Tal como na Educação e na Saúde,
tem de haver um serviço público de habitação
Joana Mortágua | jornal
i | opinião
Saiu ontem uma notícia que dava
conta que os preços das casas em Portugal subiram 15% em apenas um ano. Não há
grande novidade em saber que a habitação está mais cara, desde há alguns anos a
variação homóloga de preços nunca fica abaixo dos dois dígitos tendo atingido o
máximo em 2018 com uma subida de 18%.
Mas a notícia dava nota de um
dado interessante. Ao contrário do anunciado abrandamento do mercado
imobiliário, há ainda quase cem mil novos fogos em pipeline a garantir a
“dinamização” do mercado imobiliário. Ou seja, apesar do preço da habitação ter
aumentado 40% dos últimos anos, ainda há lucros suficientes para justificar o
aumento da oferta.
Há muitas formas de ler estes
dados, a minha proposta é relacioná-los com o que está a acontecer em Almada. É
uma leitura intuitiva, baseada em dados mas sustentada sobretudo na experiência
autárquica de dois anos vereação. Mas antes de lá chegar é útil fazer um breve
retrato.
Em Almada há 800 famílias a viver
em barracas. Há 8000 pessoas à espera de realojamento a viver em condições
inaceitáveis. Há 62 bairros degradados. O PER dos anos 90 nunca chegou a ser
concluído e partir daí nada melhorou. Os vinte seis bairros de habitação
municipal precisam todos, sem exceção, de intervenções, 16% são urgentes para a
vida dos seus habitantes. São 2000 fogos do município e outros tantos do IHRU
que nunca tiveram reabilitação a sério.
O diagnóstico é claro: falhanço
dos poderes públicos municipais e nacionais. Mas, apesar disso, Almada tinha um
mercado de habitação relativamente barato quando comparado a Lisboa.
A fuga de Lisboa, a pressão
turística que alastra do centro para as periferias e a promessa de reabilitação
das zonas ribeirinhas da margem sul inverteu este quadro. Desde 2014, os preços
têm subido 20% ao ano. Almada é o sexto município com renda mais elevada e o
movimento ascendente não dá sinais de alívio.
As periferias chegaram atrasadas,
mas pertencem a estes municípios muitos dos novos fogos que vão alimentar o
ávido mercado imobiliário nos próximos anos. O fenómeno das rendas de 300
euros, já extinto em Lisboa, está a começar a escassear. Com o aumento das
rendas, os fundos imobiliários e a turistifcação, as famílias vão seguir o
caminho determinado pela lei de Assunção Cristas que é o olho da rua. A
gentrificação vai agravar a guetização dos bairros embaratecidos pela presença
de habitação social.
O IRHU anunciou um milhar de
novos fogos para 2023 mas isso não descansa quem precisa de casa agora. A crise
de habitação em Almada vai piorar se as famílias que até agora podiam aceder ao
mercado de arrendamento deixarem de o conseguir fazer. Porque é que isto é
intuitivo? Porque dia após dia conheço mais casos de gente a viver na rua ou em
carros com crianças pequenas. Esta semana ficou conhecido em Almada o caso de
uma casal de idosos que, perante um despejo, mora agora na rua junto à mobília
que cobriu com um plástico para não a perder também.
Poucas coisas na vida me tiraram
o sono como a imagem de uma mãe e uma filha a dormirem em cima de cobertores no
chão de uma casa sem eletricidade e cheia de baratas.
A construção do Estado Social em
Portugal foi muito eficaz no combate à miséria e à indignidade da pobreza
enquanto sub-humanidade, ausência de direitos humanos. Em poucas décadas
transformamos uma população frágil e analfabeta numa sociedade com elevada
esperança média de vida e bons níveis educacionais. Aprendemos a reconhecer que
ao direito à saúde corresponde o SNS e ao direito à educação a Escola Pública.
Mas em algum momento do caminho perdemos a bússola do direito à habitação.
Um serviço público de habitação é
a única forma de responder a este primeiro direito. Até os liberais entendem
que a tese da meritocracia é lixo quando uma criança não tem luz elétrica para
estudar. E todos compreendemos que não há SNS que trate as consequências de uma
vida numa casa com humidade, fungos e frio.
Tal como na educação e na saúde,
o investimento público tem de ser a primeira resposta. Por isso é que o Bloco é
tão energético nas suas propostas sobre habitação: 100 mil casas para arrendar
entre 150 e 500 euros; 50 mil casas para realojamentos; controlar os aumentos
das rendas, limitar o alojamento local e tributar a especulação imobiliária.
Por estes dias parece que voltou
a ser moda andar com a crise na boca. Essas referências podem ser mais ou menos
exageradas, até porque as crises financeiras anunciadas são geralmente usadas
para fazer o tráfico da austeridade (como se não houvesse outra forma de lidar
com elas). Enquanto isso há outras crises reais, atuais, emergências que
precisam de atenção orçamental.
É isso que o Bloco de Esquerda
propõe, um programa que prefere responder às crises sociais em vez de
interromper o caminho de recuperação do país em nome do fantasma das crises
financeiras futuras. Robustecer o país social e economicamente. Com tudo o que
aprendemos nos últimos 8 anos, está por provar que haja ideia melhor.
*Deputada do Bloco de Esquerda
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