Miguel Guedes | Jornal
de Notícias | opinião
A previsibilidade em política só
não antecipa a morte do artista se ainda houver terra para queimar após
vindima. Que foi chão que deu uvas, isso todos dirão.
Rui Rio tem lidado, desde o seu
primeiro dia como líder do PSD, com uma tropa de execução que não lhe permite
um sopro de descanso. Nada como a disputa eleitoral magna de Outubro para
clarificar de vez o que lhe sopram pelas costas e por cima do ombro. Com a
exclusão de Maria Luís Albuquerque das listas para as próximas eleições
legislativas, por não querer dormir com o inimigo, Rio é agora o líder da
oposição interna a si mesmo. Estendeu uma passadeira à sua rendição. O mal pode
ser aterrador mas nunca foi desconhecido. Está de fora mas vem de dentro,
totalmente complacente. O PSD vive o momento em que vê na autofagia a sua
solução.
As eleições são provas exigentes
para quem não consegue fazer a digestão dos resultados. A obra-género de Rui
Rio será sempre incompleta enquanto o partido que dirige teimar em fazer Brexit
do país, preocupando-se apenas com as guerras intestinas. Contrariamente a
Boris Johnson, outro primeiro-ministro improvável, Rio não sucede. Não sucede a
Passos, sucede ao Diabo que não veio e teve que passar por três eleições, duas
internas e uma europeia. Se, relativamente ao agora primeiro-ministro
britânico, as expectativas são tão baixas que só muito dificilmente poderá
deixar de ser surpreendente, Rio só será capaz de continuar a surpreender pela
forma como resiste ao desfile tortuoso de apunhalamentos. Assim se sente a
orfandade social-democrata: os órfãos de Passos e do neoliberalismo acreditam
mesmo que a "geringonça" foi uma máquina usurpadora de poder e Rui
Rio um colector de restos.
As sondagens raramente nos
informam da tendência da improbabilidade. O piscar de olhos enamorado de
Santana Lopes ao PSD é a assunção de que, não podendo esvaziar mais o que já
está vazio, prefere fazer de conta que não bateu com a porta dos fundos, há
poucos meses, à procura de estrondo. A maçonaria que Rui Rio culpa pela
hecatombe da mais recente sondagem que coloca o PS mais perto da maioria
absoluta, também deve andar a executar rituais de iniciação nas estruturas
locais do partido. Uns, autoexcluem-se. Outros, fazem finca-pé no confronto
sabendo o desgaste que causam à liderança. José Afonso cantava "das
eleições acabadas/ do resultado previsto/ saiu o que tendes visto/ muitas obras
embargadas". Estamos a cerca de dois meses das eleições e é o que vemos.
*Músico e jurista
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
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