Agência Sputnik continua
publicando materiais exclusivos sobre as prisões secretas que tem o Serviço de
Segurança Ucraniano (SBU) ao longo de toda a linha de contato com as
autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, onde as pessoas
sequestradas sofrem torturas terríveis.
A Sputnik conseguiu encontrar um
ex-funcionário do Ministério do Interior da Ucrânia, que coordenava a detenção de "separatistas" nos
postos de controle das repúblicas autoproclamadas, e falou com ex-prisioneiros.
Sequestros de civis
Em meados de agosto de 2014, os
combates das milícias da República Popular de Donetsk contra as forças de
segurança ucranianas aproximaram-se da cidade de Ienakievo. Os habitantes
locais começaram a abandonar a zona de combates.
Konstantin Afonchenko decidiu ir
para Odessa, onde sua filha estava sendo tratada no hospital e sua esposa
estava com ela. A viagem terminou logo no primeiro posto de controle ucraniano.
Alguns dos "nazik"
(como são chamados os efetivos da Guarda Nacional da Ucrânia na região de Donbass)
começaram a revistar o telefone de Afonchenko. No início dos contatos, na letra
"A", encontraram um "Andrei", jornalista de um canal de
televisão russo. Afonchenko o conheceu por acaso durante uns protestos em maio.
"Bem, sim, fui aos
protestos. E quem não ía? Todo o país estava envolvido em comícios já havia um
ano. Eu não era nenhum separatista, nem sequer sei o que isso é", diz ele.
Os "nazik" o espancaram
e levaram para o aeródromo da vizinha cidade de Kramatorsk. Tudo o que era
valioso lhe foi retirado. Eles anunciaram que todo o dinheiro, objetos de valor
e o computador passavam para o fundo do exército, recorda Afonchenko.
Chegada à prisão secreta
Em Kramatorsk começaram as
torturas, vieram "médicos" e o injetaram com substâncias para soltar
sua língua.
"Senti-me mal, ele avisou:
'Diz a verdade, porque pode haver um resultado letal. Vou dar outra injeção.
Vai aliviar.' Mas eu me sentia mesmo mal. O que é então, Kennedy? Posso dizer
que matei o Kennedy. O que querem?", recorda Afonchenko.
Só mais tarde ele identificou seus torturadores, que eram os
ativistas de Maidan (ciclo de protestos centrados em torno da praça Maidan, em
Kiev, no final de 2013 e início de 2014 contra o governo oficial) Vsevolod
Stebliuk e o futuro deputado do parlamento ucraniano Andrei Teteruk, a partir
de suas fotografias. O "médico" o impressionou particularmente –
parecia um louco de um filme de terror.
Outras vítimas
Outra vítima, Alla Belousova,
também foi resgatada de Ienakievo e foi capturada pelos "nazik" junto
com seu marido Vladimir.
Belousova tinha, de fato, algo a ver com as repúblicas autoproclamadas – levava alimentos para a cidade sitiada de Slaviansk.
Os elementos das forças de
segurança no posto de controlo descobriram isso rapidamente, e depois
encontraram um documento de Alla assinado por Igor Strelkov (primeiro ministro
da Defesa da República Popular de Donetsk), a milícia deu a esta mulher o
apelido jocoso de Marechal devido a sua personalidade combativa.
O documento lhe prestou um mau
serviço – ela e seu marido começaram a ser espancados, os levaram para Kramatorsk e
tentaram organizar um estupro abominável. Mas depois essa identificação salvou
sua vida – muitos prisioneiros eram levados para campos minados ou usados como
alvos de treinamento de tiro, mas a valiosa Marechal foi deixada para troca.
"Trouxeram o meu marido e
começaram simplesmente a matá-lo à minha frente. Eu digo-lhes para não lhe
tocarem. Porque sou assim, posso sobreviver em qualquer situação, mas ele é
fraco. Ele é mais velho que eu, em primeiro lugar, e psicologicamente é mais fraco
que eu", explica Alla.
Sofrimentos extremos
"Em Kramatorsk havia uma
base militar, as pessoas eram treinadas para operações de combate. Ele [o
militar] devia ficar realmente preparado para matar alguém. Isso significa que
eles precisavam de alvos vivos. Assim era o cinismo dessa abordagem, quando ele
[o carcereiro] entra [na cela] e diz a todos que precisa de um alvo vivo. Há
voluntários?”, testemunha Afonchenko.
Também se divertiam a mandar o
prisioneiro para um campo minado. Também quiseram enviar a Marechal Alla para
as minas, mas no último momento mudaram de ideias – um prisioneiro tão
importante poderia ser trocado por um oficial ucraniano, ou mesmo dois.
Nem Afonchenko nem os Belousov foram sequer alvo de processo criminal. Ficaram detidos
ilegalmente durante um mês e, em meados de setembro, foram trocados por
militares capturados pela República Popular de Donetsk.
Depois de sua libertação,
Afonchenko descobriu que seu cartão bancário estava zerado. Depois de entrar no
banco online, ele descobriu que algum dos carcereiros esteve comprando gasolina
e café em postos de gasolina.
'Martelo da verdade'
Outra prisão secreta ainda
funciona na cidade de Pokrovsk. Isso foi revelado pelo ex-prisioneiro Sergei
Babich à Sputnik. Ele trabalhou na mina local e todos os dias úteis ele passava
por esta empresa de transporte em seu ônibus de serviço e não sabia que iria
passar lá seis dias horríveis.
"O edifício é grande, está à
parte dos outros. Há muitos porões, ninguém ouve nada", explica ele por
que os elementos de segurança escolheram este lugar.
Sergei Babich foi detido com seu
companheiro em 25 de março de 2015 em um posto de controle perto de
Krasnoarmeysk, alegadamente como um grupo subversivo que deveria matar um certo
militar ucraniano.
"Não foi uma detenção, mas
um sequestro. Eu já fui torturado na cave da empresa de transporte 11-411. Fui
espancado com um martelo de madeira – um malho. Chamavam-lhe "o martelo da
verdade". Eles usavam armas de choques elétricos, um saco na cabeça para
sufocar", lembra Babich.
le supõe que foi torturado por
agentes do SBU (eles não se apresentaram nem mostraram suas carteiras de
identidade). "Eram fortes, bem treinados, com máscaras. Faziam tudo de
maneira técnica e profissional", descreve Babich os seus torturadores.
Apenas no fim da tarde de 31 de
março ele foi levado para o departamento de investigação do Serviço de
Segurança da Ucrânia em Mariupol que sua detenção fosse registrada
oficialmente. Os médicos do centro de detenção preventiva de Mariupol
registraram os numerosos hematomas no corpo de Babich no relatório de medicina
legal de 3 de abril.
"Eles queriam se precaver –
se eu morresse no centro de detenção preventiva em um ou dois dias, ou três,
isso seria culpa do SBU e não do centro de detenção preventiva", explica
ele.
O processo foi levado ao tribunal
em 2017. Ele foi acusado de criação de um grupo terrorista e de uso
ilegal de armas. Em dezembro de 2017, Babich foi transferido para Donetsk no
âmbito da troca de prisioneiros. No entanto, contrariamente a todos os acordos,
o processo não foi encerrado e as acusações não foram retiradas.
Prisões numerosas
"Nós sabemos da existência
de mais de uma prisão como esta. Desde 2014, temos recebido ‘chamadinhas’ que
existe uma prisão secreta em um lugar, outra em outro... Conhecemos este
problema há muito tempo", confirmou à Sputnik a ouvidora de Direitos
Humanos da autoproclamada república de Donetsk, Darya Morozova.
Segundo Morozova, estas prisões
são controladas pelo SBU, que as utiliza para exercer pressão sobre os
suspeitos. Só podemos adivinhar quantas pessoas estarão presas lá.
"Em 2014-2015, eu ainda
podia acreditar que aí se exercia arbitrariedade dos batalhões [de
voluntários]. Neste momento, tenho todas as condições para acreditar que o SBU
controla totalmente todos estes locais de detenção ilegais... Eles sabem
perfeitamente onde estão esses lugares", disse Morozova.
Segundo Morozova, eles estão
procurando por 249 pessoas sobre as quais tiveram confirmação exata de que
foram detidas no território da Ucrânia", afirmou a ouvidora. A Ucrânia
confirma oficialmente apenas 101 pessoas.
Missão da ONU
Os relatórios da Missão de
Monitoramento dos Direitos Humanos da ONU na Ucrânia também mencionam a
privação ilegal de liberdade, em particular no SBU de Kharkov.
"Determinamos os nomes de
184 pessoas que, na nossa opinião, foram detidas ilegalmente nas instalações do
SBU em Kharkov em 2014-2016. Esta lista continua aumentando", disse à
Sputnik Fiona Frazer, chefe da missão.
Segundo ela, "a prática da
detenção arbitrária ou incomunicável era comum na área controlada pelo governo
em 2014, 2015 e 2016, enquanto em 2017 e 2018 nós registramos apenas alguns
casos”. A prisão do SBU em Kharkov chamou a atenção das organizações internacionais,
em particular da Anistia Internacional.
'Você não existe'
"Este é o nosso estudo de
2016. Então nós publicamos uma pesquisa intitulada "Você não existe",
onde relatamos que existem locais de detenção especiais para manter as pessoas
sem comunicação com o mundo exterior", disse à Sputnik Maria Guryeva,
representante da organização na Ucrânia.
Um deles, segundo ela, ficava em
Kharkov, e também foram registrados certos lugaresem Mariupol e em outras
cidades, mas o principal era o departamento do SBU em Kharkiv, onde as pessoas
declararam que ficaram lá por mais de um ano. Agora estão decorrendo dois
processos judiciais e a organização também irá estudar os novos dados
descobertos pela Sputnik.
Sputnik | Foto: Sputnik / Yevgeny
Kotenko
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