quarta-feira, 15 de maio de 2019

Portugal | Quem fez Joe Berardo?

Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião

José Berardo integrou um exclusivo grupo de banqueiros e gestores que cresceram à sombra do privilégio da finança nos anos da farra bolsista, que construíram fortunas com créditos bancários e rendas do Estado, que beneficiaram do beneplácito geral e da estreita cumplicidade dos meios políticos do bloco central (em que se inclui o CDS).

Zeinal Bava, Hélder Bataglia e José Berardo, todos condecorados pelos seus méritos empresariais. Berardo, no pico da crise acionista do BCP, chegou mesmo a ser considerado pelo comentador Marcelo Rebelo de Sousa a figura empresarial do ano. Uma lista de personalidades que poucos contestaram, e os que se atreveram foram acusados de "preconceito ideológico" contra banqueiros e seus derivados. Uma lista que não pára de aumentar, e à qual podemos acrescentar outros nomes, como o de Ricardo Salgado ou de Nuno Vasconcellos, da Ongoing. Uma lista que saiu muito cara ao país.

O processo de ascensão social e económica de Berardo está ligado ao Estado. Por um lado, a Caixa emprestou mais de 300 milhões para a compra de ações do BCP. Por outro, o Estado aceitou financiar a coleção de quadros de Berardo, pagar as despesas da sua manutenção, e expô-la numa das mais prestigiadas montras culturais do país, valorizando-a. Durante anos o Bloco criticou esse protocolo e questionou o seu preço para as contas públicas, sem sucesso.



Em 2016, já depois de ser pública a penhora de 75% dos títulos da ação Coleção Berardo por três bancos, o Ministério da Cultura renovou o protocolo com a Coleção, afirmando publicamente que não tinha conhecimento de qualquer penhora sobre as obras. Pela mesma altura, José Berardo e o seu advogado punham em prática um golpe jurídico para chamar novos acionistas (por si controlados, suponho) à Associação Coleção Berardo, diluindo a posição dos bancos credores. E como se tudo isto não fosse mau demais, o Estado ainda aceitou perder a opção que tinha de comprar a Coleção a um preço fixo determinado em 2006, tendo agora que se sujeitar à chantagem de Berardo e ao preço de mercado de obras que valorizam graças ao CCB e ao investimento do Estado.

Pelo meio, cumpre dizer que a Fundação José Berardo não pagou impostos pelos lucros que fez em Bolsa porque é, imagine-se, uma IPSS.

As burlas têm de ser julgadas, as dívidas têm de ser cobradas, e os ex-administradores punidos em caso de irregularidades ou gestão danosa. Mas tudo parece pouco para aplacar o sabor amargo da injustiça, num país que insiste em desconfiar mais de pobres que de banqueiros charlatões.

*Deputada do BE

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