Pedro Ivo Carvalho
| Jornal de Notícias | opinião
Vagarosamente, o território
continua a espreguiçar-se para o litoral. Vão as pessoas, os empregos, a
economia, o progresso e as oportunidades. E vai também a democracia. As
decisões. O novo mapa eleitoral mostra-nos que, nas eleições legislativas de 6
de outubro, quase metade (40%) dos deputados escolhidos pelos portugueses
representarão os círculos de Lisboa e do Porto. O primeiro passa de 47 para 48
mandatos; o segundo ascende aos 40, mais um do que nas legislativas de 2015.
Conclusão: nos dois maiores núcleos urbanos está um terço da força do voto.
Ora, se quisermos ensaiar uma
extrapolação arriscada, mas não impossível, podemos afirmar que bastaria a um
partido ser esmagador no Porto, em Lisboa, Aveiro (16 mandatos) e Braga (19
mandatos) para atingir os 123 deputados, o que chega e sobra para uma maioria
absoluta. Se somarmos a estes os mandatos de Setúbal (18), ficamos com cinco
círculos eleitorais a decidir as orientações políticas de um universo de 22.
A fatura desta descompensação
demográfica é paga pelos do costume: os cidadãos do interior. Guarda e Viseu
perdem um deputado, mas o decréscimo no número de eleitores também se verifica
noutros 12 distritos. Santarém e Viana do Castelo estão entre os recuos mais
expressivos, a par de Coimbra e Castelo Branco.
Mais do que lamentar a constância
deste desequilíbrio territorial, traduzido em múltiplas dimensões já
conhecidas, importa relevar o perigo que isto representa para a saúde da
democracia participativa. Do risco de esta distorção eleitoral acabar espelhada
na agenda dos partidos. Da enorme perversão que é termos um sistema que
prejudica duplamente os que mais precisam de ser ouvidos. O país que manda está
no litoral, no mesmo litoral onde vive quem escolhe quem deve mandar. O debate
da descentralização também devia passar por aqui. Infelizmente, não passou.
*Diretor-adjunto
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