segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Portugal | A "geringonça" salvou a Segurança Social?


Pedro Tadeu | Diário de Notícias | opinião

O PSD e o CDS propunham no programa eleitoral conjunto para as eleições de 2015 a seguinte modificação na Segurança Social: "Introdução, para as gerações mais novas, de um limite superior para efeitos de contribuição, que em contrapartida também determinará um valor máximo para a futura pensão. Dentro desse limite, a contribuição deve obrigatoriamente destinar-se ao sistema público e, a partir desse limite, garantir a liberdade de escolha entre o sistema público e sistemas mutualistas ou privados."

Esta proposta foi muito criticada por PCP e Bloco de Esquerda e, mais moderadamente, pelo PS, por significar uma quebra do financiamento do sistema.

A ideia do PSD e do CDS agravaria ainda mais as dificuldades financeiras da Segurança Social e abriria caminho para um reforço de um negócio de milhares de milhões de euros às seguradoras privadas.

Esta opção de dar aos privados uma fatia crucial do sistema de segurança social era, aliás, explicita: o programa do PAF também dizia que queria "a conclusão da convergência dos sistemas de pensões público e privado, prosseguindo o esforço que tem sido desenvolvido há mais de uma década", lembrando, na última frase, que o processo de privatização do sistema envolvera os governos do PS.


Deve contar milhares o número de artigos de opinião e de intervenções na rádio e na TV de comentadores, jornalistas e supostos especialistas que ao longo dos últimos 15/20 anos andaram a defender medidas idênticas.

Devem ser dezenas os estudos que foram ao longo desse tempo apresentados, a tentar defender a inevitabilidade de transferir para os privados uma parte das contribuições dos trabalhadores, como alternativa a uma suposta falência da Segurança Social do Estado.

É incrível como todos esses influenciadores foram sempre omissos sobre um facto claro e simples: os privados nunca darão garantias de segurança equivalentes às de um Estado (mesmo se em dificuldades financeiras) sobre o pagamento, ao fim de mais de 40 anos, das pensões que os trabalhadores/clientes contrataram no início do processo.

É também incrível como se inculcou na mentalidade dos mais jovens a falsa ideia da inutilidade dos descontos para a Segurança Social por, supostamente, ser quase certo que, daqui a uns anos, ninguém receberá reformas.
Mas alguma coisa mudou...

No primeiro debate com seis partidos promovido pelas rádios, no âmbito das legislativas deste ano, ouvi, surpreendido, PSD e CDS a abandonarem a ideia de haver limites para a contribuição para a Segurança Social pública.

Mais moderados, ambos os partidos de direita propõem, pelo contrário, aumentar o financiamento da Segurança Social.

O PSD propõe uma taxa às empresas sobre o Valor Acrescentado Líquido. Esta é uma sugestão quase igual - na altura era sobre o Valor Acrescentado Bruto - à que o PCP apresentou na Assembleia da República há cerca de 19 anos, através do deputado Lino de Carvalho, e que consta também no seu programa atual.

CDS recusa cobrar dinheiro às empresas mas pede mais esforço aos trabalhadores através de um Suplemento para a Reforma cujo dinheiro, no entanto, poderá ir, por opção do beneficiário, cair no negócio das seguradoras privadas.

Bloco tem uma medida semelhante à do PCP e PSD no seu programa eleitoral e o PS, mais vago, admite obter novas receitas fiscais, fora das atuais contribuições sociais, para assegurar a viabilidade do sistema.

Tanto os partidos de direita como o PS ainda propõem medidas para estimular poupanças para a reforma no setor privado, mas ninguém avança com qualquer tipo de medida que implique diminuir as receitas da Segurança Social.

E o único partido que pretende cortar o valor das pensões pagas - mas apenas nos escalões mais altos - é o PAN.

Outra grande novidade é que, pela primeira vez, há uma esmagadora maioria (excluem-se CDS e PAN) a defender que a Segurança Social não deva ser financiada apenas com os pagamentos dos trabalhadores e das empresas através da Taxa Social Única.

O discurso dominante, agora, é que as fontes de receita da Segurança Social devem ser diversificadas - uma solução tão óbvia para resolver o problema que, ou é confrangedor, ou é suspeito ter sido a emergência da robotização e o medo da queda demográfica que leva, finalmente, a haver tão larga maioria a aceitar esta velha proposta.

A nova abordagem ao problema da Segurança Social que PSD e, na medida da recusa da degradação do sistema público, CDS fazem nesta legislativas é uma vitória significativa - provavelmente estrutural - da participação na solução governativa do PCP e do Bloco de Esquerda - o PS teve sempre um setor relevante dentro das suas direções que defendeu propostas semelhantes às da direita.

Os dois partidos de esquerda, no essencial, acabam por ver incorporados nos programas dos adversários um tipo de abordagem ao financiamento da Segurança Social que se aproxima muito mais das suas ideias do que das soluções ditas "inevitáveis", massivamente advogadas, durante décadas, por PSD e CDS, mais ou menos admitidas pelo PS, inscritas no programa do PAF, e ainda dominantes no discurso mediático há apenas seis ou sete meses atrás.

É uma grande vitória da "geringonça", sim, mas as seguradoras, certamente, ainda não desistiram.

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