A greve que ninguém desejava -
nem mesmo os sindicatos que a convocaram - vai mesmo acontecer. Por causa dos
aumentos salariais? Sim e não. A paralisação que está a deixar os portugueses à
beira de um ataque de nervos, e que ameaça seriamente a economia portuguesa,
não se prende apenas com rendimentos. Os que afasta os motoristas das empresas
de transportes para quem trabalham vai muito para além disso. É o próprio
vice-presidente do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas
(SNMMP), Pedro Pardal Henriques que o assume: "Há muito mais do que o
salário em causa. Há os direitos dos trabalhadores, a não-valorização salarial
durante 20 anos. Não é só o salário-base e a greve. Há que perguntar
porque é que se chegou aqui."
Foi exatamente essa a pergunta
que a TSF colocou para expor os fatores e as reivindicações que estão por
detrás desta greve.
1. Serem aumentados nos próximos
dois anos
A motivação mais óbvia desta
greve anunciada pelos motoristas são os salários. Os sindicatos exigem um
acordo para aumentos graduais no salário-base até 2022: 700 euros em
janeiro de 2020, 800 euros em janeiro de 2021 e 900 euros em janeiro de 2022, o
que com os prémios suplementares que estão indexados ao salário-base, daria
1.400 euros em janeiro de 2020, 1.550 euros em janeiro de 2021 e 1.715 euros em
janeiro de 2022. O aumento relativo ao próximo ano foi negociado e fechado nos
70 euros, no que diz respeito ao salário-base (dos 630 passou para os 700
euros), mais prémios, de 55 euros. A estes 125 euros, soma-se um novo subsídio
de operações para os motoristas de matérias perigosas de outros 125 euros.
A nova remuneração (que acresce
250 euros à tabela anterior) decorre da greve de abril, mas, embalados no
espírito que a liberdade desse mês trouxe aos motoristas de matérias perigosas,
abril passou a ser um agosto de exigências para os dois (não mais) anos
subsequentes.
Esta aprovação viria pôr fim, de
acordo com Pardal Henriques, a "duas décadas de não-valorização
salarial".
2. Um novo contrato coletivo de
trabalho
Mas há mais "vida"
nesta greve dos motoristas para além dos salários. O Sindicato Nacional de
Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) reivindica um novo contrato
coletivo de trabalho com um prazo mais estendido. A ideia é passar dos dois
anos para os seis, em que já vigorem novas alterações das condições laborais e
em que, como já referido, "sejam estipulados 'a priori' aumentos de 50
euros de ano para ano a partir de 2021".
A proposta - adiantou Pardal
Henriques - vai mais além: aumentar o salário base dos motoristas para mil
euros até 2025, com indexação ao crescimento do salário mínimo nacional, o que
permitiria "um prazo mais dilatado, para que as empresas possam cumprir
com aquilo que ficar estabelecido no CCT e para que haja a paz social que o
país necessita".
3. Um protesto que também é
contra a União Europeia
A esta greve dos motoristas, ninguém
escapa. Nem patrões, nem governo, nem a política europeia. Na lista de
reivindicações está também a legislação pré-aprovada no Conselho Europeu em
matéria de tempos de trabalho e descanso semanal, com uma limitação de
horas e o seu pagamento integral. De acordo com o Sindicato de Motoristas de
Matérias Perigosas, estes profissionais trabalham entre 15 e 18 horas por dia
e, a esta altura, já esgotaram as 200 horas suplementares do ano.
O próprio Marcelo Rebelo de
Sousa, no lugar do pendura a bordo de um veículo de pesados, em
janeiro , reconhecia que esta atividade profissional era "de
desgaste rápido", depois de ouvir as queixas da classe.
A vontade dos motoristas em
voltar a parar o país já germinava, quando o Presidente da República apanhou
boleia com eles, numa tentativa de apaziguar os ânimos. E um dos motivos tinha,
já na altura, a ver com a controversa questão das cargas e descargas.
Os motoristas entendem que este é
um aspeto que carece de regulação, que deveria ser garantido e que, de certa
forma, até já está previsto no contrato coletivo de trabalho. Mas o sindicato
lembra que "sobre o motorista não recai qualquer dever de fazer operações
de cargas e descargas de mercadorias, com exceção das situações excecionadas na
contratação coletiva", pode ler-se no documento disponibilizado
publicamente. São precisamente estas situações extraordinárias que os
motoristas pretendem ver esclarecidas, com clarificação absoluta da
não-obrigatoriedade de realizar estas tarefas.
5. Seguros e exames médicos
Outra das reivindicações que está
em cima da mesa prende-se com o aumento do valor dos seguros e com a
exigência de exames médicos suportados pelo patronato, bem como o valor das ajudas
de custo.
Para os motoristas de
matérias perigosas, a especificidade do exercício da sua atividade requer uma formação
especial com certificação ADR para movimentar estas substâncias, mas a
categoria profissional a que estão alocados é a de "motoristas de
pesados".
Fora da mesa de negociações, pelo
menos para já, está o limite da idade ativa. A idade máxima desta profissão
"de desgaste rápido" voltou a fixar-se, em maio de 2018, nos 65 anos (baliza
que estava prevista antes do decreto-lei n.º 40/2016 de 29 de julho, que
estabelecia os 67 como a linha final para esta ocupação).
O que também não consta do
caderno de reivindicações, mas começou a ser considerado pela ANTRAM como um
dos motivos ocultos desta luta, é a possível agenda política de Pardal
Henriques, presumível, mas ainda não confirmado pelo próprio, candidato
pelo Partido Democrático Republicano (PDR) às eleições legislativas. O
advogado e vice-presidente do SNNMP foi associado às listas do PDR, primeiramente pelo Diário de Notícias, que avançava ainda,
nesta investigação , a ligação de Pardal Henriques à mais antiga e
influente obediência maçónica portuguesa, o Grande Oriente Lusitano.
Catarina Maldonado Vasconcelos | TSF
Nota PG: Sobre o convite de Marinho e
Pinto (PDR) para Pardal Henriques aceitar eventual agenda político-partidária
concorrendo às muito próximas eleições legislativas como cabeça de lista
daquele partido sugerimos que leia o título publicado no PG há dois dias:
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