Miguel Guedes | Jornal
de Notícias | opinião
Foi preciso um frente a frente
reunindo Costa e Rio à volta de meia dúzia de assuntos, num debate
caracterizado pela ausência de ideias sobre o SNS.
Quando o PS parecia caminhar
sólido rumo à maioria absoluta, o que permitiu uma inversão de percepção tão
súbita, agora que estamos a três dias do início da recta final dos 15 dias de
campanha? A ideia de que estas eleições legislativas são mais antecipáveis de
que fava em bolo-rei, sofreu um significativo revés. Agora, não se antecipa
somente se o PS terá ou não maioria absoluta. Agora debate-se, novamente, se
Rui Rio pode afinal ter futuro na liderança do PSD num cenário pós-eleições.
Foi António Costa que permitiu que tal sucedesse, foi ele que reabriu um
dossier que estava morto e enterrado, ressuscitando a dúvida.
Há uma razão evidente que levou
António Costa a não vencer o debate com Rui Rio, como seria expectável: o
primeiro-ministro teve medo da soberba. Quando as sondagens colocam o PS
próximo da maioria absoluta, a intenção é não forçar a barra, não arriscar o
passo em falso, não colocar o eleitorado entre a espada e a parede, não
demonstrar arrogância. Um conjunto de nãos. Falsos. Como se o PS não quisesse
verdadeiramente a maioria absoluta, como se lhe fosse quase indiferente, como
se não fosse aquilo que o seu aparelho mais espera e anseia na expectativa da
redistribuição. Fazer de morto, matando o instinto. Evitar a soberba. Sinalizar
alguma afabilidade e a condescendência como trunfos. António Costa quis fazer
pleno para bingo e nem saiu da linha. Foi certinho. Traiu-se. Assistimos,
assim, a um político atípico, anulando o seu "killer instinct", a
olhar-se ao espelho sem saber qual o melhor reflexo, sem querer arrasar um Rio
a quem bastou ser Rio. Sabe-se agora, Rio é muito bom sem oposição. Ou como
candidato presidenciável à imagem de Cavaco.
Outra das razões prende-se com a
convicção de Costa de que, em oposição, Rui Rio será sempre um adversário mais
simples ou um melhor aliado. Também aí, convém não mexer. Na ausência de
maioria absoluta, Costa tem dois sonhos: que a dimensão do PAN lhe chegue para
dar a mão ou que Rui Rio se mantenha como líder do PSD. Não será por acaso que
o primeiro-ministro resolveu enjaular e dar férias ao seu animal político após
disparar continuamente farpas sobre o BE. António Costa vê no BE o seu maior
adversário e há muito que não o esconde. Mesmo durante a legislatura, foi o
sentido de responsabilidade de BE e PCP que salvou a "geringonça",
mantendo-a como solução governativa.
António Costa aborda a fasquia da
maioria absoluta com a aproximação do saltador em altura que tem medo de tombar
a barra com um salto exuberante. Enquanto Rui Rio dificilmente disfarça a perseguição
a jornalistas e ao Ministério Público em nome do segredo de justiça e Gonçalo
da Câmara Pereira, líder do PPM, considera que Portugal está a caminho da
revolução bolchevique, o país só espera que António Costa também se revele na
autenticidade. Nenhum eleitor quer ver António Costa a especular com os votos
como especulou com os consensos da legislatura.
*Músico e jurista
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
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