Mariana Mortágua | Jornal de Notícias
| opinião
José Berardo integrou um
exclusivo grupo de banqueiros e gestores que cresceram à sombra do privilégio
da finança nos anos da farra bolsista, que construíram fortunas com créditos
bancários e rendas do Estado, que beneficiaram do beneplácito geral e da estreita
cumplicidade dos meios políticos do bloco central (em que se inclui o CDS).
Zeinal Bava, Hélder Bataglia e
José Berardo, todos condecorados pelos seus méritos empresariais. Berardo, no
pico da crise acionista do BCP, chegou mesmo a ser considerado pelo comentador
Marcelo Rebelo de Sousa a figura empresarial do ano. Uma lista de
personalidades que poucos contestaram, e os que se atreveram foram acusados de
"preconceito ideológico" contra banqueiros e seus derivados. Uma
lista que não pára de aumentar, e à qual podemos acrescentar outros nomes, como
o de Ricardo Salgado ou de Nuno Vasconcellos, da Ongoing. Uma lista que saiu
muito cara ao país.
O processo de ascensão social e
económica de Berardo está ligado ao Estado. Por um lado, a Caixa emprestou mais
de 300 milhões para a compra de ações do BCP. Por outro, o Estado aceitou
financiar a coleção de quadros de Berardo, pagar as despesas da sua manutenção,
e expô-la numa das mais prestigiadas montras culturais do país, valorizando-a.
Durante anos o Bloco criticou esse protocolo e questionou o seu preço para as
contas públicas, sem sucesso.
Em 2016, já depois de ser pública
a penhora de 75% dos títulos da ação Coleção Berardo por três bancos, o
Ministério da Cultura renovou o protocolo com a Coleção, afirmando publicamente
que não tinha conhecimento de qualquer penhora sobre as obras. Pela mesma
altura, José Berardo e o seu advogado punham em prática um golpe jurídico para
chamar novos acionistas (por si controlados, suponho) à Associação Coleção
Berardo, diluindo a posição dos bancos credores. E como se tudo isto não fosse
mau demais, o Estado ainda aceitou perder a opção que tinha de comprar a
Coleção a um preço fixo determinado em 2006, tendo agora que se sujeitar à
chantagem de Berardo e ao preço de mercado de obras que valorizam graças ao CCB
e ao investimento do Estado.
Pelo meio, cumpre dizer que a
Fundação José Berardo não pagou impostos pelos lucros que fez em Bolsa porque
é, imagine-se, uma IPSS.
As burlas têm de ser julgadas, as
dívidas têm de ser cobradas, e os ex-administradores punidos em caso de
irregularidades ou gestão danosa. Mas tudo parece pouco para aplacar o sabor
amargo da injustiça, num país que insiste em desconfiar mais de pobres que de
banqueiros charlatões.
*Deputada do BE
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