Fernando Soares Campos (*)
O mundo indigna-se e discute a
questão da invasão de privacidade e a sofisticação dos métodos empregados,
assim como os vazamentos que revelam o que todo mundo sabe há muito tempo.
Enquanto isso, nos EUA trava-se outro debate, talvez o que mais interessa ao
povo estadunidense e do qual pode aflorar melhor entendimento sobre o
desenrolar dos fatos. Trata-se da análise e contestações sobre a influência e
os custos das empresas privadas nos sistemas de segurança nacional, as quais
ficam com cerca de 70% dos US$ 52 bilhões do orçamento nacional destinado
aos serviços secretos, deixando apenas 30% para cobrir as despesas dos efetivos
da administração direta do Estado. A exagerada desproporção torna-se mais
evidente quando se observa que o setor privado fornece apenas cerca de 30% do
pessoal (os subcontratados, Snowden era um deles), enquanto 70% trabalham sob
regime de administração direta, e estes são os que ficam com a fatia menor, os
30% das bilionárias verbas.
Oficiais superiores das Forças
Armadas dos EUA e civis que ocuparam cargos no primeiro escalão do governo
daquele país são hoje diretores executivos de grandes empresas privadas de
segurança, formam e realizam fortíssimos lobbies que influenciam congressistas,
ministros e governantes, também exercem poder junto a empresas midiáticas (presstitutes,
como hoje são camadas), de tal forma que são atendidos em quase tudo que
propõem: criação de novas agências e legislações específicas (em alguns casos,
inconstitucionais), determinam público alvo e inimigos em potencial, trabalham
para a iniciativa privada (bancos, petroleiras, e corporações com interesses
diversos) fazendo tráfico de influencia e usando todo o poder que detêm no
âmbito do Estado, inclusive informações de inteligência ultrassecreta: "A
marinha dos Estados Unidos escolheu, no mês passado [junho/2013], a mesma
companhia como parte de um consórcio para trabalhar em outro projeto
multimilionário para uma "nova geração de operações de inteligência, vigilância
e combate". A Booz Allen obteve esses contratos de várias formas. Além de
seus vínculos com o DNI (Diretor de Inteligência Nacional), se orgulha do
fato de metade de seus 25 mil empregados estarem autorizados a acessar
informação de inteligência ultrassecreta. Um terço dos 1,4 milhão de pessoas
com essa autorização trabalha no setor privado."
Edward Snowden sempre foi contra
investimentos públicos no Sistema de Segurança Social e ardoroso defensor do
Sistema de Segurança Nacional. Portanto, se fosse um deputado ou senador
brasileiro, votaria o novo "projeto" de desmonte da Previdência
Pública e instituição da Previdência Privada, que ficaria por conta dos bancos.
Em janeiro de 2009, no site Ars
Technica, usando o antigo nome de usuário, "TheTrueHOOHA", Snowden
criticou The New York Times e as suas fontes anônimas por expor uma operação
secreta da administração Bush para sabotar as capacidades nucleares iranianas.
Tais violações, para ele irritantes, haviam ocorrido "uma e outra e outra
vez", reclamou Snowden. The Times, disse ele, era "como
Wikileaks" e merecia ir à falência; fontes que vazaram "merda
classificada" para o Times deveriam tomar "um tiro nas bolas".
Quando um interlocutor em linha
sugeriu que poderia ser "ético " denunciar "intriga do governo",
Snowden respondeu enfaticamente: "Violar segurança nacional? Não".
Quanto à Segurança Social, ele
disse coisas assim: "Quase todo mundo era antes de 1900 trabalhadores por
conta própria".
Em outra troca de sala de
bate-papo, Snowden debateu os problemas da Segurança Social fazendo afirmações
como estas:
"Economizar dinheiro? Corta
essa merda de segurança social."
"Yeah! Foda-se as pessoas de
idade!"
"segurança social é uma
treta"
"vamos atirar idosos na
rua"
"cheiram engraçado"
"De alguma forma, a nossa
sociedade conseguiu existir centenas de anos sem segurança social"
"Malditos retardados"
(Informação coletadas em "Será que você sentiria de forma diferente sobre Snowden,
Greenwald e Assange se você soubesse o que eles realmente pensam?", em
inglês)
O que podemos deduzir de tudo
isso?
Que as celeumas criadas em torno
da invasão de privacidade dos cidadãos comuns e dos vazamentos de Wikileaks,
Intercept ou seja lá de onde vier, tornaram-se matérias mainstream,
corrente em voga para desviar a atenção sobre a verdadeira questão: a
desavença entre os que ficam de fora ou comem pelas beiras e os que abocanham
as maiores fatias do bolo: os bilhões de dólares destinados ao Sistema de
Segurança.
Na Sociedade de Serviços e Estado
Policial em que se tornaram os Estados Unidos da América, a terceirização e
subcontratação dos postos de trabalho, tanto nos setores privados quanto no
setor público, geraram a criação de milhares de micro, pequenas, médias e
grandes empresas fornecedoras de mão de obra e serviços. Num ambiente desses,
os tubarões se fartam, e os peixes pequenos ou lhes servem de alimento ou sobrevivem
em orgia simbiótica.
Colocar Snowden, Assange e
Greenwald no mesmo saco de todos os acusados de vazamento de
"ciberdocumentos" e denúncias contra o governo e empresas dos Estados
Unidos e seus parceiros mais graduados é fazer o jogo do "todos são iguais"
ou que "todos têm a mesma intenção".
Por que a CIA e a NSA não
divulgam (deixam vazar) informações detalhadas sobre as atuações de Snowden no
período em que colaborou para eles? Certamente isso o desqualificaria da
condição de herói. Mas, nesse caso, sobraria para ele a desconfiança geral de
que fora obrigado (chantageado) a fazer os tais "vazamentos", a fim
de beneficiar algum grupo em detrimento de outro. Sejam grupos dentro da
própria esfera privada (empresa contra empresa) ou entre o setor privado e os
quadros da administração direta do Estado.
A única atuação de Snowden como
"espião em campo" ocorreu no período como "olheiro" numa
universidade. Em vista do silêncio em torno de suas atividades, não sabemos das
consequências desse seu "estágio" entre os estudantes: se alguém foi
preso, interrogado, perseguido, torturado, desaparecido ou executado. Quaisquer
que tenham sido suas tarefas, elas são inconfessáveis. Mesmo assim, virou herói
"sem passado".
E existe quem defenda essa
condição:
"Snowden, um administrador
de sistemas do Centro de Operações de Ameaças da NSA no Havaí, trabalhou para a
CIA e para a companhia de serviços de informática Dell antes de se unir à Booz
Allen. Mas o papel obscuro que pode ter desempenhado fica branco [!] ao
lado do que outros tiveram. (Pratap Chatterjee, da IPS/Envolverde, em "Como a segurança dos EUA ficou a cargo de uma empresa privada."
Fórum).
Isso rende muito mais o que
pensar do que simplesmente discutir a questão da megaescala de invasão de
privacidade ou os vazamentos sobre aquilo que todos sabemos, mas que são
divulgados como novidades.
Jeremy Hammond, o jovem que mexeu
no dinheiro dos home e está em cana
Por que não existe um movimento
popular internacional pela libertação de Jeremy Hammond?
Hammond foi condenado em 15 de
novembro de 2013 ao máximo de dez anos de prisão, seguido de três anos de
liberdade supervisionada. Ele está atualmente cumprindo sua sentença na FCI
Manchester em Manchester, Kentucky. A instituição correcional federal,
Manchester (FCI Manchester) é uma prisão federal dos Estados Unidos de
segurança média para presos do sexo masculino em Kentucky. É operado pelo
Federal Bureau of Prisons, uma divisão do Departamento de Justiça dos Estados
Unidos. (Wikipédia)
Minha iniciação política
aconteceu quando George W. Bush roubou uma eleição presidencial em 2000 e, na
sequência tirou vantagem das ondas de racismo e patriotismo depois do 11/9,
para lançar guerras imperialistas, não provocadas, contra o Iraque e o Afeganistão.
Saí às ruas para protestar, acreditando, ingenuamente, que nossas vozes seriam
ouvidas em Washington e que conseguiríamos parar a guerra. Em vez disso, fomos
rotulados como traidores, espancados e presos.
Fui preso por numerosos atos de
desobediência civil nas ruas de Chicago, mas só em 2005 comecei a usar minhas
habilidades com computadores para quebrar a lei, em ação de protesto político.
Fui preso pelo FBI por invadir os computadores de um grupo de direita,
pró-guerra, chamado "Protest Warrior" - organização que vendia
camisetas racistas em sua página Internet e agredia grupos antiguerra. Fui
acusado, nos termos da Lei de Fraudes e Abusos por Computadores, e o "dano
visado" no meu caso foi arbitrariamente calculado, multiplicando por US$500,
os 5.000 cartões de crédito com os quais operava a base de dados de
"Protest Warrior", o que resultou num total de $2,5 milhões.
Minha sentença foi calculada a
partir desse "dano", embora nenhum cartão de crédito tenha sido usado
ou algum dado tenha sido divulgado - por mim ou por qualquer outra pessoa. Fui
condenado a dois anos de cadeia.
Na prisão, vi com meus próprios
olhos a feia realidade de como o sistema de justiça criminal destrói a vida de
milhões de pessoas mantidas em prisões fechadas. A experiência reforçou minha
oposição contra as formas repressivas de poder e a favor de agir na defesa
daquilo em que cada um acredite.
Quando fui solto, estava ansioso
para retomar meu envolvimento nas lutas por mudanças sociais. Não queria voltar
à prisão. Então, me dediquei ao trabalho de organizar comunidades, trabalho de
superfície. Mas, com o tempo, frustrei-me com as limitações das manifestações
pacíficas, que me parecem reformistas e inefetivas. O governo Obama continuou
as guerras no Iraque e no Afeganistão, aumentou o uso de drones e não
fechou a prisão da Baía de Guantánamo.
Por essa época, eu acompanhava o
trabalho de grupos como WikiLeaks e Anonymous. Era inspirador e estimulante ver
as ideias do hack-ativismo afinal dando resultados. Fiquei
particularmente motivado pela ação heroica de Chelsea Manning [condenada a
35 anos de prisão, após sete anos na prisão, a ícone transexual Chelsea
Manning, ex-analista militar dos EUA, foi solta por um indulto dado pelo
ex-presidente Barack Obama], que revelou ao mundo as atrocidades cometidas
pelos militares norte-americanos no Iraque e no Afeganistão. Ela assumiu enorme
risco pessoal para vazar essa informação - porque acredita que a opinião
pública tem o direito de saber, e por esperar que suas revelações seriam passo
positivo para pôr fim àqueles abusos. Fica-se com o coração apertado, só de
ouvir contar sobre o tratamento cruel que ela recebeu numa prisão militar.
Refleti profunda e longamente
sobre escolher outra vez esse caminho. Tive de perguntar a mim mesmo: se Chelsea
Manning mergulhou no pesadelo abismal da prisão, porque lutava pela verdade,
como poderia eu, de boa consciência, fazer menos que ela, já que eu era capaz?
Concluí que o melhor modo de demonstrar solidariedade era dar continuidade ao
trabalho de expor fatos e enfrentar a corrupção.
Aproximei-me dos Anonymous,
porque acredito em ação direta, descentralizada e anônima. Naquele momento, os
Anonymous estavam envolvidos em operações de apoio aos levantes da Primavera
Árabe, contra a censura, e em defesa de WikiLeaks. Eu tinha muito a oferecer
como contribuição, incluindo competências técnicas, e podia articular melhor
ideias e objetivos. Foram tempos entusiasmantes - o nascimento de um movimento
digital de resistência, quando os conceitos e as competências do hack-ativismo estavam
ganhando forma.
Interessava-me especialmente o
trabalho dos hackers de LulzSec, que estavam quebrando alguns alvos
importantes e iam-se tornando cada vez mais políticos. Por essa época, falei
pela primeira vez com Sabu, que era muito aberto sobre as ações de hacking que
ele dizia ter cometido, e estimulava os hackers a unir-se para atacar
sistemas de computadores de grandes unidades do governo e de megaempresas, sob
a bandeira do movimento "Anti Security". Mas logo no início do meu
envolvimento, os outros hackers de Lulzsec foram presos; restei eu,
para quebrar sistemas e escrever press releases.
Adiante, eu descobriria que Sabu
foi o primeiro a ser preso, e que, durante todo o tempo em que eu falava com
ele, ele já era informante do FBI.
Os Anonymous também se envolveram
nos estágios iniciais de Occupy Wall Street. Participei regularmente nas ruas,
como militante de Occupy Chicago, e entusiasmei-me ao ver um movimento mundial
de massa contra as injustiças do capitalismo e do racismo. Ao final de uns
poucos meses, as "Occupations" chegaram ao fim, destruídas por ataques
da Polícia e prisões em massa de manifestantes, arrancados de suas próprias
praças públicas.
A repressão contra os Anonymous e
o Movimento Occupy deu o tom da ação dos Antisec nos meses seguintes - a maior
parte de nossas ações de hacking contra alvos da Polícia foram
retaliações contra as prisões de nossos camaradas.
Eu, pessoalmente, tomei por alvo
os sistemas policiais, por causa do racismo e da desigualdade com que se aplica
a lei criminal. Tomei por alvo as indústrias e distribuidores de equipamentos
militares e policiais, que lucram com a fabricação e a venda das armas que os
EUA usam para impor seus interesses políticos e econômicos por todo o mundo, e
para reprimir cidadãos norte-americanos aqui mesmo. Tomei por alvo empresas
privadas de segurança da informação, porque trabalham secretamente para
proteger interesses do governo e de empresas privadas, à custa de atacarem
direitos civis individuais, minando e desacreditando ativistas, jornalistas e
outros que trabalham para conhecer e divulgar a verdade; e porque vivem de
disseminar a desinformação.
Nunca tinha ouvido falar de
Stratfor, até que Sabu falou sobre eles. Sabu estava encorajando pessoas a
invadir sistemas, e ajudando a facilitar e dar organização estratégica aos
ataques. Chegou a fornecer-me pontos vulneráveis dos alvos, passados a ele por
outros hackers. Por isso, foi grande surpresa quando soube que, durante
todo o tempo, Sabu trabalhava com o FBI.
Por que o mundo exige a
libertação de Julian Assange, mas não existe um movimento popular internacional
pela libertação de Jeremy Hammond?
Sobre Jeremy Hammond, leia mais
em:
redecastorphoto
11/11/2013, [*] Chris Hedges, Truthdig
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
(*) Fernando Soares Campos é
escritor, autor de "Fronteiras da Realidade ─ contos para meditar e rir...
ou chorar", Chiado Editora, Portugal, 2018.
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