Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto Alegre
Neste mês de junho de 2019, no dia 1º, foi comemorado o Dia da Imprensa no
Brasil que nos remete à figura do jornalista gaúcho Hipólito José da Costa
(1774-1823). Devido à Censura Régia existente no Brasil Colônia, o patrono da
nossa Imprensa fundou, em Londres, o nosso primeiro jornal: o Correio
Braziliense (1808-1822). Ao defender a liberdade de pensamento, a monarquia
constitucional, além de combater os ministros corruptos, o seu jornal teve que
circular clandestino no Brasil e em Portugal.
É importante que
nesta data alusiva à imprensa, lembremo-nos dos nossos chargistas que
durante a Ditadura Civil-Militar (1964-1985) - denunciavam as arbitrariedades,
com humor e sutileza, alertando o cidadão quanto aos abusos de poder.
O destacado
humorista Millôr Fernandes foi quem “abriu o caminho” para o aparecimento, nos
anos 60 e 70, de caricaturistas da envergadura de Ziraldo (Ziraldo Alves
Pinto), Borjalo (Mauro Borja Lopes), Fortuna (Reginaldo Azevedo), Jaguar
(Sérgio Jaguaribe), Claudius (Claudius Ceccon), Appe (Amilde Pedrosa), Lan
(Franco Vaselli), Santiago (Neltair Rebés Abreu) e o Henfil (Henrique Souza
Filho).
Grande parte do
nosso “primeiro time” de chargistas começou a desenhar no início da
década de 70, em pleno regime do AI-5, sendo que muitos foram presos e perseguidos
durante “os anos de chumbo”. Do traço do chargista emergia um mar de fardas,
óculos escuros e coturnos, estereotipando o regime militar. Uma das charges,
que desafiou a censura, foi a do mineiro Luiz Oswaldo Carneiro, conhecido como
Lor. Publicada em 1978, esta charge registra uma parada militar que
se desvia de um simples cachorrinho. Seu autor se divertia da vulnerabilidade
que o regime já apresentava.
Em 1974, foi criado o
“Salão de Humor de Piracicaba” com a presença de nomes importantes do humor
gráfico e dos quadrinhos nacionais. O evento ocorreu num período em que a
censura estava no auge. Produto de um projeto dos jornalistas Alceu Marozi
Righeto, Carlos Marcos Colonese e Adolfo de Queiroz, o salão contou, por
meio de Zélio Alves Pinto, com o apoio do Pasquim. Nesta primeira amostra
participaram artistas como Millôr Fernandes, Jaguar, Ziraldo, Henfil, Fortuna,
Paulo e Chico Caruso, Laerte Coutinho entre outras figuras. Laerte ganhou
o prêmio, naquele ano de 1974, com uma charge onde aparecia um menino sendo
torturado e gritando: "O rei estava vestido!", numa alusão à fábula
dos irmãos Andersen em que o menino berra: "O rei está nu",
sendo aclamado pelo povo. Este salão de humor é um dos três
mais importantes eventos do gênero, ficando lado a lado com os salões de Lucca,
na Itália, e de Montreal no Canadá.
Segundo o gaúcho Luis
Fernando Veríssimo, o período do regime militar talvez tenha sido,
paradoxalmente, o período de maior criatividade. O final da ditadura civil-
militar (1964-1985) tirou o aspecto do desenho como
travessura. Fundado, em 1969, pelo jornalista Tarso de Castro, O Pasquim é
um ícone desse período, sendo, inclusive, fonte de
trabalhos acadêmicos. Em 1976, teve uma de suas edições
apreendidas devido à charge, do gaúcho Edgar Vasques, que associava as três
pombas usadas pelo Exército na Semana da Pátria à carência de proteínas no
organismo de um menor abandonado. Ainda em 1976, Chico Caruso foi premiado, no
“Salão de Humor de Piracicaba”, apresentando uma charge que mostrava um palhaço
preso pelos militares.
Nessa
mesma linha contestatória, surgiu, em Porto Alegre, O Pato
Macho (1971), indo de encontro ao provincianismo
gaúcho. Publicado por um grupo de jornalistas, cartunistas e
escritores, este periódico teve, em sua direção, Luís Fernando Veríssimo.
Muitos profissionais do traço ali vivenciaram a sua primeira experiência
profissional. Outro jornal alternativo importante foi
o Coojornal (1974-1983), Fundado por uma cooperativa de jornalistas
de Porto Alegre, este jornal foi a primeira experiência no gênero. Seus
assinantes e anunciantes sofriam pressão, pelos censores do regime militar,
para desligarem-se do jornal. Ambos os periódicos fazem parte do acervo
do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, cujo nome presta uma homenagem
ao patrono da imprensa no Brasil : Hipólito José da Costa (1774-1823).
Na Campanha das Diretas Já
(1984), foi importante o papel desempenhado pelos cartunistas. O processo
resultou na maior passeata de todos os tempos, acompanhada pelos cartuns e pelo
boneco de Teotônio Vilela. Organizada pela Associação dos Cartunistas do
Brasil, esta passeata é um ícone da Campanha das Diretas Já. O boneco de
Teotônio Vilela viajou por todo o país, abrindo os comícios. Essa
passeata foi capa da revista Senhor.
A morte de Helfil, em
04/02/88, que contraiu Aids devido a uma transfusão de sangue, resultou em
intensa campanha, realizada pela imprensa, por meio de cartuns, para que
a doença tivesse o tratamento adequado. O Pasquim e a revista Isto
É deram total cobertura, resultando na redução de casos e um maior
controle na doação de sangue.
Muitos nomes, ao longo dos
anos, surgiram na arte do traço, especialmente após o golpe militar de
1964. Naquele período, de intensa censura, além dos nomes já citados,
destacaram-se também Sampaio, Sampaulo, Canini, Bendati, Xico Stockinger, Bier,
entre outros talentos.
Ao comemorarmos os
211 anos da imprensa brasileira, nossa homenagem aos chargistas que
têm enriquecido o jornalismo com sua arte e assim como Hipólito José da
Costa, em momentos diferentes da história do Brasil, defenderam a
liberdade de expressão. A Associação Riograndense de Imprensa (ARI) está
promovendo a “Semana da Imprensa Hipólito José da Costa” marcada com a
realização de debates, ciclo de filmes, encontros e homenagens até a próxima
sexta-feira, dia 7, em Porto Alegre (RS).
*Pesquisador
coordenador do setor de Imprensa do Museu da Comunicação HJC
Bibliografia
- SOUZA, Cláudio H. de. Impressões do Brasil /A imprensa brasileira através dos
empos: Rádio, Jornal e TV. São Paulo: Praxis Artes Gráficas Ltda, 1986.
- FONSECA, Joaquim da. Caricatura / A Imagem Gráfica do Humor. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999.
- Revista Veja, 04 de agosto, 1993
Imagens
- FONSECA, Joaquim da. Caricatura / A Imagem Gráfica do Humor. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999.
- Revista Veja, 04 de agosto, 1993
Imagens
1- Pato Macho 19-05-1971 /
MuseCom
2- Coojornal -
fevereiro / 1980 / MuseCom
3- Charge de Lor
/1978 Diário Popular de SP / REVISTA Veja, 04 de agosto, 1993
4- O Pasquim /
novembro de 1974 MuseCom
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