terça-feira, 21 de maio de 2019

Brasil | Perdendo a Guerra


Após as manifestações em defesa da educação em todo o país, o Governo parece ter se desestabilizado. O presidente faz declarações desencontradas e tresloucadas, pressentindo que seu Governo não se sustenta

Liszt Vieira | Carta Maior

O falcão não escuta o falcoeiro/ As coisas desmoronam/
O centro não sustenta/ Mera anarquia avança sobre o mundo.
(W.B. Yeats)

Abstraindo o conteúdo reacionário, regressivo, pré-moderno e até mesmo medieval das decisões do atual Governo, se raciocinarmos apenas em termos de guerra, tema tão caro ao atual presidente, vemos que ele comete erros grosseiros.

Como chegou apenas a tenente e foi reformado um posto acima, como é de praxe, não estudou estratégia e tática da guerra. Se tivesse noção disso, não abriria tantas frentes de combate ao mesmo tempo. Abriu fogo para todo lado, ganhando a cada dia novos adversários, para ele inimigos. E não consegue dar conta de tantos confrontos ao mesmo tempo.

Já começa a perder combates. Como não selecionou seus alvos prioritários, atacou quase todos os segmentos da sociedade com sua metralhadora giratória, e começa a colher derrotas. Sua preocupação parece ser dar uma satisfação a seus patrocinadores e seguidores fiéis. No caso do decreto ampliando o porte de arma para 20 categorias, envolvendo milhões de pessoas, desdenhou a informação de que o decreto é inconstitucional. É como se dissesse a seus apoiadores: eu fiz a minha parte, eles é que barraram. Diria um malicioso: E não deixem de pagar minha propina!

Ele não tem nenhum programa de governo, não é a favor de nenhuma política pública, quer apenas destruir. Está colecionando adversários importantes, indignados com a destruição e o desmonte da educação, ciência, cultura, meio ambiente, política externa etc.



Do ponto de vista econômico, não há mais dúvida de que este é um ano perdido. Ninguém investe alegando esperar a reforma da Previdência que transfere renda dos pobres para os ricos, bem no estilo dos Chicago Boys. Se a reforma que finalmente for aprovada não agradar o mercado, os empresários vão se lembrar de que o atual presidente cometeu crimes ao apoiar e premiar as milícias assassinas no Rio de Janeiro. Motivo para impeachment não falta.

Antigos críticos implacáveis do governo do PT já assumiram papel de oposição a Bolsonaro e apelaram aos militares para abandonar o Governo que tende a se enfraquecer e se desmoralizar perante seu público. Isso já ocorre com as forças armadas, cuja imagem fica seriamente comprometida com as atitudes irracionais e sociopatas do capitão pateta.

Ressalte-se que o Ministério Público Federal pediu a suspensão do decreto de armas de Bolsonaro e afirmou que o bloqueio de verbas imposto pelo Ministério da Educação é inconstitucional. Mas a ofensiva ilegal continua. Em represália, o Governo baixou o Decreto 9.794, de 14 de maio de 2019, que transfere para a Casa Civil da Presidência da República as competências para as indicações de pró-reitores ou decanos destas instituições. Ou seja, Bolsonaro tira dos reitores competência de nomear pró-reitores e outros cargos de gestão. Mais um decreto inconstitucional.

A ofensiva não para. O objetivo é colocar a sociedade, vista como “inimigo”, na defensiva. Mas a reação começa a produzir um enorme desgaste no Governo, como se viu nas manifestações em defesa da Educação no dia 15 de maio último.

O presidente, chamado de sociopata, não prima pelo equilíbrio, é o mínimo que se possa dizer. A História registra muitos casos de tiranos perturbados mentalmente. Entre muitos outros exemplos, podemos citar Frederico 1º da Prússia (1657-1713), Ivan 4º, o Terrível, da Rússia (1530-1584), George 3º, da Inglaterra (1738-1820), Carlos 6º, da França (1368-1422) etc.

Um dos melhores exemplos talvez seja o de Caio Cesar, mais conhecido pelo apelido de Calígula, imperador romano do ano de 37 D.C. até 41 D.C. Ficou famoso por sua crueldade, extravagância e perversidade sexual Foi assassinado pela guarda pretoriana, em 41, aos 28 anos.

Acossado pelas dívidas, pôs em funcionamento uma série de medidas desesperadas para restabelecer as finanças imperiais, entre as quais pedir dinheiro à plebe. Passou à história como um tirano demente. Uma das decisões mais conhecidas de Calígula foi sua ideia de colocar no Senado Romano o seu cavalo favorito, Incitatus, embora alguns historiadores pensem que esta história é mais lendária do que verídica.

Perdeu a guerra na Britânia porque pediu ao exército para, em vez de atacar as tribos britânicas, recolher conchas, o tributo que segundo ele era devido ao monte Capitolino e ao monte Palatino. Segundo Suetônio, autor do famoso livro A Vida dos Doze Césares, era simplesmente um monstro. Psicopata, narcisista, assassino, depravado. O pior dos piores.

Guardadas as devidas proporções e ressalvadas as diferenças, pode-se afirmar que temos hoje no Brasil “o pior dos piores” de todos os presidentes de nossa História, superando alguns com fama de desajustados, como por exemplo Jânio Quadros e Collor. Sem dúvida, atualmente temos o pior de todos os governos que já tivemos. Basta ver a prioridade dos ministros do Governo Bolsonaro.

A prioridade atual da Ministra dos Direitos Humanos é denunciar a personagem Elza, da série infantil Frozen, que mora num castelo de gelo e, segundo a Ministra, só pode ser lésbica.

O Ministro da Educação permanece firme na sua guerra para destruir a educação no Brasil, a mando do presidente que odeia educação e cultura. A manifestação nacional em defesa da educação mobilizou em todo o país milhões de pessoas, chamadas de “idiotas úteis” pelo presidente.

O Ministro do Meio Ambiente persevera em sua insana tarefa de desmontar o Ministério e destruir as fontes dos recursos naturais, a floresta com sua rica biodiversidade, fonte de água, oxigênio e umidade que impede a seca e desertificação do país. Sai a floresta, entra a soja transgênica, o gado, a mineração, as madeireiras, as grandes obras. Tudo para aplacar o ódio do presidente à proteção ambiental e para agradar os setores atrasados do agronegócio.

O Ministro das Relações Exteriores continua priorizando o ataque ao “marxismo cultural” que inventou o aquecimento global, enganou todos os cientistas do mundo inteiro e iludiu a ONU.

A Ministra da Agricultura prioriza autorizar a importação de mais agrotóxicos, segundo ela injustamente proibidos na Europa como cancerígenos. Merece o título de Musa do Veneno.

E last, but not least, o Ministro da Economia cuja prioridade é economizar 1 trilhão a ser extraído da população de baixa e média renda por meio da reforma da previdência, cortes nos orçamentos da educação, saúde, ciência, meio ambiente etc. O Ministro Guedes finge não saber que as empresas petrolíferas estrangeiras que vierem explorar o pré-sal deixarão de pagar 1 trilhão de impostos pela Medida Provisória 795 – a chamada M.P. do Trilhão - aprovada em novembro de 2017 por iniciativa do governo Temer, e que deu origem à Lei 13.586/2017.

Segundo consta, os outros Ministros não têm prioridades, porque nada fazem.

A situação política é estarrecedora. Para todo lado, o que se vê no governo é mediocridade, ignorância, arrogância e imposição de decretos inconstitucionais. É um governo anti-iluminista, pré-moderno, com valores medievais, que combate a razão, a ciência, o humanismo em nome do de um obscurantismo religioso fundamentalista. Afinal, como diz o título de um quadro do pintor espanhol Goya, “o sono da razão gera monstros”.

A política da destruição sem construir nada já se volta contra o Governo, que começa a perder apoios e ver reduzida sua antiga popularidade. A grande mídia já namora a opção Mourão como alternativa. E o apoio do mercado começa a fazer água com as perspectivas sombrias da economia. Breve, os empresários vão “descobrir” que Bolsonaro e família apoiam as milícias criminosas e começarão a conspirar pelo seu afastamento.

Alguns jornalistas já falam em “confusão mental”, “problemas psiquiátricos” e chegam a sugerir que o Presidente peça demissão. Outros já dizem que o impeachment de Bolsonaro “entra no radar”. Após as manifestações em defesa da educação em todo o país, o Governo parece ter se desestabilizado. O presidente faz declarações desencontradas e tresloucadas, pressentindo que seu Governo não se sustenta.

A instabilidade institucional pode levar o país, à beira do precipício, a um estado de anomia, em que, como dizia o poeta irlandês W.B.Yeats em seu poema The Second Coming, o falcão não escuta mais o falcoeiro, as coisas desmoronam, o centro não sustenta. Tudo indica que, de uma forma ou de outra, o Governo desmorona, é questão de tempo.

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