Além de Juan Guaidó, EUA e
Bolsonaro – que cantaram vitória muito cedo – são os grandes derrotados no
golpe que fracassou. Mas situação do país ainda é muito difícil
Antonio Martins | Outras Palavras
Talvez nem fosse preciso, mas as
pegadas de Washington, na nova tentativa de golpe de Estado que a Venezuela
sofreu sexta-feira (30/4), ficaram claras na fala que o Conselheiro Nacional de
Segurança dos EUA, John Bolton, fez pela tarde, na Casa Branca. Ela beira o
bizarro.
Conhecido por seu papel destacado
entre a extrema-direita norte-americana, Bolton nomeou, um a um, os
funcionários do governo venezuelano que, segundo ele, teriam participado da
conspiração militar para entregar o poder a Juan Guaidó, “presidente”
autoproclamado. “Figuras como o ministro da Defesa, Vladimir Padrino, o chefe
da Suprema Corte, Maikel Moreno, o comandante da guarda presidencial, Rafael
Hernandez Dala. Todos concordaram que Maduro tinha de ir embora. É muito
importante que agora cumpram seus compromissos…”.
Bolton teria caído em cilada?
Seus supostos interlocutores faltaram ao encontro. E às 19h de 30/4, quando se
escreve esta nota, parece claro que, por hoje, o golpe fracassou. Guaidó
estaria em busca de refúgio na embaixada da França. Outro político opositor,
Leopoldo López, já rumou para a representação diplomática do Chile. Coube ao
governo Bolsonaro um papel menor: oferecer alívio a 25 militares – todos de
baixa patente – que se somaram à aventura fracassada.
A intentona começou pela manhã.
Por volta das 9h, o autoproclamado Guaidó apareceu na Praça Altamira – zona
nobre de Caracas – ladeado, segundo os jornais internacionais confiáveis, de
alguns militares fortemente armados. Também o acompanhava Leopoldó Lópes, que
escapara pouco antes de sua própria casa, onde cumpria prisão domiciliar.
Guaidó garganteou contar com apoio militar e anunciou que começava, com suas
palavras, a “Operação Liberdade”. Dessa vez, ele entraria, enfim, no Palácio
Miraflores. Para isso, convocou a população a “ir às ruas”.
O apoio social foi escasso, como
demonstram as múltiplas imagens da jornada de hoje. Mas alguma sustentação na
caserna, o autoproclamado obteve – tanto que rumou para a Base Aérea de La
Carlota, situada no coração da capital. Ainda é incerto que tenha conseguido
adentrar. Pouco a pouco, o grosso dos comandantes militares manifestou seu
apoio ao presidente Nicolás Maduro. Por volta do meio dia, o ministro da Defesa
– o Vladimir Padriño com quem John Bolton contava – anunciou na TV estatal que
a “violência de alguns membros das Forças Armadas” estava debelada.
A jornalista venezuelana Luz Mely
Reyes, que o Guardian britânico considera fonte confiável, construiu,
então, uma tantativa de explicação para o fiasco. Houve precipitação, segundo
ela. Oputsch estava programado para mais adiante. Foi subitamente
antecipado porque alguns opositores temiam que a informação vazasse e Gaidó
fosse preso. Tratou-se, a crer nesta hipótese, de quartelada típica, sem adesão
popular – e portanto sujeita tanto a nascer quanto a perecer na caserna.
Já nas primeiras horas da manhã,
a Casa Branca apoiou a movimentação golpista – “pela democracia”, segundo
informou em novilíngua… Mas os EUA não foram os únicos a se pendurar
na brocha. Jair Bolsonaro apressou-se a fornecer seu apoio. Além de um tuíte
matutino, em que chamou Nicolás Maduro de “ditador apoiado pelo PT, PSOL e
alinhados ideológicos”, convocou reunião do Conselho de Defesa Nacional. É
provável que, nela, tenha prevalecido a posição dos militares, muito menos
delirante que a da família presidencial. Ao final do encontro, o general
Augusto, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), apressou-se a
dizer que considera Guaidó “fraco militarmente”; que o autoproclamado agiu
provavelmente numa ação de “autopropaganda”; e que “eles sabem que não vamos
intervir”.
A derrota do golpe merece ser
celebrada – ainda mais numa conjuntura em que a direita latino-americana
defronta-se com a crescente crise argentina, e pode ser tentada a resolver suas
dificuldades pelo caminho da violência. Mas os problemas de fundo da Venezuela
não terminaram. Continua atual o dossiê que Outras
Palavras publicou a respeito, há dois meses. Entre os textos, destaca-se
uma análise do
cientista político Edgardo Lander, crítico do chavismo pela esquerda. Ele
sustenta: o processo produziu reformas profundas, mas jamais libertou-se do
extrativismo, este elemento crítico a herança colonial que marca a América
Latina. Só o futuro dirá se ainda há tempo para sair da cilada — e manter a
ultra-direita distante.
Na foto: Dois apressados: Juan
Guadó, o “autoproclamado” discursa na Praça Altamira, zona nobre de Caracas. Ao
fundo, Leopoldo López, “recém-libertado” pelos militares golpistas
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