Caetano Júnior | Jornal de Notícias
| opinião
A avaliação negativa aos
jornalistas e aos conteúdos que oferecem aos leitores, ouvintes e
telespectadores subiu de tom.
O dedo é apontado
particularmente aos profissionais ligados aos órgãos públicos, de quem os
críticos esperam que tragam à luz “a realidade do país”. Um debate na Televisão
Pública de Angola (TPA), há algumas semanas, destapou opiniões exaltadas, que,
inclusive, estimam ter, nos últimos meses, regredido a qualidade da informação
e ressurgido o espectro da censura.
Na verdade, muitos destes críticos da actuação dos órgãos públicos não se dão ao trabalho de separar os primeiros meses da Governação do Presidente João Lourenço do período subsequente. Desde cedo, nesta Nova República, compreendeu-se e se deu a devida importância à criação de um sistema de comunicação social aberto, plural, livre e diversificado. É assim que notícias antes “proibidas”, como alguém as taxou, passaram a abrir noticiários ou a fazer manchetes. Houve até quem deixasse de procurar títulos da chamada imprensa privada, “outrora notável no trabalho de trazer a público a realidade do país”, como se lhes referia.
Mas a abertura, a pluralidade, a liberdade, enfim, a diversificação da informação deixaram de ser novidade. É como se o deslumbre inicial se tivesse desvanecido. Afinal, o que era "assunto delicado" passou a corriqueiro. Os órgãos públicos continuam, assim, a trazer a realidade do país: mostram factos, agradáveis ou nem tanto, narrados sobriamente, dentro das recomendáveis equidistâncias. A título ilustrativo, a 27 de Maio último, o Jornal de Angola publicou uma matéria sobre os factos ocorridos na data, em 1977. Contam-se em mais de muitas as pessoas que exultaram com a abordagem. Algumas delas assumiram até que esperavam morrer sem que antes tivessem o privilégio de ler relatos destes acontecimentos no diário nacional.
Mas a avaliação negativa à prestação da imprensa pública transcende a acusação de “não divulgar a verdade”. Entre os outros âmbitos que os críticos atacam, destaca-se o domínio da Língua Portuguesa. No debate da TPA que o texto refere, este particular aspecto ganhou espaço. O Jornal de Angola tem recebido, igualmente, “apelos” para que procure reduzir a quantidade de “erros de ortografia”, pois que “não se aceitam numa publicação de dimensão nacional e com um passado de grandes referências na escrita”. Mesmo não se conhecendo se os órgãos privados também se confrontam com os reparos de quem tanto preza a Língua, não é descabido considerar que a apreciação também os colhe.
Assim, nós, os jornalistas, devemos ser os primeiros a reconhecer que, realmente, temos sido produtivos em inadequações (e não erros, como aconselha a Didáctica) à Língua, instrumento mais importante para o trabalho que desenvolvemos. Aliás, os debates entre os integrantes da classe gravitam muitas vezes à volta desta realidade. A situação é tão preocupante, que, na tentativa de lhe minimizar os efeitos, acções de formação têm sido privilegiadas, ora sob iniciativa do Ministério de tutela, ora promovidas pelos próprios órgãos de comunicação. De instituições singulares nascem e prosperam, igualmente, iniciativas viradas para a capacitação de quadros da imprensa.
Contudo, os “conflitos” que jornalistas tenham eventualmente com a Língua já não eram suposto assustar quem tivesse o mínimo domínio da realidade angolana. Deviam, aliás, ser compreendidos à luz do quadro que caracteriza o processo de formação no país. Não se pode descontextualizar a actividade jornalística do âmbito geral. Por que teria de ser o jornalismo excepção, num conjunto de profissões consagradas à luz de um mesmo sistema de ensino reconhecidamente débil? Por favor, que não se sacrifique apenas um, do todo que sofre as consequências de anos de desprezo a que se votou o processo de ensino e aprendizagem.
É óbvio que o próprio trabalho do jornalista - porque transpira para o exterior, para o público, por meio do jornal, da rádio ou da TV - expõe-lhe as qualidades e as debilidades; submete-o ao escrutínio até de quem não está habilitado a avaliar-lhe as competências. Expostos como os profissionais da imprensa só estão professores e médicos, sobre quem todos se arrogam o direito de apontar insuficiências, sem sequer se importarem com os factores que estarão a contribuir para os males que lhes são apontados.
Embora os jornalistas reconheçam o uso imperfeito da Língua Portuguesa no trabalho diário - assim como a necessidade de se superarem permanentemente -, deve ficar claro que o problema não é exclusivo à classe. O mal é transversal a todos os grupos profissionais: advogados, médicos, professores, engenheiros, sociólogos, geólogos, psicólogos, enfermeiros, matemáticos, químicos, físicos, geógrafos, economistas, paisagistas, treinadores... Podem até aparentar competência na especialidade, mas, quando a produção escrita se impõe, as inadequações à Língua acabam sempre por emergir.
Até mesmo instituições acima de sérias, cujo prestígio é atestado em dourados cartões de visita de colaboradores com o estatuto de Master, PhD ou outro, divulgam documentos nos quais o “À” é trocado pelo “A” e o uso do “HÁ” é capaz de tirar qualquer um do “cério”. E, ainda assim, acreditam estar tudo “sobre controle”. Já da papelada saída de instituições públicas ...sequer vale a pena falar.
Portanto, não são só os jornalistas... E quando os quadros de outros saberes deixarem de produzir inadequações à Língua Portuguesa, os profissionais da impressa também o farão. Mas não será para já. Vai levar o mesmo tempo que durar a adequação da qualidade ao processo de ensino e aprendizagem.
Imagem em Gazeta Uigense
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