segunda-feira, 22 de julho de 2019

A tecnologia e a decadência do liberalismo


B. Arjun

O liberalismo está em declínio. O monstro da direita ressurgiu. A resposta global à crise dos migrantes e a velocidade com que o racismo e o comunalismo estão a ganhar legitimidade são sintomas claros da decadência do liberalismo. 

A verdade é que a ditadura dos oligarcas está de volta com uma vingança, legitimando o racismo, o comunalismo, a censura e o estado de vigilância. Tudo o que os liberais consideravam errado com o comunismo voltou para assombrá-los.

O conservadorismo é a principal ideologia da maioria dos estados. Na recém concluída cimeira do G-20, a maioria, quase todos, dos líderes globais pertencia à variedade conservadora de direita. Esta realidade foi posta em evidência no cenário global pelo presidente Putin, que proclamou numa entrevista ao Financial Times: "A ideia liberal tornou-se obsoleta. … (Liberais) não podem simplesmente ditar o que quer que seja a alguém como têm tentado fazer nas últimas décadas".

Além disso, reforçando a posição internacional russa, Putin certamente estava a afastar-se da Europa do pós-guerra que promovia a democracia e os valores liberais. Estava a distanciar-se do atlantismo (ou seja, reorientar a Rússia para o Ocidente) pedido muitos de seus oponentes liberais dentro da Rússia. A política de Putin está enraizada no eurasianismo que "defende a modernização técnica e social sem o abandono das raízes culturais". 

Putin talvez esteja desejoso de declarar a morte da ideia do famoso comentarista americano Francis Fukuyama que, no início dos anos 90, proclamou audaciosamente a morte da ideologia de esquerda e a vitória final do liberalismo e dos mercados livres.

As celebrações de Fukuyama justificavam-se então porque um dos principais objectivos do liberalismo, durante a Guerra Fria, era enfraquecer e finalmente derrotar o comunismo. Os anúncios prematuros de Fukuyama sobre o "fim da história" ignoraram convenientemente o cavalo de Tróia de direita que residia em meio aos liberais. Ele provavelmente assumiu que a colaboração dos direitistas e liberais, criada para derrotar o comunismo, seria eterna. Fukuyama foi ingénuo. Ele não percebeu que o conservadorismo não poderia coexistir com o liberalismo. Não viu que os liberais não passavam de tolos no jogo planeado pelos capitalistas para repelir a ameaça comunista. Depois de devorar os comunistas, o capitalismo está agora a atacar os liberais, os social-democratas.

A mudança pós-guerra fria dos liberais e conservadores rumo a uma ordem socio-económica neoliberal ampliou a distância entre ricos e pobres. As horríveis desigualdades só geraram ódio para com a ordem mundial centrada no liberalismo.

Este ódio tem sido inteligentemente aproveitado pelos conservadores. Eles habilmente mudaram a cólera pública contra os liberais, salvando assim o capitalismo de ser objecto de crítica e condenação. E isto tem sido conseguido pelo fomento de uma crise de identidade e pelo desencadeando uma onda de populismo.

Não se pode esquecer da história. O liberalismo nunca foi a primeira opção do capitalismo. A ascensão do fabianismo britânico e do New Deal americano foi meramente um estratagema táctico para salvar o capitalismo no rastro da grande depressão e do avanço do comunismo no início da década de 1930.

A TECNOLOGIA E A DECADÊNCIA DO LIBERALISMO 

Analisar a declaração de Putin em termos puramente liberais dá uma sensação estranha acerca do futuro da democracia no mundo. No entanto, interpretar a morte do liberalismo em termos marxistas indica claramente que o capitalismo já não precisa mais de liberalismo.

A pergunta que precisamos fazer é: O que os encoraja a abandonar os liberais? Por que o multiculturalismo é anátema para conservadores? Por que estão eles a esmagar as classes médias?

Para responder a estas perguntas é preciso entender as mudanças e rupturas que a robótica está a provocar.

No princípio da década de 1980 capitalistas ocidentais à procura de mão-de-obra barata transferiram suas fábricas para a China e países do sudeste asiático. Eles basicamente mudaram a poluição e suas preocupações para longe das leis impostas pela ordem liberal a fim de manter a tranquilidade dentro da metrópole.

Depois de deslocalizar as fábricas, a classe capitalista ocidental concentrou-se em ganhar dinheiro liberalizando o sector financeiro. A introdução de computadores ajudou os ricos a movimentarem dinheiro por todo o mundo a uma velocidade vertiginosa. Tudo isto foi caracterizado como a fase inicial da globalização. País após país foi persuadido ou coagido a aderir ao movimento de liberalização impulsionado pelo "consenso de Washington".

O império americano atingiu seu auge após a guerra-fria. No entanto, isto perdurou até 2008, quando a crise financeira atacou as estruturas capitalistas. Contudo, apesar da ascensão da China e das contradições inerentes ao capitalismo, os Estados Unidos estão confiantes no salvamento do seu império principalmente porque pensam que tecnologias posteriores os colocam numa posição vantajosa.

Em primeiro lugar, a tecnologia está a alterar o relacionamento entre capital e trabalho. O capital sempre considerou o trabalho como um fardo pesado e incómodo. Sempre considerou o trabalhador numa fábrica como um mal necessário. A introdução de robôs e impressoras 3D que podem manufacturar produtos que vão desde um sapato até um motor de avião com a ajuda da inteligência artificial (IA), agora dá esperança ao clube de bilionários de que é possível fabricar bens sem mão-de-obra local ou estrangeira. A gestão e monitoramento do chão de fábrica podem agora ser alcançados com o clique de um botão.

Não só o trabalhador está a tornar-se redundante, como o operário de colarinho azul e o gerente estão também a desaparecer rapidamente da equação da produção. Num futuro próximo, o capitalista não exigirá ao empregado educado para actuar como um amortecedor entre o trabalhador e o proprietário. Anteriormente um empregado tinha de trabalhar arduamente para lutar por licenças e horários de trabalho regulamentados. Agora, as empresas estão a pedir aos seus empregados para trabalharem em casa. E a demanda por três dias de trabalho está a ser popularizada por aqueles que outrora propagavam "o culto do trabalho".

Esta tendência é visível na maneira condescendente com que Trump e Modi tratam a imprensa. Ambos sentem que jornalistas e repórteres podem ser dispensados, porque a tecnologia dos media sociais lhes permite que se comuniquem directamente com seu público.

O desprezo dos conservadores pela burocracia também se deve ao facto de que nos próximos anos já não será requerido a um burocrata que implemente os esquemas do governo, porque o dinheiro será enviado directamente para as contas dos pobres. As classes médias já estão a sentir o aperto e cresce a sensação de que estão a ser empurradas para baixo.

O capitalismo entende que a nova tecnologia está a levar ao desemprego. A classe capitalista pretende reduzir o número daqueles que terá de satisfazer na era do desemprego em massa. Portanto, tanto razões sectárias como racistas ou de casta estão a ser inventadas para dividir as sociedades e manter o máximo de pessoas possível fora da rede da segurança social. Por esta razão os conservadores de direita se opõem à imigração e ao multiculturalismo.

Finalmente, por que o capitalismo conservador se refugia na retórica do populismo? A resposta está no facto de que a classe capitalista tem sempre a paranóia de uma revolta. Ela quer a paz interna para proteger a sua propriedade.

Com os novos meios de produção firmemente nas mãos das classes proprietárias, o mundo caminha rapidamente para o mais alto estágio do capitalismo – que provavelmente será mais implacável do que o actual autoritarismo que estamos a experimentar. 


14/Julho/2019

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2019/0714_pd/technology-and-decay-liberalism 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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