceu um presidente que tentou fazer
política social, ele foi derrubado, todas as vezes. A elite brasileira e a
elite de outros países não aceitam uma política de desenvolvimento que tem
inclusão social. Então, o PT conseguiu fazer – isso não é dito por mim, é dito
pela ONU – o PT conseguiu fazer a maior política de inclusão social da história
deste país. É importante lembrar que o nosso governo foi o único momento na
história em que os mais pobres tiveram um crescimento percentual acima dos mais
ricos. Não que os ricos não ganharam, mas que os pobres cresceram
percentualmente mais. Foi a única vez e começou a incomodar. Você deve ter
ouvido no aeroporto do Galeão, no aeroporto de Congonhas: “Ah, o aeroporto
parece uma rodoviária, está cheio de pobre aqui andando, gente que não sabia
nem frequentar aeroporto”.
Glenn – Então, por que tem tanta
raiva neste país que trouxe o Bolsonaro para a presidência?
Lula – Então, mas vamos ver,
você é a oportunidade que eu tenho de fazer o povo brasileiro entender o que
aconteceu. Veja, vamos pegar o Bolsonaro. O Bolsonaro teve 39% dos votos
totais, não dos que votaram, dos votos totais, 39%.
Glenn – No primeiro turno?
Lula – Não, não, no segundo
turno. Se você fizer a somatória ele teve 57% dos votos válidos, mas teve 39%
do total de eleitores.
Glenn – Mas ganhou com margem
grande.
Lula – É um terço, ou seja,
ganhou as eleições. Ganhou as eleições, mas você tem uma maioria de pessoas que
não votou nele. Pois bem, por que votaram nele? Votaram nele, eu disse essa
frase para você e vou repetir aqui: “Em tempo de terror, muita gente escolhe o monstro
para se proteger.” E as pesssoas preferiram acreditar em uma mentira chamada
Bolsonaro, em um homem que pregava o ódio, em um homem que pregava a violência,
em um homem que não gostava de negro, em um homem que não gostava de
homossexual, em um homem que não gostava de mulher, em um homem que não gostava
de pobre, em um homem que falava que tinha que matar, sabe, e votaram nele! Por
quê? Porque do outro lado era o PT e o PT era o demônio.
Quem sabe, veja uma coisa Glenn,
eu, quando perguntado, muitas vezes eu dizia que foi Deus que não quis que eu
ganhasse as eleições em 1989. Por quê? Eu perdi 89, perdi 94, 98, e nunca
fiquei zangado, você nunca me viu nervoso porque perdi. Eu ia para casa me
preparar para outra. Então, o ódio começou com a vitória da Dilma em 2014… Não,
começou com as manifestações de 2013 e foi consolidado com a derrota do Aécio,
que começou a pregar a queda da Dilma, o ódio, o ódio, o ódio…
Glenn – E eles não conseguiram
aceitar essa perda. Mas quero perguntar uma coisa que é bem importante, que
você disse agora, que o PT é o demônio, ódio contra o PT, porque tem uma
crítica que estou ouvindo frequentemente sobre a sua estratégia durante a
eleição de 2018. Especificamente, que você fez todo o possível para enfraquecer
a candidatura presidencial do Ciro Gomes, de centro-esquerda, que muitos
acreditavam que tinha uma chance muito maior de ganhar do Bolsonaro, do que o
candidato que você escolheu do seu partido, Fernando Haddad.
Por causa da raiva e do ódio que
existem no Brasil em relação ao PT, porque Haddad era desconhecido fora de São
Paulo, e no primeiro turno, para a audiência internacional, Haddad fica no
segundo lugar, e no segundo turno Bolsonaro derrotou seu candidato do PT por
uma grande margem. E essas críticas falam que você preferia perder para o
Bolsonaro, mas manter o controle da esquerda com o PT, do que ter uma melhor
chance de derrotar o Bolsonaro, se isso significasse deixar um outro partido,
do Ciro, representar a esquerda. Essa crítica não é válida?
Lula – Você acredita nisso?
Glenn – Eu estou perguntando se
você acha.
Lula – Eu estou perguntando
se você acredita, sabe por quê?
Glenn – Eu vou falar o que eu
sei. Eu sei que seu candidato, que você transferiu muitos votos para deixar ele
chegar no segundo turno, perdeu por uma grande margem para Bolsonaro, e eu
estou perguntando se isso foi a estratégia certa.
Lula – Eu vou tentar falar,
veja, a minha estratégia, a primeira estratégia minha, o que você está falando,
eu vivi em 1989. Em 1989, o Brizola, de quem eu tenho muita boa recordação,
achava que ia ser presidente. O Brizola voltou do exílio presidente da
República e, quando teve as eleições, fui eu que fui para o segundo turno. Você
sabe que o Brizola chegou a pedir para que eu e ele desistíssemos para apoiar o
Mário Covas? Eu falei: “Brizola, mas se o povo quisesse votar no Mario Covas,
teria votado, por que que não votou? Como é que eu vou ficar agora com os
eleitores que votaram em mim? Eu vou desistir para apoiar o Mário Covas, que
perdeu?” Olha, se o povo queria votar no Ciro no segundo turno, por que que não
votaram no primeiro?
Glenn – Porque você transferiu
seu apoio para o Haddad e não para Ciro, e porque seu partido impediu ele
também de ser parceiro do PSB, abriu mão da possibilidade do partido de ser
governador de Pernambuco por causa desse candidato muito popular do PT, você
sabe, todas essas críticas.
Lula – Gente, vejam, o Ciro
reclama porque o PT fez articulação política para trazer o PCdoB e PSB. O que
ele queria que o PT fizesse? Que o PT não fizesse nada? Ele queria que o PT não
conversasse com o PSB, porque…
Glenn – Mas foi você que disse
que o PT era demoníaco, que era muito atacado…
Lula – Ora, mas veja, deixa
eu te falar uma coisa, o Ciro tem que aprender uma coisa, isso em política é
importante, se você for entrar na política um dia, aprenda isso: se você quiser
que alguém goste de você, você precisa aprender a gostar da pessoa. Se você
quiser que alguém te respeite, você precisa respeitar as pessoas. Olha, se o
Ciro queria de verdade o apoio do PT, ele poderia ter conversado com o PT. Eu
vou lhe contar uma história que você não sabe e que ninguém nunca contou para
ninguém, porque o Ciro nunca contou. Uma vez o Mangabeira Unger vai no
escritório e fala assim para mim: “Olha, nós fizemos uma reunião com o Haddad e
o Ciro, e nós conversamos do Haddad ser vice do Ciro.” E eu falei para o
Mangabeira: “Você não acha que antes você deveria ter conversado com o PT?”
Ora, eu perdi quatro vezes até chegar lá, o Ciro já perdeu três, quem sabe ele
perde mais uma. Se o Ciro quiser aliados ele tem que saber conversar, ele tem
que saber convencer as pessoas, ele tem que assumir compromissos programáticos.
Glenn – Tudo bem, com certeza
Ciro vai ouvir isso e…
Lula – E eu acho, veja, o
Ciro sabe da relação que eu tenho com ele. Eu sempre tive uma relação de muito
respeito com o Ciro e sou agradecido ao Ciro de ter participado do meu governo,
e vou lhe dizer mais, eu era contra o Ciro ser candidato a deputado, eu
convidei ele para ser presidente do BNDES.
Glenn – Mas é exatamente por
causa disso que ele sentiu que tinha uma chance muito maior do que o candidato
que você botou no segundo lugar no segundo turno. Mas tudo bem, eu quero usar
essa oportunidade para discutir um pouco o desafio da esquerda internacional. É
muito importante, porque você é uma das únicas grande lideranças da esquerda,
dos últimos 20 anos, que conseguiu vencer eleições nacionais de um grande país,
alcançando os mais pobres e marginalizados.
Eu acho que por isso é bem
importante ouvir o que você pensa sobre os problemas que a esquerda
internacional está enfrentando, porque na maioria dos países do mundo
democrático, inclusive aqui do Brasil, a esquerda está com grande dificuldade
em atrair o apoio desses grupos, enquanto cresce o apoio das classes mais
ricas, com pessoas com mais educação formal, universitários. Eu quero
saber, o que falta para a esquerda mundial e brasileira fazer, que você foi
capaz de fazer, para se reconectar com o povo?
Lula – Olha, eu em 2008, na
crise econômica, eu descobri que o mundo estava sem liderança. Eu participei de
muitas reuniões com os 20 principais presidentes dos países do mundo, e eu
notava que as pessoas estavam sem saber o que fazer. E a minha preocupação, por
exemplo, com a União Europeia, era que a União Europeia tinha ficado muito
burocrática, ou seja, não eram os políticos que falavam, era a burocracia que
falava, era a comissão disso, a comissão, tudo tinha uma comissão para
resolver, e o político não decide. Eu achava isso muito ruim, sabe.
E nos Estados Unidos, o Obama
também não tinha instrumento. Eu lembro que eu liguei para o Obama, na crise da
indústria automobilística, para falar para o Obama o que eu ia fazer com o
BNDES, com o Banco do Brasil, com a Caixa Econômica, que foram três bancos
públicos que nos permitiram alavancar o crescimento econômico do Brasil e não
permitir que a crise nos sufocasse. O Obama até lamentou, que aqui nos Estados
Unidos não é possível pensar em ter um banco, mas era possível criar um banco
de desenvolvimento. Bem, o que que eu acho que a esquerda tem que fazer: eu
acho que primeiro a esquerda precisa, sabe, tem esquerda que tem 100 anos de
experiência, 150 anos de experiência, 80 anos, o PT tem 40 anos de experiência,
e eu acho que a experiência do PT é muito exitosa.
Alguns dizem que o PT se
distanciou do povo. Olha, o PT precisa se eu diria, voltar, não a suas origens,
porque você não governa para um partido, você governa para a sociedade. Quando
você ganhar as eleições você tem que governar para todo mundo, você pode
escolher preferencialmente quem é que você vai atender mais, ou menos, mas você
tem que governar para todo mundo, você tem que respeitar todo mundo, tem que
gostar de todo mundo, tem que atender todo mundo, foi assim que eu fiz. Eu
duvido, Glenn, que você encontre em um país, na época do meu governo, um
prefeito, ou um governador, ou um deputado de um partido adversário que tenha
falado mal do meu governo, porque todos foram tratados com decência.
Glenn – E eu concordo, você saiu
com 86% de aprovação, e uma das partes mais importantes, na minha opinião, do
seu apelo político, foi a sua infância e a formação, que você vem da pobreza,
que você não aprendeu a ler até os dez anos, era trabalhador aos 16 assim como
milhões de brasileiros. E eu quero saber se você acha que é importante que o
partido da esquerda seja mais representado por pessoas que não aprenderam sobre
pobreza na faculdade como teoria, mas que cresceram na pobreza e, portanto,
entendem sua experiência na pele e podem falar com credibilidade com o povo
sobre pobreza. E você acha que a esquerda brasileira, a esquerda internacional,
tem isso agora, como você conseguiu fazer?
Lula – Olha, eu acho que a esquerda tem muita gente bem estudada, bem
intelectualizada que pode fazer isso. O que nós precisamos é…
Glenn – Mas é a mesma coisa ter
experiência?
Lula – O que nós precisamos
é criar compromissos. Não é possível você governar em um país… Você está
lembrado qual foi a atitude que eu tomei quando eu ganhei as eleições? Você
está lembrado que eu coloquei todo ministério em um avião e levei todos os
ministros para os quatro lugares mais pobres do Brasil? O que que eu queria com
aquilo? Eu queria que um Meirelles, que era banqueiro, eu queria que um
Palocci, que era médico, eu queria que um Furlan, que era empresário,
conhecesse uma palafita, que vissem o homem e a mulher [que] no mesmo lugar que
eles defecavam eles comiam, eu queria que eles vissem a quantidade de meninas
com dois ou três filhos com pai desaparecido, eu queria que eles vissem o vale
do Jequitinhonha, queria que eles conhecessem o mundo tal como ele é, não o
mundo de Brasília. Então a esquerda tem que assumir compromisso.
Você não vai conseguir governar
se você não definir para quem você quer priorizar, para quem que eu vou
governar. Eu gosto de todo mundo, eu gosto do Glenn, eu gosto do Lula, eu gosto…,
mas eu tenho que escolher. O Glenn come todos os dias? O Glenn está estudando?
O Glenn tem carro? O Glenn… Sabe, então ele não é minha prioridade, a minha
prioridade são as pessoas mais pobres, que não têm e que precisam ter o mesmo
que ele tem.
Glenn – Mas para fazer isso, você
acha que é importante ter candidatos que vem desses bairros que tem pobreza e
não parecem muito acadêmicos?
Lula – Não, nós temos que
preparar. Eu sou de preferência que a gente consiga candidatos que tenham na
sua origem as lutas populares correndo no seu sangue, na sua veia, mas
obviamente que tem muita gente boa sabe, que não é de origem pobre, mas que
assumiu o compromisso com o pobre.
Glenn – Mas também precisa de
candidatos, você acha que é isso que está faltando aqui no Brasil?
Lula – É lógico. Por isso
eu, o partido… Eu acho que está faltando organizar mais gente para participar,
mais mulheres, mais negros, mais índios.
Glenn – Tenho cinco minutos e
preciso te perguntar…
Lula – Eu vim te avisar se
você não vai me perguntar da Venezuela (risos).
Glenn – Tá bom, mas preciso
perguntar sobre isso, todo mundo vai me matar, porque é uma das grandes
preocupações internacionais sobre a situação aqui no Brasil. A Amazônia, devido
à importância que isso representa para a capacidade do ser humano de proteger o
planeta, de desastres climáticos catastróficos… você acredita que a Amazônia
está em perigo por causa do governo Bolsonaro?
Lula – Acho. Veja, porque
eles não têm limite. Como eles só sabem destruir, para ele a biodiversidade e o
ecossistema dos biomas brasileiros valem muito pouco. O que eles querem é
destruir, sabe, e eu me preocupo, porque a sustentabilidade e a defesa da
Amazônia estão dentro de uma política de soberania nacional. O Brasil tem quase
16 mil quilômetros de fronteira seca com 10 países, o Brasil tem quase 8 mil
quilômetros de fronteira marítima, o pré-sal fica a 200 milhas de distância
das nossas praias e, portanto, está quase em águas estrangeiras e nós
precisamos proteger, o Brasil tem 12% da água doce do mundo. O Brasil precisa,
então, colocar as nossas fronteiras, o nosso povo, a nossa floresta, a nossa
fauna, a nossa biodiversidade como se fosse um patrimônio da humanidade, mas
subordinado à administração e aos interesses do Brasil. E colocar a questão da
ciência e da tecnologia, a indústria de fármacos, que pode ter na Amazônia uma
fonte extraordinária de produção de soluções para n doenças no mundo. Então o
Brasil precisa tomar cuidado. Eu tenho orgulho, porque eu participei da COP15
em Copenhague, quando nós assumimos compromisso, depois da Dilma assumir o
compromisso em Paris. Ou seja, eu…
Glenn – Mas você foi criticado
também pela Marina Silva, cuja a causa era o meio ambiente de seu governo, um
protesto. E agora todos nós somos mais conscientes do perigo que o nosso
planeta enfrenta, então, tem coisas que você teria feito diferente sabendo
disso?
Lula – Ah, Glenn, você sabe
o que eu descobri? Alguns valores da minha mãe quando ela morreu. Eu não sabia
que eu gostava tanto dela. O fato da Marina ter feito uma crítica, a Marina foi
ministra do Meio Ambiente. Ela foi ministra durante cinco anos. Sabe, ela não
pode reclamar, ela foi ministra! Não era eu quem induzia ela, era ela que me
induzia a colocar em prática as políticas ambientalistas, ou seja, obviamente
que nós não fizemos tudo, mas eu duvido que alguém tenha feito o tanto que nós
fizemos.
Glenn – Está bom, com a permissão
da entrevista, que eu tenho um pouco mais de um minuto, e tenho mais uma
pergunta…
Lula – Tem que dar uma
colher de chá, você não vai perguntar da Venezuela, poxa?
Glenn – Não, você já discutiu
isso com o Kennedy [Alencar]. Hoje eu quero, na realidade, perguntar sobre o
juiz Moro, porque ele é o juiz que te condenou e que te botou
nesta prisão onde estamos, que te inelegeu para concorrer como
presidente e que depois de tudo isso foi escolhido pelo Bolsonaro para ser
ministro da Justiça, uma escolha que muitos consideram suspeita, se não
corrupta, ainda que a sentença de condenação tenha sido confirmada em um
tribunal superior. Esta semana tivemos uma nova revelação, que Bolsonaro disse
que prometeu a Moro a primeira vaga no STF. Como você vê essa nova revelação em
relação ao papel de Moro em seu processo criminal e o fato de que você está
aqui na prisão?
Lula – Tem mais uma
revelação de ontem, que você não deve saber: a ministra que me condenou no
segundo processo, ela disse em um debate ontem à noite, em Curitiba, que ela
copiou a sentença da minha condenação, da minha sentença do Moro. Ou seja,
deixa eu dizer uma coisa para você, olhando para você com muita seriedade e
responsabilidade: o Moro é mentiroso, o Moro é um subproduto da Rede Globo de
Televisão e dos meios de comunicação. Ele, como ninguém, planejou com o
Estadão, ele visitou todos os meios de comunicação antes de começar a Operação
Lava Jato e ele tinha dito em um artigo que ele escreveu que o sucesso de
qualquer operação dependia da imprensa.
Um juiz que depende da imprensa
para condenar não é juiz. Um juiz para condenar, ele tem que condenar em função
dos autos do processo, em função das provas, contra ou a favor do que ele
tenha. Então, eu vou dizer aqui para você em bom som: ele é mentiroso, o
delegado que fez o inquérito meu do apartamento é mentiroso, o TRF4 mentiu ao
meu respeito. Não pensa que estou dizendo isso com prazer, porque eu sei quais
são as consequências para mim. E para mim tudo que eu desejo é que o Moro faça
um discurso todo dia. Quanto mais ele falar, mais ele vai se comprometer. Ele
não nasceu para fazer algo além de ler o código penal. Então, eu, você sabe que
eu tenho um compromisso de vida e é de provar que essa gente mentiu a meu
respeito.
Eu estou aqui há um ano e dois
meses. Sabe, estou muito… todo dia eu faço exercício para me controlar, para
não ficar com raiva e estou vendo o Brasil sendo destruído, estou vendo a
soberania nacional, estou vendo os militares se entregarem, sabe, às críticas
estapafúrdias, é um negócio assim que eu não consigo imaginar aonde nós
chegamos. Esse país em 2008 tinha um compromisso de ser a quinta economia do
mundo. Esse país virou coqueluche no mundo. Esse país é o país responsável de
fortalecer o Mercosul, criar a Unasul, criar a Selac, criar os BRICS, criar o
Ibas, fazer reunião entre o mundo árabe e a América do Sul, fazer reunião entre
o mundo árabe, entre África do Sul e América Latina, entre país africano e
América Latina…
Glenn – Nosso tempo está acabando,
então pode…
Lula – Deixa eu lhe falar
uma coisa, querido, esse país está jogando fora tudo que foi construído, e
agora está jogando fora um sonho com esse corte nas universidades. Não é
possível que esses ignorantes que buscam o diploma universitário não saibam que
não tem nenhum investimento mais promissor para o futuro de um país do que
escola, do que educação. E foi isso que nós fizemos, e é isso que eles estão
destruindo. Então o povo só tem um jeito, e é reagir. Ele não foi eleito para
destruir o Brasil, ele não foi eleito, e aliás ele não participou de nenhum
debate, ele não tem programa, ele não tem nada.
Glenn – Precisamos concluir. Eu
quero te agradecer…
Lula – [Enquanto o policial
se aproxima de Lula] Você não vai ser preso não, eu é que posso ficar mais um
tempo aqui. Você vai ser solto. Eu quero que você saiba o seguinte, eu vou
fechar uma pergunta que você não fez e eu vou dizer. Acho que não é correto,
não é correto, o tratamento que estão dando para a Venezuela. A Venezuela tem
que ter soberania, tem que ter autodeterminação, e a Venezuela é um problema do
povo da Venezuela e não um problema dos Estados Unidos. Trump que cuide dos
Estados Unidos e deixe de se meter onde não é chamado.
Glenn – Presidente, muito
obrigado pela entrevista de novo, mais uma vez.
Lula – Muito obrigado você.
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