Os fogos de artifício estouraram,
no momento em que, depois de 580 dias, o ex-Presidente brasileiro Lula da Silva
entrou no Sindicato dos Trabalhadores, em São Bernardo do Campo, o berço
político do metalúrgico que promete fazer renascer a oposição num país com
acentuadas divisões internas. A prisão acabou mas a tensão está longe do fim.
Para já, todas as atenções estão focadas no primeiro grande discurso de Lula,
previsto para o fim da tarde deste sábado
Agora que chegaram ao fim os 580
dias de Luís Inácio Lula da Silva nas instalações da Polícia Federal, em
Curitiba, o Brasil pergunta-se o que vai acontecer. De regresso ao local de
onde saiu para a prisão, o ex-Presidente brasileiro regressa para relançar
a oposição ao governo de Jair Bolsonaro. Mas este objetivo não será fácil de
conquistar num país que acordou tão dividido como estava no momento em que Lula
desapareceu dos palanques.
Para já, Lula da Silva não
se pode candidatar a nenhum cargo político por estar enquadrado no que os
brasileiros chamam de Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de
condenados em segunda instância. Mas o ex-Presidente não deverá voltar a poder
ser preso pelos outros processos que ainda decorrem, nomeadamente o que o liga
à compra de um sítio no interior de São Paulo, com julgamento marcado para dia
27. A estratégia de defesa de Lula, para libertá-lo da proibição de concorrer a
eleições, é pedir a anulação do julgamento que o manteve detido até
sexta-feira, invocando a parcialidade do juiz Sérgio Moro, após a revelação das
escutas pelo jornal digital "Intercept Brasil", conhecidas
como Vaza Jato.
Caso se mantenha o impedimento de
se apresentar a eleições, um dos cenários sobre a mesa é o regresso de Fernando
Hadadd: o ex-ministro da Educação de Lula foi mesmo uma das figuras mais em
evidência no pós-libertação, tendo sido várias evezes elogiado pelo
ex-Presidente no seu primeiro discurso após sair da Polícia Federal.
Uma das primeiras medidas
anunciadas por Luís inácio Lula da Silva foi a intenção de percorrer o
Brasil numa caravana política, fazendo aquilo que o notabilizou: ir de encontro
à população mais desfavorecida, devolvendo o Partido dos Trabalhadores (PT) às
ruas de que se afastara. a ideia é colá-lo à figura de Nélson Mandela, como
líder que foi preso político.
Com o regresso do líder, o PT
deixa de assumir uma narrativa defensiva e pode voltar a liderar uma oposição
muito fragmentada, posicionando-se como uma alternativa. Mas cientistas
políticos como Marcos Nobre, da Universidade de São Paulo, entrevistado pelo
site UOL, alertam que o partido terá de elaborar um programa político voltado
para o futuro, abandonando o saudosismo dos tempos do lulismo, caso contrário,
não terá sucesso.
A incógnita é saber se Lula sai
da prisão ressentido e focado apenas em atacar Bolsonaro e Sérgio
Moro, ou se retomará o perfil conciliatório que já o caracterizou no
passado. A "Veja" anunciou, por exemplo, que Lula chegou a São Paulo
transportado num avião do apresentador televisivo e pré-candidato à
Presidência, Luciano Huck. Jornais brasileiros avançam também que uma das suas
primeiras atitudes seria efeutar a aproximação ao ex-candidato Presidencial
Ciro Gomes, magoado por não ter contado com o apoio do PT em 2018. À espera de
Lula este sábado em São Bernardo estavam ainda Marcelo Freixo, do PSOL, e
Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.
MAIS DIVISÃO?
Os órgãos de comunicação social
brasileiros, contudo, alertam que a saída de Lula da prisão só fará
aumentar a polarização política do país. O "Correio Braziliense" fala
de uma radicalização do confronto, apontando mesmo um regresso às divisões
sentidas durante o período de campanha eleitoral de 2018. Já se questiona
também se a libertação de Lula não tornará ainda mais agressivo o sentimento
anti-petista de muitos brasileiros, reforçando o apoio da base de
Bolsonaro, mesmo de uma franja descontente com a atuação do atual Presidente.
Num primeiro momento, Bolsonaro
optou por manter o silêncio, tendo dado orientações à sua equipa para que não
alimente a discussão. "Não dê munição ao canalha que está momentaneamente
livre", escreveu
logo pela manhã deste sábado na rede Twitter. Quem não tardou em
desobedecer foram os filhos Carlos e Eduardo, indignados com a libertação de
Lula.
As redes sociais também não
demoraram em evidenciar as divisões profundas que separam os brasileiros,
sinalizando que os próximos meses tenderão a não ser fáceis nem mesmo para as
famílias, que romperam devido a divergências políticas. A
decisão do Supremo Tribunal Federal "colocou gasolina" neste
cenário ainda por cicatrizar, como explicaram vários comentadores.
O cenário político já se
encontrava altamente dividido, mesmo antes da libertação de Lula da Silva,
com o surgimento de vários pré-candidatos de uma eleição que só está marcada
para 2022. Para além do próprio Jair Bolsonaro e do ministro da Justiça Sérgio
Moro, posicionam-se o governador de São Paulo, João Dória, e do Rio de Janeiro,
Wilson Witzel e o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, entre outros, como o já
citado Luciano Huck.
E com o regresso de um líder
carismático como Lula e a falta de uma figura de dimensão emotiva
equivalente ao centro, a tendência é de que os extremos avancem. E, com a
economia do país ainda sem dar provas consolidadas de recuperação e sem
estabilidade política, dificilmente o Brasil conseguirá recuperar a confirança
de investidores estrangeiros. Sinais recentes disso foram dados com o falhanço
do leilão de exploração petrolífera ou a subida do dólar após o anúncio da
libertação de Lula.
O cenário na América do Sul
também mudou muito desde a prisão de lula há quase um ano, com instabilidade
político-social em países como o Chile, Bolívia e Venezuela e mudanças de cor
política na Argentina, tendo inclusive sido criado um núcleo de 32 políticos de
esquerda de 12 países, intitulado Grupo de Puebla, reunido este fim de semana
nesta cidade do México, para reagir ao que dizem ser "o avanço da direita conservadora".
Christiana Martins | Expresso |
Imagem: Hedeson Alves
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