terça-feira, 10 de setembro de 2019

Portugal | PS e PSD querem circo


Paulo Baldaia* | Jornal de Notícias | opinião

A ideia que o PSD tem inscrita no programa eleitoral de um "Erasmus do Interior" e que o PS acha tão fantástica que resolveu trazer para a campanha é quase ofensiva para todas as pessoas que ainda habitam esse território.

Na verdade, esse Erasmus que iria desviar estudantes portugueses para Vila Real, Viseu e Castelo Branco seria muito bom para os jovens que vieram de Vila Real, Viseu e Castelo Branco para Lisboa, Porto e Coimbra, onde continua a estar a principal oferta universitária. Para esses estudantes seria fantástico, porque sempre conseguiriam poupar seis meses de renda de casa e restantes despesas.

Digo que a ideia é quase ofensiva porque o que resulta dessa proposta é que os dois principais partidos portugueses parecem querer organizar excursões para levar jovens universitários a visitar uma espécie em vias de extinção (portugueses que vivem longe das grandes cidades do litoral) no seu habitat natural. Percebe-se, a maioria dos eleitores nesta altura só ouve falar dessas regiões por causa dos fogos ou de uns estudos que garantem que dentro de duas ou três décadas será o grande deserto de Portugal.


Enquanto chutam para canto a discussão sobre a verdadeira descentralização, já que a que fizeram deu em pouco mais que nada, ou se recusam a voltar a discutir a regionalização, o Bloco Central quer impor-nos o circo, enquanto não nos voltam a cortar no pão. É impossível que no PS e no PSD não exista gente séria e competente, capaz de saber que o problema do despovoamento e desertificação do interior do país precisa de ambição. Décadas de má política, de centralismo feroz, não se resolve com paliativos do tipo "vão lá ver como eles vivem".

Fixar pessoas no interior exige uma política fiscal que incentive de verdade o investimento, sem o qual não se produzem empregos. Exige que se refaça o parque escolar e a rede do Serviço Nacional de Saúde, sem os quais ninguém constrói uma família. Exige que se desconcentrem os serviços públicos e se dê utilidade a todo o território, razão essencial para que o aumento de qualidade de vida no interior seja também um caminho para uma maior qualidade de vida nas grandes cidades do litoral.

Bem sei que os programas eleitorais têm de estar carregados de medidas, parecendo que os partidos pensaram no país de lés a lés, mas eu julgo que não seria pedir muito se os partidos pudessem respeitar as pessoas a quem estão a pedir o voto.

*Jornalista

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