Manuel Carvalho da Silva* |
Jornal de Notícias | opinião
Nos discursos do 10 de Junho lá
surgiu, mais uma vez, a velha tese de que os portugueses e Portugal só
conseguirão desenvolver-se se surgir um projeto redentor,
"unificador", protagonizado por atores políticos puros, espécie
procurada universalmente há séculos e até hoje não encontrada.
Os seus autores pegam num
sentimento difuso de um pretenso vazio em que o país se encontrará e, a partir
daí, assumem o papel de porta-vozes de desencantados da democracia. Na
realidade são, quando muito, a voz deles próprios, isto é, de parte de uma
geração de classe média que só agora descobre que os elevadores sociais em que
entraram não dão acesso aos pisos superiores. O povo que luta, geração atrás de
geração, pela melhoria das condições do estrato ou da classe social em que se
encontra e pela mobilidade positiva, sabe bem quão duro é o combate.
Entretanto, hoje há um problema acrescido para todos: na escada rolante
descendente do neoliberalismo, as pessoas por mais que se esforcem por subir
apenas conseguem marcar passo.
Os projetos unificadores que
mobilizam uma sociedade não nascem predefinidos por nenhum salvador da pátria
ou "classe política" inovadora, imaculada e intérprete dum pretenso
sentido comum. Os projetos unificadores não se encomendam, constroem-se
partindo de propostas políticas que expõem os interesses e as ideologias em
jogo e quantas vezes em profundo conflito. É a partir daí, com a mobilização
dos cidadãos - indispensável até para submeter os renitentes - que se fazem
pontes para sustentar linhas de futuro ao serviço da esmagadora maioria.
Os portugueses já experimentaram
essa possibilidade com êxito muitas vezes. Antes e depois do 25 de Abril, na
luta pela liberdade e pela democracia, agiram a partir de propostas bem
diferenciadas que os partidos políticos e outros atores sociais e políticos
colocavam em confronto e ganharam. Foi assim quando se integraram na sociedade
centenas de milhares de portugueses obrigados a regressar ao país na sequência
dos processos de independência das antigas colónias. Foi assim com as
realizações do poder local democrático e com o processo de criação de
infraestruturas base de que o país carecia. Foi assim com as extraordinárias
conquistas de direitos no trabalho, com a construção do Serviço Nacional de
Saúde ou com a estruturação da escola pública.
A este propósito é importante
afirmar que a escola foi, é e será uma extraordinária alavanca para a ascensão
social. A Escola portuguesa tem lacunas e é preciso eliminar-lhe os fatores
segregadores que ainda a marcam em vários patamares. Mas a escola só não tem
desempenhado melhor o seu papel porque os fatores de segregação no
"mercado de trabalho" são bem mais profundos; porque a matriz de
desenvolvimento do país não tem sido capaz de acolher todas as formações feitas
na escola; e porque nas últimas décadas se cometeu o crime de maltratar os
professores.
É preciso construir novos
compromissos unificadores. Neste aproximar às eleições legislativas,
coloquem-se em confronto as propostas das diversas forças políticas sobre como:
melhorar o valor acrescentado em vários setores da economia e garantir uma boa
regionalização; reduzir encargos com a dívida; dar combate à precariedade e melhorar
os salários.
*Investigador e professor
universitário
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