Esta terça-feira será o Dia D no
processo do Ministério Público sobre suspeitas de corrupção envolvendo o antigo
ministro Manuel Pinho, a EDP e o GES. Pinho é interrogado no DCIAP, onde será
questionado pelos procuradores sobre tudo o que até hoje não quis explicar em
público
Diz o ditado que “não há duas sem
três”. E esta terça-feira Manuel Pinho, que foi ministro da Economia entre 2005
e 2009, irá pela terceira vez ao Departamento Central de Investigação e Ação
Penal (DCIAP), para ser finalmente interrogado no processo 184/12, que já leva
sete anos de investigação, e uma dezena de arguidos.
Manuel Pinho foi pela primeira
vez ao DCIAP a 3 de julho de 2017, quando foi constituído arguido, um mês
depois de o presidente executivo da EDP, António Mexia, ter ganho esse estatuto
no processo que investiga suspeitas de corrupção envolvendo a elétrica e o
antigo governante. A 17 de julho de 2018 Pinho voltou ao DCIAP, para ser
interrogado pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, mas o advogado
Ricardo Sá Fernandes conseguiu evitar que o interrogatório avançasse, ao
apresentar um expediente legal para pedir o afastamento daqueles procuradores.
Esta terça-feira, às 14h, Manuel
Pinho estará pela terceira vez no DCIAP, para ser interrogado como arguido,
numa tarde em que terá a oportunidade de esclarecer os procuradores do
Ministério Público sobre tudo o que se escusou a explicar em público, quer nas
suas passagens recentes pelo Parlamento, quer nas declarações à comunicação
social. Em outubro do ano passado Ricardo
Salgado, também arguido neste processo, foi ao DCIAP, mas recusou-se a
responder aos procuradores, fazendo apenas uma curta declaração em sua
defesa.
Até hoje Manuel Pinho nunca
esclareceu porque recebia todos os meses cerca de €15 mil da Espírito Santo
Enterprises (o chamado “saco azul” do Grupo Espírito Santo), mesmo nos quatro
anos em que foi ministro da Economia. Nem porque os recebia em contas bancárias
detidas por sociedades offshore.
Manuel Pinho continua hoje a dar
aulas na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América (EUA), que se
tornou uma peça central no "puzzle" do processo 184/12. O patrocínio
de 1,2 milhões de dólares que a EDP concedeu a Columbia, a partir de 2010,
coincidindo com o início da atividade de Pinho nessa universidade (pouco depois
de abandonar o Governo de José Sócrates), é uma das bases da investigação do
Ministério Público, num inquérito que corre já desde o ano 2012.
Uma das suspeitas que recaem
sobre Manuel Pinho é a de que o patrocínio da EDP, ao permitir a contratação do
ex-ministro pela universidade norte-americana, terá sido a retribuição da
elétrica por um conjunto de peças legislativas, aprovadas entre 2006 e 2007,
que operaram mudanças significativas no sector elétrico nacional, alegadamente
em benefício da EDP.
Esta premissa da investigação já
foi posta em causa quer pela EDP quer por Manuel Pinho (nas suas duas audições
no Parlamento no ano passado). A elétrica vem defendendo que não só a
legislação de 2007 foi financeiramente neutra para a empresa, como também o
patrocínio a Columbia fez parte de uma estratégia alargada de apoio a
universidades e de promoção das energias renováveis que abrangeu muitas outras
instituições, incluindo em Portugal.
Em fevereiro deste ano, no
Parlamento, António Mexia assegurou aos deputados que a EDP nada teve a ver com
o convite de Columbia a Manuel Pinho. "Não
demos o nome", afirmou Mexia.
E também Manuel Pinho já defendeu
que os termos da criação dos CMEC – Custos para a Manutenção do Equilíbrio
Contratual (CMEC), para acabar com os Contratos de Aquisição de Energia (CAE)
da EDP em nada beneficiaram a empresa, limitando-se a conformar o quadro do
sistema elétrico nacional com as exigências comunitárias de abertura do mercado
energético, respeitando direitos contratuais que a elétrica tinha desde a
década de 1990, quando ainda era 100% estatal.
AS LIGAÇÕES AO GES
Uma das linhas de defesa de
Manuel Pinho e da EDP para desfazer a tese de corrupção vem consistindo em
demonstrar, com estudos económicos, que a conversão dos CAE em CMEC, em 2007,
não beneficiou a empresa face ao quadro em que a empresa operava há largos anos.
Mas os procuradores do Ministério Público continuam a considerar, suportados
por análises técnico-económicas de especialistas do sector, que as várias
alterações legislativas feitas entre 2006 e 2007 foram vantajosas para a EDP.
Só que a investigação a Manuel
Pinho não se fica pela sua relação com a EDP. No ano passado o “Observador”
revelou um conjunto de recebimentos de Manuel Pinho provenientes do “saco azul”
do GES, incluindo meio milhão de euros distribuídos entre 2005 e 2009, enquanto
era ministro da Economia, à razão de 14.963,94 euros por mês, depositados numa
conta bancária da offshore Tartaruga Foundation, detida por Manuel Pinho.
Em janeiro de 2018, quando o
“Observador” começou por revelar pagamentos a Pinho de 2013 e 2014, o antigo
ministro afirmou que declarou fiscalmente os seus rendimentos consoante o país
da sua residência fiscal, com exceção de alguns rendimentos prediais sempre
declarados em Portugal. Mas desde que em abril de 2018 vieram a público os
recebimentos da Espírito Santo Enterprises durante o período em que esteve no
Governo Manuel Pinho nunca deu explicações.
Em abril do ano passado o
advogado de Manuel Pinho, Ricardo Sá Fernandes, escusou-se a entrar em
pormenores sobre as suspeitas de que o antigo governante é alvo, com a seguinte
declaração ao Expresso: “O seu bom nome já foi arrasado e sobre isso nada há a
fazer. Mas há um direito de que ele não abdica: o de se defender quando estiver
na posse dos factos e das informações que considera imprescindíveis para esse
efeito. Nem sempre o que parece é, como oportunamente se verá”.
O processo 184/12 começou há sete
anos como uma investigação à privatização da EDP, centrando-se mais tarde nas
alegadas vantagens que Pinho terá dado à elétrica em 2007 e só em 2017
avançando para a constituição de arguidos. E o processo tem-se arrastado em
avanços e recuos entre o Tribunal de Instrução Criminal e o Tribunal da Relação
de Lisboa. Pinho, por exemplo, foi constituído arguido em 2017, estatuto
anulado pelo juiz de Instrução Ivo Rosa em 2018, e reconfirmado
como arguido já em junho de 2019 pela Relação.
Com o passar do tempo os
procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto foram alargando o escopo da
investigação, debruçando-se sobre outros alegados favorecimentos de Pinho ao
GES (que era acionista da EDP), nomeadamente o apoio à realização da Ryder Cup
(uma das maiores competições mundiais de golfe) na Herdade da Comporta, uma das
jóias da coroa do GES.
Os procuradores do DCIAP têm
passado a pente fino as relações entre Manuel Pinho e outros responsáveis que
foram constituídos arguidos no mesmo processo, o que incluiu, conforme
o Expresso já noticiou, uma análise minuciosa da agenda do ex-ministro.
Entre eles o presidente executivo da EDP, António Mexia (que Pinho conheceu no
BES Investimento, antes de ser ministro). Mas também o ex-presidente do Banco
Espírito Santo, Ricardo Salgado, que é suspeito de ter conseguido do
ex-ministro Manuel Pinho vantagens para os interesses económicos do GES).
Outro nome relevante no processo,
sobre o qual Manuel Pinho poderá ter de dar explicações, é João Conceição
(atual administrador da REN), que entre 2007 e 2008 trabalhou como consultor de
Pinho, acabando em 2008 por ter sido contratado pelo BCP, num processo de
contornos pouco claros. Quando ainda estava no Governo, Conceição pediu a
António Mexia ajuda para encontrar um novo trabalho, exigindo uma remuneração
mensal de 10 mil euros. O presidente executivo da EDP e o administrador João
Manso Neto acabaram por ajudar Conceição, remetendo o pedido para o BCP (do
qual a EDP já era acionista), que contratou João Conceição naquelas condições.
OS ESTILHAÇOS DO PROCESSO
Foi Paulo Macedo (hoje presidente
da Caixa Geral de Depósitos mas então administrador do BCP com o pelouro dos
recursos humanos) quem aprovou a contratação de Conceição. O ex-consultor de
Manuel Pinho acabaria por receber um total de €153 mil do BCP, até em 2009 ser
nomeado administrador executivo da REN, cargo que manteve até hoje.
Informação do processo 184/12
citada no final de agosto pelo “Observador” indica que o BCP fez recentemente
uma auditoria interna sobre a contratação de João Conceição, chegando a
reclamar ao gestor a devolução do dinheiro recebido por alegadamente não ter
sequer trabalhado no banco (nunca teve cartão de funcionário nem há registo seu
nos arquivos informáticos do BCP).
A contratação de João Conceição
pelo BCP, há mais de uma década, pode até pôr em causa a avaliação
de idoneidade de Paulo Macedo enquanto presidente da CGD.
As relações
do período em que foi ministro, os recebimentos da Espírito Santo
Enterprises e as decisões legislativas envolvendo a EDP e interesses do Grupo
Espírito Santo deverão estar no centro do interrogatório desta terça-feira, uma
década depois de Manuel Pinho ter trocado Lisboa por Nova Iorque. Entretanto, o
universo Espírito Santo ruiu. Pinho continua em Columbia, mas a EDP já não vive
dos polémicos CMEC.
Miguel Prado | Expresso
Na foto: Pinho tornou-se arguido
em julho de 2017, estatuto anulado em maio de 2018 e reconfirmado já em 2019 |
Luís Barra
Leia no Expresso
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