Três estados da antiga Alemanha
Oriental vão às urnas e podem dar vitórias históricas à AfD, partido que abriga
políticos com ideias racistas e extremistas. O que explica essa inclinação
populista na região?
Sem o movimento por direitos
civis da antiga República Democrática Alemã (RDA), a Alemanha seria bem
diferente hoje em dia. Há 30 anos, dezenas de milhares de ativistas
contribuíram para a queda do Muro de Berlim e para a reunificação de um país
que esteve dividido por décadas. Cidadãos da antiga Alemanha Oriental foram às
ruas por mais liberdade e direitos humanos. Agora, às vésperas de eleições em
três estados do Leste, os slogans dessa época foram apropriados por outro
grupo.
Populistas de direita da Alternativa
para a Alemanha (AfD) fazem campanha com frases populares da revolução
pacífica que resultou no fim da RDA, como "O Leste levanta" ou
"Torne-se defensor dos direitos civis". Alemães vão às urnas para
eleições parlamentares regionais nos estados da Saxônia e de
Brandemburgo neste domingo (01/09), e na Turíngia no final de
outubro.
Os slogans escolhidos pela AfD
fazem referência aos anos pós-reunificação, que para muitos cidadãos da antiga
Alemanha comunista foram marcados por frustação, decepção e promessas não
cumpridas.
Em seu site, a AfD compara a
atual Alemanha com a antiga RDA. "Quem hoje pensa diferente é tão oprimido
quanto se era pela Stasi", diz o texto. O serviço secreto da Alemanha
Oriental espionou opositores, intimidou dissidentes e violou massivamente os
direitos civis.
"É como estar na RDA
novamente", disse Björn Höcke, líder da ala de extrema direita do partido,
que nunca viveu no Leste durante o período comunista. Höcke comanda a AfD na
Turíngia e vem da Alemanha Ocidental. Mesmo assim, acha que pode dizer
que "não fizemos a revolução pacífica para isso, queridos
amigos".
Apesar de a Alemanha ser um
Estado democrático de direito, essas declarações alcançam algumas pessoas.
Nos três estados do Leste alemão, pesquisas indicam que os populistas de
direita podem conquistar a maioria dos votos nas eleições regionais, mesmo com
políticos da legenda expondo abertamente ideias de extrema direita e fazendo
frequentemente comentários racistas.
Segundo pesquisa
Emnid divulgada em meados de agosto, 24% dos eleitores do Leste alemão
votariam na AfD em pleitos nacionais. Nos antigos estados da Alemanha
Ocidental, esse apoio cai para 12%.
Sentimento de decepção
"Muitas pessoas da antiga
RDA estão desapontadas, se sentem incompreendidas e invisíveis para
a maioria da sociedade no oeste", afirma a socióloga Judith Enders.
Isso se deve ao fato de que os alemães do Leste correspondem a apenas 17% da
população do país. Mais importante é, no entanto, sua falta de representação na
sociedade alemã como um todo, acrescenta a especialista.
Alemães do Leste ocupam apenas
1,7% de todos os cargos de alto escalão na economia, política e administração
do país. Depois da reunificação, a elite socialista da RDA foi substituída por
alemães ocidentais. Segundo Enders, esse modelo de elite continua se
reproduzindo até hoje, depois de 30 anos.
A socióloga, que nasceu e cresceu
no Leste, fundou uma iniciativa para mudar a forma de pensar sobre o
termo "leste", transformando-o num conceito mais autoconfiante e
ofensivo. Mas nem todos antigos cidadãos da RDA conseguem isso. "Alguns se
afastam", conta Enders. Após 30 anos da reunificação, muitos ainda sentem
como uma ofensa coletiva.
De acordo com estatísticas,
alemães do Leste ganham relativamente menos do que os ocidentais. Além disso,
desde a queda do Muro, centenas de milhares, principalmente jovens, deixaram os
estados da antiga RDA. Os que permaneceram enfrentaram o colapso da economia da
Alemanha Oriental e elevadas taxas de desemprego. Em média, a taxa de
desemprego no Leste é de 6,6% atualmente, enquanto no oeste é de 4,7%.
ontudo, as consequências da
reunificação não explicam sozinhas o sucesso eleitoral dos populistas de
direita. Um estudo da Universidade de Leipzig mostrou que, no Leste, quase um
em cada dois entrevistados tem certas reservas contra estrangeiros e minorias.
Em toda a Alemanha, essa posição é compartilhada por uma em cada três pessoas.
Nos últimos anos, frequentemente
o "Leste" estampou jornais com manchetes negativas, seja pelo
movimento xenófobo Pegida (sigla em alemão para "Patriotas europeus contra
a islamização do Ocidente"), por ataques a imigrantes ou pela onda de atos
violentos da extrema direita em Chemnitz.
Contra a ideia do Leste como
refúgio da direita
Muitos cidadãos da RDA se opõem à
percepção do Leste como um refúgio da direita. As iniciativas "Quando, se
não agora" e "Partida para o Leste" lutam contra o racismo e
também buscam debater como os alemães do Leste foram percebidos durante e
depois da RDA. Sob o lema "Verão da solidariedade", foram organizados
nos antigos estados orientais concertos, leituras e painéis de discussão.
Em 24 de agosto, as duas
iniciativas promoveram em Dresden a passeata #Unteilbar (Indivisível), por mais
solidariedade e menos exclusão. "Nós exigimos uma clara delimitação frente
ao racismo", afirmou a porta-voz do coletivo #Unteilbar, Ana-Cara
Methmann.
Ela mora em Leipzig, na Saxônia,
cidade onde o Partido Verde conquistou em maio a maioria nas eleições
europeias, com 20,2%. A AfD recebeu 15,5%, o pior resultado do estado.
A Alemanha não está dividida
apenas entre Leste e Oeste, mas também entre cidade e campo.
Muitas vezes são questões
práticas que causam a ruptura no cotidiano das pessoas. Um ônibus que passa
apenas duas vezes por dia, uma estação de trem que fica a 20 quilômetros.
Methmann, que dá palestras em toda a Saxônia sobre discriminação, por
exemplo, vivenciou essa situação. Segundo ela, os conservadores da
CDU, que governam o estado há décadas, contribuíram para o avanço da AfD na
região.
"As verbas para trabalho com
os jovens foram reduzidas e muitos centros para jovens, fechados", afirma
a porta-voz do #Unteilbar. Para ela, o melhor meio para conter o avanço da
extrema direita é criando oportunidades para pessoas participarem ativamente da
vida social e fortalecendo tanto indivíduos quanto iniciativas democráticas.
Marina Strauß (cn) | Deutsche
Welle
Na foto: Candidato da AfD ao governo de
Brandemburgo, Andreas Kalbitz, em evento de campanha
Sem comentários:
Enviar um comentário