Díli, 15 jul 2019 (Lusa) -- O
Tribunal de Recurso timorense absolveu a ex-ministra da Justiça Lúcia Lobato
num caso em que era acusada de participação económica em negócio, mas manteve
uma ordem de pagamento de indemnização ao Estado, disse a própria à Lusa.
"Acabei de receber o acórdão
hoje e ainda o vou estudar com os meus advogados. Mas acho isto muito
estranho", disse Lúcia Lobato, em declarações à Lusa.
"Se o tribunal diz que não
cometi um crime então porque é que pago indemnização? Quem comete crimes e
causou prejuízo ao Estado deve pagar. Mas se fui absolvida então porque tenho
que pagar indemnização", questionou.
O acórdão, datado de 11 de julho,
mas de que Lúcia Lobato só foi hoje notificada, está assinado pelos juízes
Guilhermino da Silva, Deolindo dos Santos e Duarte Tilman Soares e reverte uma
decisão de condenação a três anos de cadeia do Tribunal Distrital de Díli.
Os juízes deliberam
"absolver as arguidas Lúcia Lobato e Helena Gomes da acusação a prática,
em coautoria, de um crime de participação económica em negócio", mas
acrescenta que "no mais, confirma-se a decisão recorrida".
No processo, Lobato e Gomes
tinham sido acusadas de um total de três crimes de participação económica em
negócio, sendo que o Tribunal de Díli as absolveu de dois e as condenou por um.
Além da pena de prisão o Tribunal
de Díli tinha na sua sentença determinado o pagamento de uma indemnização de
mais de 124 mil dólares, valor em que alegadamente o Estado teria ficado
lesado.
O Tribunal de Recurso dá como
improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público e procedente o
recurso de Lúcia Lobato em seis dos nove pontos da decisão da primeira
instância.
De fora, ficam, entre outros, o
ponto 4 que condena ao pagamento de uma indemnização civil no valor de mais de
124 mil dólares.
O Recurso mantém igualmente a
decisão já tomada na primeira instância sobre a absolvição dos dois crimes
adicionais de que eram acusadas.
O caso, que tem a ver com a
construção da prisão de Gleno, a sul de Díli, remonta a 2008, com a
investigação a decorrer nos anos seguintes e Lobato a ser constituída arguida
em 2014, pouco tempo depois de sair da cadeia onde cumpriu pena por um outro
crime sobre o qual sempre manteve a inocência.
O julgamento decorreu no ano
passado e Lúcia Lobato acabou condenada a três anos de prisão e ao pagamento da
indemnização, num processo em que o tribunal se baseou num relatório de um
engenheiro que, anos depois das obras, questionou o seu custo.
Para Lúcia Lobato o caso mostra
que "a justiça não está a funcionar" em Timor-Leste e que os
tribunais "não estão a aplicar as leis como deve ser", com
"grandes problemas no sistema" que condicionam o funcionamento do
setor.
"Toda a gente conhece o
fracasso, mas ninguém quer tocar na ferida. Quando se fala da incapacidade dos
magistrados, dizem que não se pode interferir. Mas na realidade os tribunais
não estão a exercer a sua função como deve ser", afirmou.
"Os tribunais estão a julgar
baseando-se na opinião pública e não na lei. Querem satisfazer o público para
não serem acusados de não condenar os corruptos, mas depois violam os direitos
dos cidadãos", afirmou.
Lobato disse que "é
necessário mais coragem política" para "rever e adotar medidas
estruturantes" para o setor, insistindo que "os tribunais não só para
castigar os cidadãos, mas para defender e garantir os seus direitos
fundamentais".
Recorde-se que Lúcia Lobato foi
uma das primeiras ex-governantes timorenses a ser condenada a penas efetivas de
prisão.
Lobato foi condenada em 2012 a cinco anos de prisão
por participação económica em negócio por prejuízo ao Estado timorense de 4.200
dólares, tendo recebido a 30 de agosto de 2014 um indulto do Presidente
timorense, Taur Matan Ruak.
No entanto esse processo,
especialmente na fase de recurso, ficou marcado por polémica, especialmente na
fase de recurso, com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) português
a referir que juízes portugueses podem ter prejudicado o seu caso.
O STJ deu conta das
irregularidades quando anulou uma pena de 40 dias de suspensão que o Conselho
Superior da Magistratura (CSM) tinha aplicado à juíza Margarida Veloso, uma
antiga inspetora judicial em Timor que denunciou e acusou dois colegas
portugueses de manipular e influenciar o processo judicial que levou à
condenação a uma pena de prisão de Lúcia Lobato.
Margarida Veloso tinha sido alvo
da pena de suspensão por denunciar ao CSM que os juízes em causa, que
mantiveram a condenação da ex-ministra timorense, não foram isentos, citando um
mail em que um deles se congratula com a decisão.
ASP // PJA
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