Nobel de Economia analisa: EUA já
usaram todas as suas armas; a China, quase nenhuma. Pequim não quer o conflito
– mas pode, se provocada, humilhar o adversário. Parvo, presidente perde-se em
retórica oca e contradições
Paul Krugman | Outras Palavras | Tradução: Antonio
Martins
Para entender a guerra comercial
em curso entre os Estados Unidos e a China, a primeira coisa a compreender é
que nenhuma das ações de Donald Trump faz sentido. Suas visões sobre comércio
são incoerentes. Suas demandas são incompreensíveis. E ele superestima em muito
sua capacidade de ferir a China, enquanto subestima os danos que Pequim pode
causar, ao reagir.
O segundo ponto a entender é que
a resposta da China foi, até agora, muito modesta e comedida, ao menos
considerando o cenário. Os EUA impuseram ou anunciaram tarifas sobre virtualmente
tudo o que a China vende a eles, com tarifas médias não vistas há uma geração.
Os chineses, em contraste, ainda têm um vasto espectro de ferramentas a seu
dispor, para neutralizar as ações de Trump e ferir sua base eleitoral.
Por que os chineses não o
fizeram? Tenho a impressão de que ainda estão tentando ensinar algo de Economia
a Trump. O que estão dizendo, por meio de ações, é: “Você pensa que pode nos
coagir, mas está enganado. Nós, por outro lado, podemos arruinar seus
agricultores e quebrar seu mercado de ações. Que tal reconsiderar seus atos?”
Não há, contudo, indicação alguma
de que esta mensagem seja compreendida. Ao contrário: sempre que chineses
param, e dão a Trump chance de pensar de novo, ele interpreta o gesto como
agressão e pressiona ainda mais. Este comportamento sugere que, mais cedo ou
mais tarde, os tiros de advertência vão degenerar numa guerra comercial e
cambial aberta.
A incoerência das visões de Trump
é exposta a cada dia, mas um de seus tweets recentes foi a ilustração perfeita. Lembre-se,
Trump não para de se queixar da força do dólar – a qual, ele assegura, coloca
os EUA em desvantagem competitiva. Há cerca de dez dias, ele levou o Departamento
do Tesouro a declarar a China “manipuladora cambial” – algo que era verdadeiro
há sete ou oito anos, mas deixou de sê-lo. No entanto, apenas um dia depois ele
escreveu, de modo triunfante, que “volumes maciços de dinheiro, da China e de
outras partes do mundo, estão pingando nos Estados Unidos” – o que considerou
“bonito de ver”.
O que ocorre quando “volumes
maciços de dinheiro” pingam nos EUA? O dólar se fortalece, exatamente o que
Trump condena. E se montanhas de dinheiro estivessem escorrendo da China, o
yuan estaria despencando, e não sofrendo o declínio trivial (2%) que o
Departamento do Tesouro condenou.
Bem, imagino que Aritmética seja
apenas uma ilusão promovida pelo Estado Profundo.
Mas a China poderá curvar-se a
Trump, apesar da falta de sentido de suas reivindicações? A resposta curta é:
“Que reivindicações”? Trump parece obcecado por superávit comercial da China em
relação aos EUA, um fato que tem múltiplas causas e não está, de fato, sob
controle do governo chinês.
Outros membros de seu governo
parecem preocupados pelo avanço da China em setores de alta tecnolocgia, algo que
pode de fato ameaçar a supremacia norte-americana. Mas a China é uma
superpotência econômica e, ao mesmo tempo, relativamente pobre, em comparação
com os EUA. É grosseiramente irrealista imaginal que um país nestas condições
possa ser coagido a refrear suas ambições tecnológicas.
O que suscita a questão de quanto
poder Washington realmente tem nesta disputa.
Os EUA são, é claro, um grande
mercado para produtos chineses, e a China compra relativamente poucos produtos
norte-americanos, em contrapartida. Por isso, o efeito adverso direto de uma
guerra tarifária é maior para os chineses. Mas é importante ter noção da
escala. A China, ao contrário do Mexico, não vende 80% de seus exportações para os EUA. A
economia chinesa é menos dependente do comércio que nações menores. Menos de um quinto de suas exportações dirige-se aos
Estados Unidos.
Por isso, embora as tarifas de
Trump possam certamente ferir os chineses, Pequim está muito bem guarnecida
para conter os efeitos. A China pode elevar o consumo interno com estímulos
fiscais e monetários; e pode turbinar suas exportações, tanto para os EUA
quanto para o resto do mundo, deixando o yuan cair.
Ao mesmo tempo, a China pode
infligir sofrimento. Pode comprar soja em outros países, atingindo os
agricultores norte-americanos. E como vimos semana passada, mesmo um
enfraquecimento simbólico do yuan pode fazer as ações de empresas
norte-americanas desabarem.
E a capacidade dos EUA de conter
estes movimentos está limitada por uma combinação de fatores técnicos e
políticos. O banco central (FED) pode cortar as taxas de juros – mas não muito,
pois já estão muito baixas. Washington poderia promover um estímulo fiscal, mas
Trump – que impôs um corte de impostos plutocrático em 2017 – teria de fazer
concessões reais aos democratas, algo a que ele provavelmente se recusa.
Que tal uma resposta
internacional coordenada? É improvável, tanto porque não está claro o que Trump
quer da China quanto porque sua beligerância geral (para não falar de seu
racismo) deixou os EUA quase sem aliados nas disputas globais.
Significa que Trump está em
posição muito mais frágil do que imagina. Meu palpite é que a
mini-desvalorização do yuan foi uma tentativa de educá-lo para esta realidade.
Mas duvido muito de que ele tenha apredido algo. Seu governo tem insistido em
afastar todos os integrantes que entendem algo de Economia, e relatos indicam que o presidente já não ouve sequer o bando de
ignorantes que manteve.
Por tudo isso, a disputa
comercial provavelmente vai tornar-se muito pior para os EUA, antes de
arrefecer.
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