sexta-feira, 26 de julho de 2019

Portugal | Do resultado previsto


Miguel Guedes | Jornal de Notícias | opinião

A previsibilidade em política só não antecipa a morte do artista se ainda houver terra para queimar após vindima. Que foi chão que deu uvas, isso todos dirão.

Rui Rio tem lidado, desde o seu primeiro dia como líder do PSD, com uma tropa de execução que não lhe permite um sopro de descanso. Nada como a disputa eleitoral magna de Outubro para clarificar de vez o que lhe sopram pelas costas e por cima do ombro. Com a exclusão de Maria Luís Albuquerque das listas para as próximas eleições legislativas, por não querer dormir com o inimigo, Rio é agora o líder da oposição interna a si mesmo. Estendeu uma passadeira à sua rendição. O mal pode ser aterrador mas nunca foi desconhecido. Está de fora mas vem de dentro, totalmente complacente. O PSD vive o momento em que vê na autofagia a sua solução.

As eleições são provas exigentes para quem não consegue fazer a digestão dos resultados. A obra-género de Rui Rio será sempre incompleta enquanto o partido que dirige teimar em fazer Brexit do país, preocupando-se apenas com as guerras intestinas. Contrariamente a Boris Johnson, outro primeiro-ministro improvável, Rio não sucede. Não sucede a Passos, sucede ao Diabo que não veio e teve que passar por três eleições, duas internas e uma europeia. Se, relativamente ao agora primeiro-ministro britânico, as expectativas são tão baixas que só muito dificilmente poderá deixar de ser surpreendente, Rio só será capaz de continuar a surpreender pela forma como resiste ao desfile tortuoso de apunhalamentos. Assim se sente a orfandade social-democrata: os órfãos de Passos e do neoliberalismo acreditam mesmo que a "geringonça" foi uma máquina usurpadora de poder e Rui Rio um colector de restos.


As sondagens raramente nos informam da tendência da improbabilidade. O piscar de olhos enamorado de Santana Lopes ao PSD é a assunção de que, não podendo esvaziar mais o que já está vazio, prefere fazer de conta que não bateu com a porta dos fundos, há poucos meses, à procura de estrondo. A maçonaria que Rui Rio culpa pela hecatombe da mais recente sondagem que coloca o PS mais perto da maioria absoluta, também deve andar a executar rituais de iniciação nas estruturas locais do partido. Uns, autoexcluem-se. Outros, fazem finca-pé no confronto sabendo o desgaste que causam à liderança. José Afonso cantava "das eleições acabadas/ do resultado previsto/ saiu o que tendes visto/ muitas obras embargadas". Estamos a cerca de dois meses das eleições e é o que vemos.

*Músico e jurista

O autor escreve segundo a antiga ortografia

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