Informações reveladas por Glenn
Greenwald são de interesse público — e não de foro íntimo, como argumenta
ministro. Ao atuar de forma ilegal e político-partidário, ex-juiz da Lava Jato
não pode acobertar-se como mera “vítima de hackers”
Jonnefer Francisco Barbosa |
Outras Palavras
Com a revelação no jornal online Intercept Brasil das
conversas e acordos entre o magistrado responsável por julgar os casos da
Laja-Jato, Sérgio Moro, e membros do Ministério Público Federal e
investigadores ligados à operação, principalmente o Procurador Federal Deltan
Dallagnol, uma pergunta ganha relevo e precisa ser respondida, juridicamente e
politicamente: agentes públicos, nas informações vinculadas às suas respectivas
funções, têm a garantia do direito à privacidade?
De imediato, é evidente que um
magistrado não deveria tratar dos assuntos de seu ofício em aplicativos
pessoais de comunicação. Mesmo na hipótese de uma mera conversa opinativa. O artigo
36 da Lei Orgânica da Magistratura (Lei
Complementar 35, de 14 de março de 1979) proíbe um juiz de “manifestar, por
qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento,
seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de
órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no
exercício do magistério”.
Formulou-se até mesmo um jargão
nos meios jurídicos de que um juiz só se manifesta nos autos: tais impeditivos
apresentam-se como garantias processuais importantes, não apenas para
salvaguardar a necessária imparcialidade do julgador, mas sobretudo porque a
atividade judicante é pública, submetida ao princípio constitucional da transparência
dos atos jurisdicionais. A regra é a publicidade: o sigilo em processos,
garantia processual distinta do direito personalíssimo à privacidade, só ocorre
para preservar direitos fundamentais das partes, mas não tem como titular a
pessoa ocupante do cargo de juiz.
Mas o caso em questão possui
agravantes. Além de manter conversas e tratar de assuntos ligados aos seus
processos em esfera não permitida pela lei, Sérgio Moro descumpriu disposição
explícita do artigo 8º do Código de Ética da Magistratura Nacional, aprovado na
68ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça, do dia 06 de agosto de
2008: “O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos
fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma
distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que
possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.”
O artigo 7º do mesmo código já
previa, para assegurar a independência da atividade jurisdicional, que “ao
magistrado é vedado participar de atividade político-partidária.”
É um alicerce elementar do estado
de direito moderno a separação entre as figuras do juiz, do acusador e do
investigador. Em sua atividade pública de magistrado, existem indícios
suficientes de que Sérgio Moro violou tal postulado. Cometeu crimes que não são
acobertados pelo direito à privacidade, pois como os juristas romanos já sabiam
muito bem, nemo auditur propriam turpitudinem allegans (ninguém
pode se beneficiar da própria torpeza). Se Moro usou de plataformas privadas
para tratar de questões ligadas exclusivamente à sua atuação jurisdicional, não
pode torpemente alegar a defesa de sua privacidade, pois o uso de meios
particulares para contatar partes por si já configura uma ilegalidade. É
inadmissível, em um estado democrático de direito, que um magistrado converse
com uma das partes de um processo por meio de Telegram ou Whatsapp, muito
menos para prejudicar um dos litigantes.
A atividade judicial deve ser
regida pelos princípios da transparência, impessoalidade, publicidade,
imparcialidade. Os documentos revelados pela equipe liderada pelo jornalista
Glenn Greenwald têm caráter público, pois tratam da atividade de um magistrado intervindo em questões processuais,
um funcionário público federal mantido pelo erário brasileiro, atuando em uma
lide de evidente interesse coletivo. Em termos jurídicos básicos: as
informações coletadas e divulgadas dizem respeito à atividade judicial de Moro,
seus delitos e desvios, e não à pessoa física de Moro, que acabou sendo posteriormente
beneficiado pela condenação de Lula, inclusive se reunindo com o candidato
eleito Bolsonaro em 1º de novembro de 2018 para tratar da futura nomeação como
Ministro da Justiça. Moro só foi exonerado do cargo no dia 19 de novembro de
2018.
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