domingo, 7 de julho de 2019

Caso Odebrecht: Caíram Presidentes na América Latina, mas há "silêncio" em Angola


Ativistas e membros da oposição questionam o "silêncio" da Justiça angolana em relação ao caso Odebrecht. Entre 2006 e 2013, a construtora terá pago mais de 50 milhões de dólares em subornos a políticos em Angola.

Os negócios da Odebrecht em Angola voltam a ser alvo de questionamento, pouco depois de um antigo ministro ser detido em Moçambique por alegado envolvimento num esquema de corrupção relacionado com a construtora brasileira.

Ativistas e políticos da oposição angolana questionam: se o Ministério Público moçambicano investigou as denúncias de corrupção em que a construtora brasileira estará envolvida, porque que é que a Procuradoria angolana não faz o mesmo? Mas o "silêncio" permanece e as críticas aos órgãos do país continuam. Entretanto, passam mais de dois anos desde que a Odebrecht admitiu ter pago subornos.

De acordo com o Departamento de Justiça dos EUA, a empresa gastou cerca de 788 milhões de dólares em "luvas" para funcionários de Governos de 12 países. Em Angola, a Odebrecht terá desembolsado, entre 2006 e 2013, mais de 50 milhões de dólares para subornar oficiais do Governo e conseguir contratos públicos, segundo as autoridades norte-americanas.


"Silêncio"

De lá para cá, vários ativistas têm pedido à Justiça angolana para dar seguimento ao caso no país. Mas o "silêncio" é cada vez mais ensurdecedor, comenta o jurista e deputado independente da Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), Lindo Bernardo Tito.

"Seria interessante que a própria Procuradoria-Geral da República (PGR) pudesse abrir um inquérito judicial para ver qual foi a relação entre a Odebrecht Angola e o Executivo do Presidente José Eduardo dos Santos", disse o parlamentar da terceira força política em Angola.

A gigante brasileira foi a responsável por grandes empreendimentos em Angola. Construiu as estradas nas províncias de Malanje, a norte, e no Huambo, a sul do país, em 2012. Edificou ainda o sistema de transporte associado ao Aproveitamento Hidroelétrico de Laúca.

Mas para o deputado Lindo Bernardo Tito, a relação entre a antiga governação de José Eduardo dos Santos e a construtora brasileira Odebrechet é "suscetível de muitos questionamentos".

"Deixou muitas zonas cinzentas questionáveis, obviamente. Porquanto é visível que, em várias obras que essa empresa assumiu, algumas não terminaram, e as que terminaram, terminaram com muito defeito. Aliás, a própria aproximação entre o presidente da Odebrecht e do ex-Presidente José Eduardo dos Santos é suscetível de algum questionamento".

Investigação e detenções noutros países

Por seu turno, o ativista cívico angolano Nelson Euclides, que se junta ao coro de vozes que criticam o silêncio da justiça, pede uma investigação aos contratos da construtora Odebrecht em Angola. "É do conhecimento de todos que esta empresa tem sido alvo de polémica a nível internacional, tudo porque há indícios de que em todos os países em que a empresa prestou serviço houve supostamente envolvimento de corrupção".

No Brasil, a Odebrecht está envolvida no maior escândalo de corrupção do país, descoberto no âmbito da "Operação Lava Jato", e vários políticos, incluindo o ex-Presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, foram condenados à prisão. O escândalo resvalou para o Peru, onde quatro ex-Presidentes também foram investigados. Um deles, Alan García, que se suicidou pouco antes de ser detido por alegado envolvimento no caso daquela empresa.

Este mês, em Moçambique, o antigo ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, foi detido preventivamente. É suspeito de ter recebido dezenas de milhares de dólares para facilitar a adjudicação de obras do Aeroporto de Nacala à Odebrecht. O ex-ministro das Finanças moçambicano Manuel Chang também é arguido no caso.

A Odebrecht não está apenas associada a esquemas de corrupção. Em 2017, a construtora assinou um acordo de 10 milhões de dólares com a Justiça brasileira por manter mais de 400 trabalhadores em condições semelhantes à escravidão durante a construção da Biocom, uma fábrica de açúcar e etanol em Angola. Antes, em 2016, o jornalista e ativista angolano Rafael Marques também já havia denunciado casos de morte e tortura de camponeses em áreas onde a construtora brasileira operava.

Mas, vários anos depois, ainda não há nenhum processo judicial em curso movido pela Procuradoria-Geral angolana. E o ativista angolano Nelson Euclides questiona: Por que continua a Justiça em silêncio?

"Questiona-se o facto de a nossa PGR não se pronunciar sobre essa empresa uma vez que a mesma prestou muito serviço no nosso país, mas notamos que há um silêncio por parte da PGR e procuramos saber porquê, se noutros países em que a empresa prestou o serviço está a ser julgada, porque no nosso país não se diz nada? Isso é preocupante enquanto cidadão e enquanto país."

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

Sem comentários:

Mais lidas da semana