O líder socialista olha para o
copo meio cheio: ninguém na esquerda o rejeita ou quer derrubar, e todos se
dizem dispostos a negociar, em particular sobre os Orçamentos do Estado. A
várias velocidades, cada um à sua maneira, ninguém fechou a porta. Mas só o BE
propôs um acordo de papel passado
Ao fim de uma maratona de cinco
reuniões, que começaram às dez da manhã desta quarta-feira e acabaram quase às
oito da noite, António Costa ficou a saber o que já sabia: não haverá nova
geringonça, e dos cinco partidos com quem o PS abriu negociações à procura da
maioria que lhe falta, só o BE propõe um acordo de legislatura com papel
passado. Sobre isso, ficaram de voltar a falar para a semana que vem. Mas Costa
tudo fez para relativizar este passo em frente dos bloquistas (já lá vamos).
Para já, o "otimista
irritante" opta por olhar para o copo meio cheio: não terá geringonça 2.0,
mas terá várias, cada uma à medida do respetivo interlocutor. O
primeiro-ministro indigitado recebeu de todos os partidos que se sentarão à
esquerda do PSD a garantia de que deixarão passar o Governo do PS e ainda a
disponibilidade para negociações ao longo da legislatura.
Cada cor seu paladar, e há
paladares para quase tudo. Catarina Martins propôs um acordo com
"horizonte de legislatura", que refletisse já no programa de governo
um caderno reivindicativo dos bloquistas. Não houve acordo sobre isso, apenas
acordo para continuarem a negociar - na próxima semana haverá mais reuniões
bipartidárias, a que Costa chamou "trabalhos técnicos", para avaliar
quão longe ambos podem ir, e que forma terá o entendimento entre os dois
partidos.
Catarina Martins voltou a
mostrar-se disponível para esse acordo, que na sua opinião permitiria "uma
solução mais reforçada", mas também para negociações à peça, lei a lei,
orçamento a orçamento, caso o PS não queira ir tão longe como os bloquistas
propuseram. A líder do BE não só valorizou positivamente a primeira hipótese,
como deixou claro que a bola está do lado do PS, que agora "analisará a
proposta que o BE fez".
COSTA SEM PREFERÊNCIAS
Já Costa não deu qualquer sinal
de preferência - nem pela forma de eventuais entendimentos, nem por partidos
que proponham acordos mais firmes. "Agnóstico", é como se declara em
relação a essa questão, e indiferente é como se confessa quando projeta a
futura relação com parceiros em termos variáveis.
"Não trabalhamos preferencialmente
com nenhum dos partidos com quem temos mantido contactos", assegurou no
final do encontro com o PCP, sabendo já que os comunistas se ficavam numa base
de mínimos e os bloquistas lhe iam propor um modelo mais ambicioso. Foi a sua
forma de relativizar o passo dos bloquistas, sendo certo que o PS tudo fará
para não ficar apenas dependente do BE. "Respeitamos os partidos que acham
que é útil haver um acordo escrito e os acham que é útil não haver uma acordo
escrito", reforçou.
"O essencial é ter ficado
claro que no horizonte da legislatura há vontade comum de trabalhar em conjunto
e de dar continuidade ao trabalho feito na legislatura anterior" - com
mais ou menos nuances, foi a frase que Costa foi repetindo de sede em sede,
sempre com Carlos César, Ana Catarina Mendes e Duarte Cordeiro a emoldurá-lo.
De Jerónimo de Sousa, o
primeiro-ministro indigitado trouxe a garantia de "disponibilidade para
apreciação conjunta, desde logo do OE, e de outras medidas que o Governo tenha
de apresentar na Assembleia da República".
"Haver essa disponibilidade
é positivo", sublinhou Costa, lembrando que ao longo de muitos anos tal
não aconteceu. "Seguramente vai haver trabalho conjunto, desde já no OE
para próximo ano, em que faremos como temos feito nos últimos anos uma
avaliação conjunta", sublinhou Costa, evidenciando não as diferenças, mas
as semelhanças com o que aconteceu desde 2015. Enquanto Jerónimo de Sousa
garantia que daqui em diante, na negociação dos Orçamentos, "cada ano é um
ano", Costa lembrou que já "na legislatura anterior a apreciação do
OE foi feita ano a ano", com propostas do PCP negociadas caso a caso.
A garantia de que o PCP se
sentará à mesa é o que importa a Costa, que já que tinha dito que, no caso dos
comunistas, lhe basta a palavra, sem precisar de acordos escritos.
Do PEV, Costa trouxe a mesma
disponibilidade para "apreciações conjuntas prévias", não só nos
Orçamentos, mas também noutros momentos decisivos da legislatura: caso haja uma
moção de rejeição ao programa do Governo, ou moções de censura.
PAN: “APROFUNDAR A RELAÇÃO”
Também o PAN fala em
"aprofundar a relação" com o PS e "continuar a falar e dialogar
para perceber como estabelecer mais convergências", nas palavras de André
Silva. Ao contrário do BE, o PAN não propôs um acordo de legislatura, mas tal
como com os bloquistas, haverá nova reunião, na próxima semana, para ambos
continuarem a avaliar a "possibilidade de alargar entendimentos"
entre os dois partidos.
Também o Livre se pôs fora de um
acordo de legislatura a dois. Mas a reunião desta manhã foi apresentada por Rui
Tavares como "o início de um diálogo absolutamente necessário à
esquerda" que deve preferencialmente resultar numa "união
multipartidária" nesse espaço político.
Como ficou claro ao longo do dia,
essa "união multipartidária" não vai acontecer. Mas a Costa bastam as
promessas de abertura e disponibilidade negocial feitas pelos seus
interlocutores. É a prova de que a geringonça pode não se repetir, mas com
geringonçazinhas os muros à esquerda não se voltam a levantar.
Filipe Santos Costa | Expresso
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