domingo, 7 de julho de 2019

Um passeio despreocupado no campo minado da Coreia do Norte

Trump (de costas) e Kim em encontro "histórico" na zona desmilitarizada da Coreia do Norte
Se, do seu jeito anticonvencional, Donald Trump tiver obtido com sua visita um avanço real no conflito da Península Coreana, então vai merecer o reconhecimento do mundo, opina Alexander Freund.

Alexander Freund* | opinião

"Não há nada de bom, além daquilo que se faz", diz o ditado alemão. É mesmo fascinante a facilidade com que o presidente americano ultrapassa barreiras que pareciam totalmente instransponíveis e, de repente, volta a colocar movimento no conflito da Coreia.

Antes Donald Trump tuitara que, se Kim Jong-un tivesse vontade, ambos poderiam se encontrar: ele estava bem na região, na cúpula do G20 no Japão, então, se calhasse, por que não?

E é claro que Kim aceitou grato esse convite. Afinal, a supostamente tão amistosa relação entre os dois esfriara sensivelmente desde a cúpula fracassada em Hanói. O líder da Coreia do Norte até mesmo lançara alguns mísseis para o céu, a fim de se fazer notar novamente.

Portanto eles se encontraram em Panmunjom, aquele absurdo lugar onde tropas norte-coreanas e aliadas se observam, desconfiadas, simbolizando todo o absurdo do conflito congelado. E da mesma forma descompromissada, Trump perguntou se não poderia dar um pulinho na Coreia do Norte. Visivelmente espantado, Kim disse que seria uma grande honra, e assim pela primeira vez um presidente americano pisou o solo norte-coreano.




Simples assim. Sem grande alarde. Dá para fazer sim, foi a simples mensagem: não refletir longamente, fazer. Se se tratasse de um presidente democrata, ele seria linchado em casa pelos conservadores: como é possível valorizar um regime desses sem concessões prévias? Traidor!

Mas Trump simplesmente o faz, surpreende a todos e, após décadas de confrontação, finalmente coloca o conflito em movimento. Da mesma forma descomprometida, já ao assumir a presidência ele anunciara sua disposição básica para dialogar com Kim. Por que não?

Claro que, ao que tudo indica, Trump exagerou na cúpula de Cingapura com o papo de camaradagem. Seu "amigo Kim" continua sendo um déspota imprevisível, mas pelo menos abriu-se uma promissora plataforma de diálogo.

Igualmente bem correram as conversas subsequentes do lado sul-coreano. Lá, por sorte, entrou novamente em cena o presidente Moon Jae-in, que, de forma decisiva, procurara, nos bastidores, nunca deixar se romper a tênue linha de diálogo.

Os três acordaram em desenvolver em breve um modo de trabalho para voltar a avançar as conversas paralisadas e solver as questões controvertidas. A meta anunciada continua sendo a desnuclearização total da Península Coreana, assim como, finalmente, um acordo de paz entre a Coreia do Norte e o lado aliado.

Para que o nível necessário de pressão permaneça e a Coreia do Norte se mostre de fato disposta a negociar, inicialmente serão mantidas em toda sua extensão as rigorosas sanções. Trump pode parecer desastrado, mas ele sabe como acordos funcionam. Ah, sim, ele informou ainda a seu surpreso amigo Kim, caso ele tenha tempo e vontade, que pode também vir a Washington.

A coisa soa muito tranquila: os garotões primeiro se encontram, marcam seu território, e depois de terem se conhecido e apreciado, os probleminhas são resolvidos.

Só que não é tão fácil assim, pois também o visivelmente surpreso Kim estabeleceu sua posição de negociação de forma extremamente habilidosa nos últimos meses. Ele sabe que o presidente da Coreia do Sul está honestamente interessado numa solução de paz, e disposto a fazer-lhe grandes concessões.

Além disso, obteve importante cobertura estratégica, não só do presidente russo, Vladimir Putin, mas sobretudo da potência protetora China. Após ter visitado o presidente Xi Jinping diversas vezes em Pequim, conseguiu de fato que aquele que hoje é o segundo mais importante protagonista da política mundial fizesse uma visita oficial à Coreia do Norte, logo antes da cúpula do G20.

Com essa demonstração de solidariedade, Xi não só concedeu seu apoio ao abalado país comunista, mas simultaneamente instou Trump a retomar o diálogo com Kim. O conflito comercial entre os EUA e a China já cria problemas suficientes a ambos os lados e à economia mundial, não há por que mais ter um conflito na vizinhança.

Por mais que a instabilidade ou imprevisibilidade de Donald Trump tantas vezes tenha deixado o mundo em suspense, no conflito da Coreia seu procedimento anticonvencional alcançou mais em poucos meses do que em todas as décadas anteriores.

Se no fim se chegar a um tratado sustentável que leve a paz a toda a região, então esse tão criticado presidente mereceu reconhecimento internacional, pelo menos por esse feito. Se é para melhorar o mundo, às vezes é preciso justamente trilhar caminhos anticonvencionais. "Não há nada de bom, além daquilo que se faz."

*Deutsche Welle

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