segunda-feira, 24 de junho de 2019

Guiné-Bissau | "Mário Vaz, mesmo no final do mandato, vai tentar condicionar"


No dia em que termina o seu mandato, chefe de Estado fala em "marco histórico", mas jurista diz que José Mário Vaz "sempre agiu à margem da Constituição" e pede à comunidade internacional atenção à formação do Governo.

Chega ao fim este domingo, 23 de junho, o mandato de cinco anos de José Mário Vaz no cargo de Presidente da República da Guiné-Bissau. O chefe de Estado vai continuar em funções até à realização de eleições presidenciais, a 24 de novembro, mas discursou à Nação este domingo, no Palácio da Presidência, em jeito de balanço dos últimos cinco anos.

"Sou o primeiro Presidente da República, após 25 anos da abertura democrática, a concluir o seu mandato. Este é um marco histórico, pleno de significado e de simbolismo no processo de consolidação e estabilização do nosso regime democrático", afirmou José Mário Vaz.

O chefe de Estado salientou que nos últimos cinco anos o seu trabalho tem sido o "resgate da Constituição e das leis" e da "reafirmação do Estado como património de todos e não apenas de uma elite". 

Sobre a crise político-institucional vivida nos últimos anos e que levou o Presidente guineense a nomear sete primeiros-ministros, no período entre 2015 e 2018, José Mário Vaz explicou tratar-se de uma luta pelo "primado da lei e pela igualdade dos cidadãos". Para o Presidente guineense, não pode haver um "grupo que seja detentor de todo o poder e de toda a riqueza e outro vasto contingente de cidadãos que apenas têm deveres e estão condenados à subserviência e a viver dos restos dos outros". 

O chefe de Estado salientou também que a crise política dos últimos anos serviu para os "políticos crescerem, ou seja, ganharem maior capacidade para dialogar, maturidade e, sobretudo, fazer política sem recorrer à violência". Já no final do discurso, José Mário Vaz pediu aos deputados guineenses para ultrapassarem o impasse para eleição da mesa da Assembleia Nacional Popular.

Avisos à saída

Ouvido pela DW África, o jurista e ativista guineense Lesmes Monteiro tece duras críticas no balanço dos cinco anos de Mário Vaz na Presidência, lembrando que "estamos perante um Presidente da República que sempre agiu à margem da Constituição e das leis do país".

O chefe de Estado, considera, está "desgastado em termos da imagem a nível internacional e é uma pessoa que está à mercê dos interesses de um grupo de pessoas que perderam as eleições”.

"Um Presidente que teve o privilégio de exercer o seu mandato durante cinco anos, mas que, ao longo de cinco anos, esteve envolvido em guerras cíclicas institucionais e que impossibilitou até a nomeação de um primeiro-ministro do partido vencedor das eleições que é o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira", sublinha Lesmes Monteiro. O mais urgente, por isso, é a formação de um Governo capaz de tirar o país do marasmo em que se encontra, diz o ativista.

Na véspera da "despedida" da Presidência guineense, José Mário Vaz reconduziu Aristides Gomes no cargo de primeiro-ministro, mais de três meses depois das eleições legislativas.

No entanto, Lesmes Monteiro deixa um alerta: José Mário Vaz terá poderes reduzidos a partir de agora, mas a comunidade internacional deve continuar a acompanhar a ação governativa no país. "O chefe de Estado José Mário Vaz, mesmo no final do mandato, vai tentar condicionar", afirma.

Para o jurista guineense, "o partido vencedor das legislativas, sobretudo o seu líder, Domingos Simões Pereira, tem uma credibilidade a nível internacional que não podemos questionar e deve usar esta influência para ajudar o novo primeiro-ministro a resgatar o país".

"Que o Chefe de Estado não venha a reclamar as ditas ‘pastas de soberania', caso dos Ministérios do Interior, da Defesa, dos Negócios Estrangeiros e das Finanças", adverte.

"Ter estratégia é o mais importante"

A indicação do nome de Aristides Gomes pelo PAIGC ao Presidente da República foi recebida com surpresa por muitos guineenses. No país e nas redes sociais discutem-se os motivos por trás dos últimos desenvolvimentos na formação do Governo, com algumas vozes a lembrar que a escolha de Aristides Gomes para a chefia do Executivo deixa a porta aberta a Domingos Simões Pereira para se candidatar às eleições presidenciais, marcadas para novembro. O PAIGC, no entanto, não se pronunciou publicamente sobre esta possibilidade.

Em declarações à DW África após a cerimónia de tomada de posse, este sábado, no Palácio Presidencial, em Bissau, a segunda vice-presidente do PAIGC, Odete Semedo, esclareceu que a nomeação de Aristides Gomes faz parte da estratégia política do partido: "É mais um passo neste processo e vamos continuar com a nossa paciência e continuar a trabalhar".

"Nem sempre aquilo que se deseja acontece nas nossas vidas, o mais importante é que tenhamos sempre uma estratégia e outros planos para quaisquer surpresas que nos possam aparecer pela frente. Isto é política, temos de nos adequar a qualquer ambiente", frisou.

Entre a oposição, a decisão é encarada com naturalidade. O MADEM G-15, a segunda força política no Parlamento da Guiné-Bissau, deseja boa sorte ao novo chefe do Executivo, esperando "que consiga governar em paz". Djibril Baldé, porta-voz do MADEM G-15, lembra que "a nomeação de um primeiro-ministro é uma responsabilidade constitucional do chefe de Estado, tendo em conta os resultados eleitorais". Já o seu partido, "enquanto segunda força política vai fazer uma oposição construtiva e colaborar na materialização de iniciativas boas para o país, assim como na fiscalização do Governo".

Também o PRS, terceira força política, "encara com toda a normalidade a indicação de Aristides Gomes para o cargo de primeiro-ministro, enquanto figura do partido vencedor das eleições Presidenciais de 10 março", diz o porta-voz Victor Pereira, garantindo que o PRS vai continuar a fazer luta política no Parlamento.

A missão do PAIGC

Na cerimónia de tomada de posse, o novo chefe do Governo não fez qualquer discurso, como tem sido habitual. Também o chefe de Estado, José Mário Vaz, preferiu manter-se em silêncio no ato a que poucas pessoas assistiram, destacando-se entre os presentes o representante da União Africana e algumas chefias militares.

Logo após a sua investidura, Aristides Gomes dirigiu-se à sede do PAIGC, onde foi recebido com aplausos dos militantes. O novo chefe do Governo prometeu implementar o programa eleitoral do partido: "Encaro esta função como missão do PAIGC. Sabemos que os militantes e a direção do PAIGC esperam muito de nós. Na verdade, viemos de longe. Conseguimos organizar as eleições legislativas".

Aristides Gomes admitiu, no entanto, que "não estava à espera" de ser o novo primeiro-ministro do país, "porque há um partido que concorreu às eleições e ganhou e o seu líder é que deveria ser nomeado e empossado". Ainda assim, garante ao PAIGC que tudo fará "para fazer cumprir o programa de governação do partido que é ‘TERRA RANKA'".

"Antes eu era primeiro-ministro de consenso, agora é bom que fique claro: sou primeiro-ministro do PAIGC, partido vencedor das eleições legislativas", sublinhou.

Fátima Tchumá Camará (Bissau) | Deutsche Welle

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