terça-feira, 10 de setembro de 2019

Portugal | Manuel Pinho: Chegou o dia de prestar contas sobre as contas do passado


Esta terça-feira será o Dia D no processo do Ministério Público sobre suspeitas de corrupção envolvendo o antigo ministro Manuel Pinho, a EDP e o GES. Pinho é interrogado no DCIAP, onde será questionado pelos procuradores sobre tudo o que até hoje não quis explicar em público

Diz o ditado que “não há duas sem três”. E esta terça-feira Manuel Pinho, que foi ministro da Economia entre 2005 e 2009, irá pela terceira vez ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), para ser finalmente interrogado no processo 184/12, que já leva sete anos de investigação, e uma dezena de arguidos.

Manuel Pinho foi pela primeira vez ao DCIAP a 3 de julho de 2017, quando foi constituído arguido, um mês depois de o presidente executivo da EDP, António Mexia, ter ganho esse estatuto no processo que investiga suspeitas de corrupção envolvendo a elétrica e o antigo governante. A 17 de julho de 2018 Pinho voltou ao DCIAP, para ser interrogado pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, mas o advogado Ricardo Sá Fernandes conseguiu evitar que o interrogatório avançasse, ao apresentar um expediente legal para pedir o afastamento daqueles procuradores.

Esta terça-feira, às 14h, Manuel Pinho estará pela terceira vez no DCIAP, para ser interrogado como arguido, numa tarde em que terá a oportunidade de esclarecer os procuradores do Ministério Público sobre tudo o que se escusou a explicar em público, quer nas suas passagens recentes pelo Parlamento, quer nas declarações à comunicação social. Em outubro do ano passado Ricardo Salgado, também arguido neste processo, foi ao DCIAP, mas recusou-se a responder aos procuradores, fazendo apenas uma curta declaração em sua defesa.

Até hoje Manuel Pinho nunca esclareceu porque recebia todos os meses cerca de €15 mil da Espírito Santo Enterprises (o chamado “saco azul” do Grupo Espírito Santo), mesmo nos quatro anos em que foi ministro da Economia. Nem porque os recebia em contas bancárias detidas por sociedades offshore.


Manuel Pinho continua hoje a dar aulas na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América (EUA), que se tornou uma peça central no "puzzle" do processo 184/12. O patrocínio de 1,2 milhões de dólares que a EDP concedeu a Columbia, a partir de 2010, coincidindo com o início da atividade de Pinho nessa universidade (pouco depois de abandonar o Governo de José Sócrates), é uma das bases da investigação do Ministério Público, num inquérito que corre já desde o ano 2012.

Uma das suspeitas que recaem sobre Manuel Pinho é a de que o patrocínio da EDP, ao permitir a contratação do ex-ministro pela universidade norte-americana, terá sido a retribuição da elétrica por um conjunto de peças legislativas, aprovadas entre 2006 e 2007, que operaram mudanças significativas no sector elétrico nacional, alegadamente em benefício da EDP.

Esta premissa da investigação já foi posta em causa quer pela EDP quer por Manuel Pinho (nas suas duas audições no Parlamento no ano passado). A elétrica vem defendendo que não só a legislação de 2007 foi financeiramente neutra para a empresa, como também o patrocínio a Columbia fez parte de uma estratégia alargada de apoio a universidades e de promoção das energias renováveis que abrangeu muitas outras instituições, incluindo em Portugal.

Em fevereiro deste ano, no Parlamento, António Mexia assegurou aos deputados que a EDP nada teve a ver com o convite de Columbia a Manuel Pinho. "Não demos o nome", afirmou Mexia.

E também Manuel Pinho já defendeu que os termos da criação dos CMEC – Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), para acabar com os Contratos de Aquisição de Energia (CAE) da EDP em nada beneficiaram a empresa, limitando-se a conformar o quadro do sistema elétrico nacional com as exigências comunitárias de abertura do mercado energético, respeitando direitos contratuais que a elétrica tinha desde a década de 1990, quando ainda era 100% estatal.

AS LIGAÇÕES AO GES

Uma das linhas de defesa de Manuel Pinho e da EDP para desfazer a tese de corrupção vem consistindo em demonstrar, com estudos económicos, que a conversão dos CAE em CMEC, em 2007, não beneficiou a empresa face ao quadro em que a empresa operava há largos anos. Mas os procuradores do Ministério Público continuam a considerar, suportados por análises técnico-económicas de especialistas do sector, que as várias alterações legislativas feitas entre 2006 e 2007 foram vantajosas para a EDP.

Só que a investigação a Manuel Pinho não se fica pela sua relação com a EDP. No ano passado o “Observador” revelou um conjunto de recebimentos de Manuel Pinho provenientes do “saco azul” do GES, incluindo meio milhão de euros distribuídos entre 2005 e 2009, enquanto era ministro da Economia, à razão de 14.963,94 euros por mês, depositados numa conta bancária da offshore Tartaruga Foundation, detida por Manuel Pinho.

Em janeiro de 2018, quando o “Observador” começou por revelar pagamentos a Pinho de 2013 e 2014, o antigo ministro afirmou que declarou fiscalmente os seus rendimentos consoante o país da sua residência fiscal, com exceção de alguns rendimentos prediais sempre declarados em Portugal. Mas desde que em abril de 2018 vieram a público os recebimentos da Espírito Santo Enterprises durante o período em que esteve no Governo Manuel Pinho nunca deu explicações.

Em abril do ano passado o advogado de Manuel Pinho, Ricardo Sá Fernandes, escusou-se a entrar em pormenores sobre as suspeitas de que o antigo governante é alvo, com a seguinte declaração ao Expresso: “O seu bom nome já foi arrasado e sobre isso nada há a fazer. Mas há um direito de que ele não abdica: o de se defender quando estiver na posse dos factos e das informações que considera imprescindíveis para esse efeito. Nem sempre o que parece é, como oportunamente se verá”.

O processo 184/12 começou há sete anos como uma investigação à privatização da EDP, centrando-se mais tarde nas alegadas vantagens que Pinho terá dado à elétrica em 2007 e só em 2017 avançando para a constituição de arguidos. E o processo tem-se arrastado em avanços e recuos entre o Tribunal de Instrução Criminal e o Tribunal da Relação de Lisboa. Pinho, por exemplo, foi constituído arguido em 2017, estatuto anulado pelo juiz de Instrução Ivo Rosa em 2018, e reconfirmado como arguido já em junho de 2019 pela Relação.

Com o passar do tempo os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto foram alargando o escopo da investigação, debruçando-se sobre outros alegados favorecimentos de Pinho ao GES (que era acionista da EDP), nomeadamente o apoio à realização da Ryder Cup (uma das maiores competições mundiais de golfe) na Herdade da Comporta, uma das jóias da coroa do GES.

Os procuradores do DCIAP têm passado a pente fino as relações entre Manuel Pinho e outros responsáveis que foram constituídos arguidos no mesmo processo, o que incluiu, conforme o Expresso já noticiou, uma análise minuciosa da agenda do ex-ministro. Entre eles o presidente executivo da EDP, António Mexia (que Pinho conheceu no BES Investimento, antes de ser ministro). Mas também o ex-presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado, que é suspeito de ter conseguido do ex-ministro Manuel Pinho vantagens para os interesses económicos do GES).

Outro nome relevante no processo, sobre o qual Manuel Pinho poderá ter de dar explicações, é João Conceição (atual administrador da REN), que entre 2007 e 2008 trabalhou como consultor de Pinho, acabando em 2008 por ter sido contratado pelo BCP, num processo de contornos pouco claros. Quando ainda estava no Governo, Conceição pediu a António Mexia ajuda para encontrar um novo trabalho, exigindo uma remuneração mensal de 10 mil euros. O presidente executivo da EDP e o administrador João Manso Neto acabaram por ajudar Conceição, remetendo o pedido para o BCP (do qual a EDP já era acionista), que contratou João Conceição naquelas condições.

OS ESTILHAÇOS DO PROCESSO

Foi Paulo Macedo (hoje presidente da Caixa Geral de Depósitos mas então administrador do BCP com o pelouro dos recursos humanos) quem aprovou a contratação de Conceição. O ex-consultor de Manuel Pinho acabaria por receber um total de €153 mil do BCP, até em 2009 ser nomeado administrador executivo da REN, cargo que manteve até hoje.

Informação do processo 184/12 citada no final de agosto pelo “Observador” indica que o BCP fez recentemente uma auditoria interna sobre a contratação de João Conceição, chegando a reclamar ao gestor a devolução do dinheiro recebido por alegadamente não ter sequer trabalhado no banco (nunca teve cartão de funcionário nem há registo seu nos arquivos informáticos do BCP).

A contratação de João Conceição pelo BCP, há mais de uma década, pode até pôr em causa a avaliação de idoneidade de Paulo Macedo enquanto presidente da CGD.

As relações do período em que foi ministro, os recebimentos da Espírito Santo Enterprises e as decisões legislativas envolvendo a EDP e interesses do Grupo Espírito Santo deverão estar no centro do interrogatório desta terça-feira, uma década depois de Manuel Pinho ter trocado Lisboa por Nova Iorque. Entretanto, o universo Espírito Santo ruiu. Pinho continua em Columbia, mas a EDP já não vive dos polémicos CMEC.

Miguel Prado | Expresso

Na foto: Pinho tornou-se arguido em julho de 2017, estatuto anulado em maio de 2018 e reconfirmado já em 2019 | Luís Barra

Leia no Expresso


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