EUA deslocam porta-aviões e
bombardeiros para o Golfo Pérsico e ampliam os riscos de uma guerra
catastrófica. Mas nada garante que a chantagem terá êxito, porque a geopolítica
mudou, no Oriente Médio e em toda Ásia. Veja como
Pepe Escobar | Outras Palavras | Tradução: Simone
Paz e Antonio Martins
O governo Trump acaba de
demonstrar novamente, de forma gráfica, que no jovem e turbulento século XXI,
“direito internacional” e “soberania nacional” já pertencem ao reino dos
mortos-vivos.
Como se um dilúvio de sanções
contra um grande acordo do planeta não bastasse, a mais nova “proposta
irrecusável”, apresentada por um gangster que paga de diplomata, o cônsul Mike
Pompeo, basicamente ordena que o planeta inteiro se submeta a um único árbitro
do comércio mundial: Washington.
Primeiro, o governo Trump esmagou
unilateralmente um acordo multinacional e endossado pela ONU: o JCPOA, ou
Acordo Nuclear do Irão. Agora, as exceções que permitiram magnanimamente que
oito nações importassem petróleo iraniano sem despertar a ira imperial em forma
de sanções, expiraram em 2 de maio e não foram renovadas.
As oito nações são uma combinação
de poderes euro-asiáticos: China, Índia, Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Turquia,
Itália e Grécia.
Para além do característico
coquetel tóxico de arrogância, ilegalidade, ignorância e infantilismo
geopolítico e socioeconómico embutido nesta decisão de política externa, a noção
de Washington poder decidir quem pode ser um provedor de energia para a
superpotência emergente que é a China não pode ser compreendida nem como piada.
Mais alarmante ainda é o fato de que impor um embargo total às exportações de
petróleo iraniano não passa de um ato de guerra.
Máximo sonho lúbrico Neocon
Aqueles que endossam o máximo
sonho lúbrico dos neocons norte-americanos e dos sionistas — a
mudança de regime no Irão — podem se comprazer com esta declaração de guerra.
Mas como elegantemente argumenta o Professor
Mohammad Marandi, da Universidade de Teerão, “se o regime de Trump calcular
errado, a casa pode facilmente desabar sobre sua cabeça”.
Refletindo o fato de que Teerão parece não ter ilusões em relação à insensatez total em preparação, a liderança
iraniana — se provocada a um ponto sem volta, disse-me também Marandi — pode
chegar a ponto de “destruir tudo no outro lado do Golfo Pérsico e perseguir os
EUA no Iraque e Afeganistão. “Quando os EUA radicalizam, o Irão faz o mesmo.
Agora, depende de Washington saber quão longe a disputa irá”.
Este alerta vermelho, feito por
um académico refinado, encaixa-se perfeitamente com o que está acontecendo com
a estrutura dos Corpo de Guardas Islâmicos Revolucionários (IRGC, em inglês) —
recentemente classificado como uma “organização terrorista” pelos EUA. Em
simetria perfeita, o Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irão também
classificou o Comando Central dos EUA — o famoso CENTCOM — e “todas as forças
conectadas a ele” como grupo terrorista.
O novo comandante-chefe do IRGC e
o brigadeiro-general Hossein Salami, de 58 anos. Desde 2009, ele era o vice do
antigo comandante, Mohamamd al-Jafari, um cavalheiro de fala mansa mas duro
como unha, que encontrei em Teerão há dois anos. Salami, assim como Jafari, é um
veterano da guerra entre Irão e Iraque; ou seja, tem experiência real de
combate. E fontes de Teerão asseguram-me que ele pode ser ainda mais duro que
Jafari.
Em parelelo, o comandante da
Marinha do IRGC, contra-almirante Alireza
Tangsiri evocou o impensável, em termos do que poderia ocorrer a
partir de um embarco total dos EUA às exportações de petróleo iraniano: Teerão poderia bloquear o Estreito de Ormuz.
O esquecimento do Ocidente
Vastas franjas das classes
governantes no Ocidente parecem esquecer-se de que fechamento de Ormuz
resultaria numa depressão económica global absolutamente cataclísmica.
O multibilionário Warren Buffett,
junto com outros especuladores, qualificou várias vezes o mercado de
derivativos, de 2,5 quatriliões de dólares, como uma arma financeira de
destruição em massa. Os derivativos são usados — ilegalmente — para capturar
não menos de US$ 1 trilhão por ano, em lucros manipulados.
Considerando os precedentes históricos, Wahsington pode terminar montando um incidente de falsa bandeira
como o de Tonkin, no Golfo Pérsico [Refere-se ao ataque a navios
norte-americanos, em 1964, em águas do Vietname. A “agressão” levou o Congresso
dos EUA a autorizar a guerra. Comprovou-se mais tarde que havia sido cometido,
de forma disfarçada (daí o termo “falsa bandeira”), pelos próprios
norte-americanos (Nota dos Tradutores)]. Mas o que faria depois?
Se Teerão fosse totalmente
bloqueada por Washington, sem meios de romper o cerco, a “opção nuclear de
facto” de fechar o Estreito de Ormuz iria cortar, instantaneamente, 25% do
suprimento total de petróleo no mundo. Os preços poderiam subir para mais de
US$ 500, ou quem sabe US$ 1000, o barril. Os US$ 2,5 quatriliões de
derivativos começariam uma reação em cadeia de destruição.
Ao contrário da escassez de
crédito, durante a crise financeira de 2008, a escassez de petróleo não poderia ser
resolvida por meio da criação de dinheiro. Simplesmente porque não haveria
petróleo. Nem mesmo a Rússia teria condições de reestabilizar o mercado.
É um segredo de Polichinelo, nas
conversas privadas do Clube de Harvard, ou nos jogos de guerra do Pentágono,
que no caso de uma guerra no Irã, a marinha norte-americana não seria capaz de
manter aberto o Estreito de Ormuz.
Misseis russos SS-NX-26 Yakhont —
que chegam a velocidades 2,9 vezes maiores que a do som — estão dispostos na
margem iraniana Norte do Estreito de Ormuz. Não há meios de defesa, para os
porta-aviões norte-americanos, contra uma barragem de mísseis Yakhont.
E há também os mísseis supersónicos anti-navios SS-N-22
Sunburn — já exportados para a China e Índia — que voam muito baixo, a
mais de 2000 km/h ,
com capacidade de desvio e extremamente móveis. Podem ser disparados do reboque
de um camião, e foram concebidos para ultrapassar o sistema norte-americano
de defesa Aegis.
O que a China faria?
O ataque maciço e frontal ao Irão revela como o governo Trump aposta em romper a integração da Euroásia atingindo
o que seria seu nó mais fraco. Os três pontos-chave são China, Rússia e Irão.
Juntos, interconectam todo o espectro: as Novas Rotas da Seda; a União Económica da Euroásia; a Organização de Cooperação de Xangai; o Corredor
Internacional de Transporte Norte-Sul (INSTC); a expansão do BRICS Plus.
Por isso, não há a mínima dúvida
de que a parceria estratégica Rússia-China defenderá o Irão. Não é por acaso que
o trio está entre as “ameaças” existenciais aos EUA, segundo o Pentágono. Pequim
sabe que a marinha norte-americana é capaz de cortar suas fontes de energia. E
é por isso que Pequim está estrategicamente ampliando as importações de
petróleo e gás natural da Rússia; conceber a “fuga de Malaca” também leva em
conta uma hipotética tomada, pelos EUA, do Estreito de Ormuz.
Um cenário plausível inclui ação
de Moscovo para dissuadir um confronto extremamente volátil entre EUA x Irão, com
o Kremlin e seu ministério da Defesa tentando persuadir o presidente Donald
Trump e o Pentágono a abandonar a ideia de um ataque direto ao IRGC. A
contrapartida inevitável é o crescimento de operações encobertas, a possível
encenação de ações de “falsa bandeira” e todo tipo de técnicas sombrias de
Guerra Híbrida, manejadas não apenas contra o IRGC, direta e indiretamente, mas
contra os interesses do Irão em toda parte. Para todos os efeitos práticos, os EUA
e o Irã estão em guerra.
Na estrutura do grande cenário de
ruptura da Eurásia, o governo Trump tira proveito do ódio psicopático, sionista
e wahhabista, contra os xiitas. A “pressão máxima” contra o Irã conta com o
príncipe Mohammad bin Salman (MbS) em Riad (um parceiro de Jared Kushner, o
genro de Trump, no Whatsapp) e com o mentor principesco, Xeque Zayed de Abu
Dhabi, para preencher a falta do petróleo irianiano no mercado mundial. Mas é
bobagem: como sabem os traders do Golfo, Riad não irá “absorver a
fatia de mercado do Irã”, porque o petróleo necessário não está lá.
Muito do que vira agora na saga
do embargo de petróleo depende da reação dos vassalos e semi-vassalos. O Japão
não terá fibra para se opor a Washinton. A Turquia lutará. A Itália, por meio
de Salvini, fará lobby por um adiamento. A índia é muito complicada: Délhi
investe no porto iraniano de Chabahar, como nó-chave de sua própria Rota da
Seda, e coopera intimamente com Teerão na estrutura do INSTC. Jogaria a cartada
de uma traição vergonhosa?
A China, não é preciso dizer, irá
simplesmente ignorar Washington.
O Irão encontrará caminhos para
manter o petróleo fluindo, porque a demanda não vai desaparecer por um passe de
mágica das mãos dos EUA. É hora de soluções criativas. Por que não, por
exemplo, reabastecer os petroleiros em águas internacionais, aceitando ouro,
todos os tipos de moeda, cartões de débito, transferências bancárias em rublos,
yuans, rúpias e rials — tudo negociável na internet?
Há uma maneira de o Irão usar sua
frota de petroleiros para um golpe de mestre. Alguns destes petroleiros
poderiam ser estacionados no Estreito de Ormuz, de olho no preço do petróleo em
Jabel Ali, nos Emirados Árabes, para ter certeza de que os negócios são firmes.
Acrescente a isso uma zona franca para as tripulações. Quem não gostará? Os
proprietários dos navios economizarão fortunas em combustíveis e as tripulações
poderão comprar tudo com 90% de desconto, na zona franca.
E vamos ver se a União Europeia
cria espinha — e de fato turbina seu meio de pagamento alternativo, o Special
Purpose Vehicle (SPV), concebido depois que o governo Trump melou o acordo
com o Irão. Porque mais que quebrar a integração da Euroásia e de implementar a
mudança de regime neocon, o que está em jogo é o anátema máximo. O Irão está sendo punido sem piedade porque quer livrar-se do dólar, nas transações de
energia.
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