No dia em que termina o seu
mandato, chefe de Estado fala em "marco histórico", mas jurista diz
que José Mário Vaz "sempre agiu à margem da Constituição" e pede à
comunidade internacional atenção à formação do Governo.
Chega ao fim este domingo, 23 de
junho, o mandato de cinco anos de José Mário Vaz no cargo de Presidente da
República da Guiné-Bissau. O chefe de Estado vai continuar em funções até
à realização de eleições presidenciais, a 24 de novembro, mas discursou à Nação
este domingo, no Palácio da Presidência, em jeito de balanço dos últimos cinco
anos.
"Sou o primeiro Presidente
da República, após 25 anos da abertura democrática, a concluir o seu mandato.
Este é um marco histórico, pleno de significado e de simbolismo no processo de
consolidação e estabilização do nosso regime democrático", afirmou José
Mário Vaz.
O chefe de
Estado salientou que nos últimos cinco anos o seu trabalho tem sido o
"resgate da Constituição e das leis" e da "reafirmação do Estado
como património de todos e não apenas de uma elite".
Sobre a crise
político-institucional vivida nos últimos anos e que levou o Presidente
guineense a nomear sete primeiros-ministros, no período entre 2015 e 2018, José
Mário Vaz explicou tratar-se de uma luta pelo "primado da lei e pela
igualdade dos cidadãos". Para o Presidente guineense, não pode haver
um "grupo que seja detentor de todo o poder e de toda a riqueza e outro
vasto contingente de cidadãos que apenas têm deveres e estão condenados à
subserviência e a viver dos restos dos outros".
O chefe de Estado salientou
também que a crise política dos últimos anos serviu para os "políticos
crescerem, ou seja, ganharem maior capacidade para dialogar, maturidade e,
sobretudo, fazer política sem recorrer à violência". Já no final
do discurso, José Mário Vaz pediu aos deputados guineenses para ultrapassarem o
impasse para eleição da mesa da Assembleia Nacional Popular.
Avisos à saída
Ouvido pela DW África, o jurista
e ativista guineense Lesmes Monteiro tece duras críticas no balanço dos cinco
anos de Mário Vaz na Presidência, lembrando que "estamos perante um
Presidente da República que sempre agiu à margem da Constituição e das leis do
país".
O chefe de Estado, considera,
está "desgastado em termos da imagem a nível internacional e é uma pessoa
que está à mercê dos interesses de um grupo de pessoas que perderam as
eleições”.
"Um Presidente que teve o
privilégio de exercer o seu mandato durante cinco anos, mas que, ao longo de
cinco anos, esteve envolvido em guerras cíclicas institucionais e que
impossibilitou até a nomeação de um primeiro-ministro do partido vencedor das
eleições que é o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira", sublinha Lesmes
Monteiro. O mais urgente, por isso, é a formação de um Governo capaz de tirar o
país do marasmo em que se encontra, diz o ativista.
Na véspera da
"despedida" da Presidência guineense, José
Mário Vaz reconduziu Aristides Gomes no cargo de primeiro-ministro, mais
de três meses depois das eleições legislativas.
No entanto, Lesmes Monteiro deixa
um alerta: José Mário Vaz terá poderes reduzidos a partir de agora, mas a
comunidade internacional deve continuar a acompanhar a ação governativa no
país. "O chefe de Estado José Mário Vaz, mesmo no final do mandato, vai
tentar condicionar", afirma.
Para o jurista guineense, "o
partido vencedor das legislativas, sobretudo o seu líder, Domingos Simões
Pereira, tem uma credibilidade a nível internacional que não podemos questionar
e deve usar esta influência para ajudar o novo primeiro-ministro a resgatar o
país".
"Que o Chefe de Estado não
venha a reclamar as ditas ‘pastas de soberania', caso dos Ministérios do
Interior, da Defesa, dos Negócios Estrangeiros e das Finanças", adverte.
"Ter estratégia é o mais
importante"
A indicação do nome de Aristides
Gomes pelo PAIGC ao Presidente da República foi recebida com surpresa por
muitos guineenses. No país e nas redes sociais discutem-se os motivos por trás
dos últimos desenvolvimentos na formação do Governo, com algumas vozes a
lembrar que a escolha de Aristides Gomes para a chefia do Executivo deixa a
porta aberta a Domingos Simões Pereira para se candidatar às
eleições presidenciais, marcadas para novembro. O PAIGC, no entanto,
não se pronunciou publicamente sobre esta possibilidade.
Em declarações à DW África após a
cerimónia de tomada de posse, este sábado, no Palácio Presidencial, em Bissau,
a segunda vice-presidente do PAIGC, Odete Semedo, esclareceu que a nomeação de
Aristides Gomes faz parte da estratégia política do partido: "É mais um
passo neste processo e vamos continuar com a nossa paciência e continuar a
trabalhar".
"Nem sempre aquilo que se
deseja acontece nas nossas vidas, o mais importante é que tenhamos sempre uma
estratégia e outros planos para quaisquer surpresas que nos possam aparecer
pela frente. Isto é política, temos de nos adequar a qualquer ambiente",
frisou.
Entre a oposição, a decisão é
encarada com naturalidade. O MADEM G-15, a segunda força política no Parlamento da
Guiné-Bissau, deseja boa sorte ao novo chefe do Executivo, esperando "que
consiga governar em paz". Djibril Baldé, porta-voz do MADEM G-15, lembra
que "a nomeação de um primeiro-ministro é uma responsabilidade
constitucional do chefe de Estado, tendo em conta os resultados
eleitorais". Já o seu partido, "enquanto segunda força política vai
fazer uma oposição construtiva e colaborar na materialização de iniciativas
boas para o país, assim como na fiscalização do Governo".
Também o PRS, terceira força
política, "encara com toda a normalidade a indicação de Aristides Gomes
para o cargo de primeiro-ministro, enquanto figura do partido vencedor das
eleições Presidenciais de 10 março", diz o porta-voz Victor Pereira,
garantindo que o PRS vai continuar a fazer luta política no Parlamento.
A missão do PAIGC
Na cerimónia de tomada de posse,
o novo chefe do Governo não fez qualquer discurso, como tem sido habitual.
Também o chefe de Estado, José Mário Vaz, preferiu manter-se em silêncio no ato
a que poucas pessoas assistiram, destacando-se entre os presentes o
representante da União Africana e algumas chefias militares.
Logo após a sua investidura,
Aristides Gomes dirigiu-se à sede do PAIGC, onde foi recebido com aplausos dos
militantes. O novo chefe do Governo prometeu implementar o programa eleitoral
do partido: "Encaro esta função como missão do PAIGC. Sabemos que os
militantes e a direção do PAIGC esperam muito de nós. Na verdade, viemos de
longe. Conseguimos organizar as eleições legislativas".
Aristides Gomes admitiu, no
entanto, que "não estava à espera" de ser o novo
primeiro-ministro do país, "porque há um partido que concorreu às eleições
e ganhou e o seu líder é que deveria ser nomeado e empossado". Ainda
assim, garante ao PAIGC que tudo fará "para fazer cumprir o programa de
governação do partido que é ‘TERRA RANKA'".
"Antes eu era
primeiro-ministro de consenso, agora é bom que fique claro: sou
primeiro-ministro do PAIGC, partido vencedor das eleições legislativas",
sublinhou.
Fátima Tchumá Camará (Bissau) |
Deutsche Welle
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