terça-feira, 16 de julho de 2019

Recurso timorense absolve ex-ministra timorense da Justiça


Díli, 15 jul 2019 (Lusa) -- O Tribunal de Recurso timorense absolveu a ex-ministra da Justiça Lúcia Lobato num caso em que era acusada de participação económica em negócio, mas manteve uma ordem de pagamento de indemnização ao Estado, disse a própria à Lusa.

"Acabei de receber o acórdão hoje e ainda o vou estudar com os meus advogados. Mas acho isto muito estranho", disse Lúcia Lobato, em declarações à Lusa.

"Se o tribunal diz que não cometi um crime então porque é que pago indemnização? Quem comete crimes e causou prejuízo ao Estado deve pagar. Mas se fui absolvida então porque tenho que pagar indemnização", questionou.

O acórdão, datado de 11 de julho, mas de que Lúcia Lobato só foi hoje notificada, está assinado pelos juízes Guilhermino da Silva, Deolindo dos Santos e Duarte Tilman Soares e reverte uma decisão de condenação a três anos de cadeia do Tribunal Distrital de Díli.

Os juízes deliberam "absolver as arguidas Lúcia Lobato e Helena Gomes da acusação a prática, em coautoria, de um crime de participação económica em negócio", mas acrescenta que "no mais, confirma-se a decisão recorrida".


No processo, Lobato e Gomes tinham sido acusadas de um total de três crimes de participação económica em negócio, sendo que o Tribunal de Díli as absolveu de dois e as condenou por um.

Além da pena de prisão o Tribunal de Díli tinha na sua sentença determinado o pagamento de uma indemnização de mais de 124 mil dólares, valor em que alegadamente o Estado teria ficado lesado.

O Tribunal de Recurso dá como improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público e procedente o recurso de Lúcia Lobato em seis dos nove pontos da decisão da primeira instância.

De fora, ficam, entre outros, o ponto 4 que condena ao pagamento de uma indemnização civil no valor de mais de 124 mil dólares.

O Recurso mantém igualmente a decisão já tomada na primeira instância sobre a absolvição dos dois crimes adicionais de que eram acusadas.

 O caso, que tem a ver com a construção da prisão de Gleno, a sul de Díli, remonta a 2008, com a investigação a decorrer nos anos seguintes e Lobato a ser constituída arguida em 2014, pouco tempo depois de sair da cadeia onde cumpriu pena por um outro crime sobre o qual sempre manteve a inocência.

O julgamento decorreu no ano passado e Lúcia Lobato acabou condenada a três anos de prisão e ao pagamento da indemnização, num processo em que o tribunal se baseou num relatório de um engenheiro que, anos depois das obras, questionou o seu custo.

Para Lúcia Lobato o caso mostra que "a justiça não está a funcionar" em Timor-Leste e que os tribunais "não estão a aplicar as leis como deve ser", com "grandes problemas no sistema" que condicionam o funcionamento do setor.

"Toda a gente conhece o fracasso, mas ninguém quer tocar na ferida. Quando se fala da incapacidade dos magistrados, dizem que não se pode interferir. Mas na realidade os tribunais não estão a exercer a sua função como deve ser", afirmou.

"Os tribunais estão a julgar baseando-se na opinião pública e não na lei. Querem satisfazer o público para não serem acusados de não condenar os corruptos, mas depois violam os direitos dos cidadãos", afirmou.

Lobato disse que "é necessário mais coragem política" para "rever e adotar medidas estruturantes" para o setor, insistindo que "os tribunais não só para castigar os cidadãos, mas para defender e garantir os seus direitos fundamentais".

Recorde-se que Lúcia Lobato foi uma das primeiras ex-governantes timorenses a ser condenada a penas efetivas de prisão.

Lobato foi condenada em 2012 a cinco anos de prisão por participação económica em negócio por prejuízo ao Estado timorense de 4.200 dólares, tendo recebido a 30 de agosto de 2014 um indulto do Presidente timorense, Taur Matan Ruak.

No entanto esse processo, especialmente na fase de recurso, ficou marcado por polémica, especialmente na fase de recurso, com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) português a referir que juízes portugueses podem ter prejudicado o seu caso.

O STJ deu conta das irregularidades quando anulou uma pena de 40 dias de suspensão que o Conselho Superior da Magistratura (CSM) tinha aplicado à juíza Margarida Veloso, uma antiga inspetora judicial em Timor que denunciou e acusou dois colegas portugueses de manipular e influenciar o processo judicial que levou à condenação a uma pena de prisão de Lúcia Lobato.

Margarida Veloso tinha sido alvo da pena de suspensão por denunciar ao CSM que os juízes em causa, que mantiveram a condenação da ex-ministra timorense, não foram isentos, citando um mail em que um deles se congratula com a decisão.

ASP // PJA 

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