São tantos os negócios
fracassados e calotes que acabam por cair nos bolsos dos portugueses. Não
admira que eles se distanciem e desconfiem de tudo e de todos.
Eduardo Oliveira e Silva | jornal
i | opinião
É difícil nomear um vencedor em
Portugal da “guerra dos estroinas” que vivemos há anos. A batalha pelo lugar de
estroina-mor é altamente disputada, tantos foram os casos, públicos ou
privados, que dissiparam dinheiro do povo e/ou das instituições de crédito, o
que veio a parar exatamente ao mesmo bolso, ou seja, o de cada português.
No mapa dos problemas gerados por
perdas incomensuráveis (e só na banca chegam aos 24 mil milhões diretamente) há
de tudo. Há políticos governantes que tiveram as maiores responsabilidades,
verdadeiras ou alegadas por enquanto. Há políticos que foram tornados
banqueiros sem terem um tostão ou saberem minimamente do ofício. Há banqueiros
dinásticos. Há empresários que mais parecem trolhas e outros afidalgados que
estoiraram. É só escolher. Os negócios fabulosamente ruinosos foram tantos e
tão diferentes que são incontáveis, indo da contratação pública a um mercado
financeiro privado e público que andou anos a fio sem rei nem roque. Têm uma
coisa comum: são suportados pelos contribuintes, enquanto uma falência de
classe média é paga pelo próprio, pelos seus filhos, pelos seus pais ou pelos
avalistas, sejam amigos ou familiares.
Vivemos no meio de um turbilhão
de problemas com dinheiro. Há escândalos em áreas tão diversas como aquisições
para a polícia ou para a sede da Judiciária. Há suspeitas quanto às circunstâncias
em que funcionam os hospitais públicos e como os privados beneficiam do Estado.
Há mistérios na ADSE, cambalachos comprovados nas cantinas das Forças Armadas e
em aquisições de vários ramos. Há escândalos com falências bancárias e com a
finalidade de algumas fundações misteriosas. Há dúvidas nas privatizações, nos
contratos de combate aos incêndios, nas verbas para indemnizações às respetivas
vítimas. Há problemas no funcionamento do INEM, na Segurança Social, no
pagamento das pensões, nos negócios da bola, na área do ambiente, na venda a
pataco de crédito pelos bancos, para citar apenas casos recentes. Há empresas
como a EMEL que dispõem do espaço público para o venderem duas vezes. Enfim,
como diziam os antigos, é tudo à barba longa!
No meio disto, não há dia em que
o Ministério Público, a Judiciária e mais não se sabe qual das dezenas de
polícias ou autoridades que eclodiram tipo varicela não juntem centenas de
agentes para investirem contra uma qualquer instituição estatal, autarquia ou
grupo privado com enorme estardalhaço mediático e com o cardápio do costume:
prevaricação, branqueamento de capitais, furto, abuso de confiança,
participação em negócio, peculato e vá-se lá saber mais o quê. O mais
fantástico é que, habitualmente, tudo redunda no mesmo: o Estado, ou seja, o
amigo leitor.
O alvo das investidas da justiça
e dos seus agentes é altamente variado: gente enfarpelada e chique, gadelhudos
motards com um ar duvidoso, funcionários do Estado ou autárquicos, advogados,
políticos, empresários esquemáticos, traficantes, porteiros de discoteca com
horas de ginásio. É um fartote interclassista. Ingenuamente, há quem crie
expetativas de que agora é que vão agarrar os tubarões que sugam os
contribuintes ou os mafiosos mais ou menos sanguinários. Vai-se ver mais tarde
e a coisa é pífia. É verdade que volta e meia se condena um tipo que foi figura
pública (normalmente, é sempre o Vale e Azevedo), um político ou um ex-político
que fez fortuna da pior forma. A pancada, aí, é garantidamente grande porque é
preciso dar o exemplo, sobretudo se a criatura vier de baixo estrato social.
Mas os marqueses dos processos e da política que mandaram mesmo no país
conseguem resguardar-se anos a fio, usando todos os meios de uma justiça
lentíssima que beneficia os culpados e penaliza os inocentes. Alguns, por
exemplo, até têm a lata de aparecer como lesados de instituições que eles
levaram ao desastre, arrastando para a ruína gente que neles confiou!
Contas feitas, é muito pouco o
que se condena em Portugal, em comparação com o que se noticia. Até parece
estratégia para desviar as atenções do triste quotidiano em que tanta coisa
falha aos cidadãos, começando no simples transporte público e acabando,
lamentavelmente, no sistema de saúde.
Enquanto o país não se refundar
em questões de ética e seriedade não admira que tenhamos uma população que se
distancia e desconfia cada vez mais de tudo e de todos. Por isso, muitos
desistem de participar, como ainda agora se viu nas eleições europeias.
Vale
que em Portugal não há propriamente questões sociais que dividam a população ao
ponto de gerarem movimentos populistas de extrema-direita, limitando-se os
extremismos à área esquerda que o Bloco representa, sem os assumir. Mas é
preciso ter cuidado porque, de um momento para o outro, as coisas podem mudar.
O povo português não é tanto de brandos costumes como se julga e apregoa. O
regicídio, a i República, o salazarismo, o colonialismo e certos excessos
pós-25 de Abril aí estão para o demonstrar. Um país com 900 anos não muda assim
tanto em apenas 50.
Escreve à quarta-feira
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