Não basta a um Estado ter uma
bandeira flutuando em Nova Iorque em frente ao palácio de vidro das Nações
Unidas. É preciso haver terra livre onde o povo que nela habite seja senhor de
todas as capacidades.
José Goulão | AbrilAbril | opinião
Três fundamentalismos
político-religiosos continuam a modelar um novo Médio Oriente, perante a complacência
do mundo, a inércia da ONU e a cumplicidade activa da União Europeia. A partir
do eixo Washington-Telavive-Riade, os fundamentalismos cristão anglo-saxónico,
sionista e islâmico tratam de eliminar os obstáculos à sua afirmação plena na
região, seja na Síria, no Iraque, na Palestina. Percebendo-se assim por que o
Irão está debaixo de fogo.
Em plena campanha eleitoral, o
primeiro-ministro de Israel dispara em todas as direcções: investidas aéreas
contra a Síria e o Iraque, chegando a atingir objectivos a mil quilómetros de
distância, incursões de drones no Líbano, bombardeamentos contra Gaza.
Entretanto, os Emirados Árabes
Unidos compram equipamentos de espionagem a um homem de negócios israelita e
colonos sionistas são vistos em Jerusalém, junto ao Muro das Lamentações,
agitando com emoção bandeiras da Arábia Saudita. A convergência regional entre
os fundamentalismos sionista e islâmico instaura uma nova relação de forças no
Médio Oriente em que as principais vítimas são os palestinianos e os seus direitos
nacionais.
As operações de guerra de Israel
contra vários países árabes, tendo sempre como pano de fundo a pressão latente
contra o Irão, não suscitam quaisquer reacções significativas da Liga Árabe e
da Organização da Conferência Islâmica. Deduz-se, sem dificuldade, que as
elites árabes endinheiradas, a começar pelas petromonarquia, já escolheram o
seu campo e situam-se ao lado de Israel contra os palestinianos e os países
árabes que se opõem à arbitrariedade israelita – sustentada pelos Estados
Unidos e com a conivência da União Europeia.
Ainda assim, não deixa de ser
surpreendente que «jornalistas» ao serviço das ditaduras monárquicas do
Golfo, sobretudo da Arábia Saudita, sejam recebidos com grandes demonstrações
de amizade e hospitalidade por sectores governamentais israelitas; e que um
deles, um blogueiro oficial de Riade, tenha escrito que os lugares santos islâmicos
de Jerusalém, entre eles a Mesquita Al-Aqsa, ficariam muito bem sob a
administração de Israel.
Que não haja dúvidas quanto ao
teor oficial de uma declaração deste tipo, sabendo-se o que pode acontecer a
jornalistas e blogueiros não oficiais nestes tempos em que pontifica o príncipe
herdeiro saudita Mohammed bin Salman, aliás amigo dilecto de Benjamin
Netanyahu, o chefe de governo de Israel.
Islamismo sob pressão
fundamentalista
As nações islâmicas seguem na
mesma direcção da inércia cúmplice perante a virulência de Israel contra países
árabes. Podem encontrar-se múltiplas razões para este conformismo, entre elas o
cuidado em não incomodar os Estados Unidos, sobretudo por razões que para esses
governos não valerão a pena, designadamente uma causa que muitos dizem «em
extinção» como a palestiniana.
Não esqueçamos ainda que muitos
governos de nações islâmicas vivem sob pressão dos radicalismos religiosos
internos, tendo estes, como está abundantemente provado, ligações com
estruturas de poder norte-americanas, israelitas e da NATO. Para quem ainda
seja céptico quanto à realidade destas cumplicidades recomenda-se o
aprofundamento do conhecimento de circunstâncias que envolveram a mudança de
regime na Líbia e a tentativa de alcançar o mesmo objectivo ainda em curso na
Síria.
Sobre estas alterações de
relações de forças no Médio Oriente, as Nações Unidas e o seu secretário-geral
nada dizem e muito menos fazem. Dirá o Eng. Guterres, como já se tem ouvido,
que nada do que está em curso na região incumpre o cenário estabelecido pela
ONU, ao longo de décadas, para que se respeitem os direitos de todas as
populações da região.
Quando um dia os factos que se
vão consumando, seja a anexação dos territórios palestinianos que Israel
continua a realizar, seja um qualquer «acordo do século» que instaure uma
nova ordem pretensamente negociada à revelia do direito internacional, talvez o
secretário-geral da ONU – este ou outro – continue a dizer que nada se alterou
formalmente. E assim se fará história.
Cilindrar os palestinianos
O facto mais importante a notar
nesta situação – e dele decorrem todos os outros – continua a ser a questão
palestiniana.
Os direitos inalienáveis do povo
palestiniano, sobretudo a um Estado nacional viável com capacidade para
desempenhar todas as atribuições inerentes, desapareceram dos discursos dos
políticos mundiais e das perorações dos media mainstream.
Mesmo os que invocam,
burocraticamente, o conceito de dois Estados sabem que pelo caminho actual das
coisas não há qualquer maneira de lá chegar. Todos os dias a colonização
israelita engole mais um pedaço da Cisjordânia, território indispensável para
que nele seja instaurado um segundo Estado na Palestina, o Estado Palestiniano.
Não basta a um Estado ter uma
bandeira flutuando em Nova Iorque em frente ao palácio de vidro das Nações
Unidas. É preciso haver terra livre onde o povo que nela habite seja senhor de
todas as capacidades para decidir sobre os seus direitos e interesses. Essa
terra, porém, é todos os dias mais exígua, murada e cercada, minada por
colonatos onde pontificam arruaceiros sionistas cada vez mais irmanados com os
émulos fundamentalistas islâmicos.
Não existem já condições para
criar um Estado viável; e, por isso, surgem os «acordos do século», idealizados
por três fundamentalismos – o cristão norte-americano, o sionista e o islâmico
das petromonarquias – para encontrarem a solução possível e milagrosa que
estabeleça uma situação compatível com as novas condições existentes e onde não
cabe qualquer entidade que seja «palestiniana».
O mundo assiste, impávido, ao
extermínio de um povo, porque é isso que está a acontecer aos palestinianos.
Dir-se-á, como faz o Eng. Guterres, que nada disto está consumado. Sejamos
realistas: existe uma relação de forças no Médio Oriente e no mundo capaz de
reverter a colonização israelita, de proporcionar a união da Cisjordânia à
Faixa de Gaza num Estado livre e viável?
A ficção da «unidade árabe»
Os factos caminham violentamente
em sentido contrário. Os fundamentalismos sionista e islâmico, partes
inalienáveis do «mundo civilizado», unem-se sob o patrocínio do fundamentalismo
cristão evangélico anglo-saxónico para impedir que se cumpra o direito
internacional, também no Médio Oriente.
As tentativas de destruição da
Síria e do Iraque são estratégias paralelas ao extermínio da causa palestiniana
e ao enterro definitivo da grande ficção que sempre foi a chamada «unidade
árabe». Convergem no objectivo de eliminar os obstáculos à afirmação de Israel
como potência plenamente inserida no Médio Oriente, gerindo a região de braço
dado com as ditaduras terroristas do Golfo comandadas pela Arábia Saudita.
Há desafinações, é certo, na
componente árabe. Os Emirados Árabes Unidos desentenderam-se agora com a Arábia
Saudita devido ao choque de interesses no Iémen; e o Qatar e Riade continuam de
costas voltadas.
Significativamente, estas
desavenças envolvem os tipos de relações que cada um cultiva com o Irão:
ruptura no caso saudita, alguns interesses partilhados nos casos do Qatar e dos
Emirados.
Não surpreende, por consequência,
que o grande eixo fundamentalista Washington-Telavive-Riade tenha colocado o
Irão sob mira. É um dos grandes obstáculos a abater para que a sua estratégia
vingue plenamente. Sendo importante notar que o comportamento da União
Europeia traduz, em última análise, um alinhamento cúmplice com os objectivos
do eixo.
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