Joseph Kishore*
Os tiroteios em massa nos Estados
Unidos no final de semana, segundo a manchete da edição de segunda-feira
do New York Times, abalaram “uma nação perplexa em seu âmago”. Os
massacres em El Paso, no Texas, e Dayton, em Ohio, “foram suficientes”,
continuou o Times, “para deixar o público atordoado e abalado”.
Não está claro como os editores
do Times puderam determinar, em poucas horas, o humor de 340 milhões
de pessoas. Pode haver, é claro, certo grau de confusão e perplexidade, como
sempre acontece em meio a eventos tão chocantes. Mas a “perplexidade” está
longe de ser a única resposta, e muito menos a dominante. Houve muitos assassinatos
em massa nas últimas duas décadas para que os cidadãos ficassem apenas
perplexos. Há muita raiva e indignação. As pessoas estão cansadas de ouvir os
políticos responderem a esses assassinatos em massa com os discursos de sempre.
Na noite de domingo, os participantes de uma vigília em Dayton gritavam para o
governador republicano de Ohio, Mike DeWine, “fazer alguma coisa!” em relação
aos assassinatos em massa.
Em qualquer caso, na medida em
que há “perplexidade” – isto é, confusão quanto às razões para essa enorme
quantidade de assassinatos –, o New York Times e o resto da mídia
fizeram tudo o que puderam para desorientar e enganar o público.
Ao invés de realizar um exame
sério do ambiente social e político que levou ao ressurgimento da violência fascista,
o Times e os setores mais influentes da mídia capitalista afirmam que
a causa essencial dos assassinatos em massa encontra-se em um difundido e
orgânico racismo, que é um componente quase inato e impossível de se erradicar
da identidade “branca”.
Na manchete de seu principal
editorial de segunda-feira, o Times declarou: “Temos um problema
terrorista nacionalista branco”. O termo “nacionalista branco” ou “nacionalismo
branco” aparece 20 vezes em um editorial que exige uma campanha como aquela da
“guerra ao terror”. No entanto, há apenas uma referência passageira e acidental
ao fascismo e ao nazismo. Uma avaliação racialista da causa da
violência toma o lugar de uma explicação política.
A mesma edição do Times traz
um artigo de opinião de Melanye Price, autora de The Race Whisperer:
Barack Obama and the Political Uses of Race. Com o título “O racismo é problema
de todos”, Price escreveu que Trump “escolheu utilizar questões como imigração,
crime e o censo para fomentar os medos raciais entre os brancos”. As soluções
reais para essa situação “exigem uma discussão franca com as pessoas que
cometem racismo e que se beneficiam de políticas racistas”.
Aqueles que “se beneficiam” das
políticas racistas, segundo Price, são o que ela repetidamente chama de “pessoas
brancas”. Ela espera que os candidatos presidenciais discutam “como o
privilégio branco e o racismo moldaram tão profundamente esse país que alguns
brancos não podem sequer ver como se aproveitam dos benefícios racistas”. Isto
é, “pessoas brancas” são beneficiárias universais do “privilégio branco” e do
racismo, mesmo que elas se oponham ao racismo.
É claro que o racismo existe,
assim como os supremacistas brancos, mas o conceito de uma “raça branca” ou uma
“nação branca” é absurdo do ponto de vista biológico ou da situação histórica.
Não há interesses que unificam todas as “pessoas brancas”, uma categoria que
obscurece as imensas divisões de classe que caracterizam a sociedade
estadunidense.
Enquanto as organizações
fascistas têm apoio ainda muito limitado, a narrativa racialista do Times serve
para lhes dar legitimidade política e apresentá-las como representantes
genuínas das “pessoas brancas”. Isso é acompanhado pela promoção do mito do
“privilégio branco”, que possui o objetivo de atravessar e minar um sentimento
de solidariedade de classe.
Esse não é um tema novo para
o Times, embora ele o tenha levado adiante com ferocidade crescente nos
últimos cinco anos. Em novembro de 2016, cinco dias antes da eleição de Trump,
Amanda Taub do Times declarou que a campanha de Trump era o produto
de uma “crise de identidade branca” causada pelo fato de que os “brancos da
classe trabalhadora” que anteriormente haviam sido “duplamente abençoados”
agora estavam perdendo seus privilégios.
Hillary Clinton baseou sua campanha
eleitoral de 2016 na reacionária política de identidade racialista, juntamente
com alegações de que existem divisões irreconciliáveis de gênero e orientação
sexual. As alegações sobre a “cultura do estupro” que prevalece entre os
homens, do patriarcado, que foram levadas adiante pela campanha #MeToo, cumprem
uma função semelhante. Trata-se de uma perspectiva que desdenha os interesses
da classe trabalhadora como um todo.
Foi a recusa de Clinton em fazer
qualquer apelo aos interesses da classe trabalhadora durante a eleição de 2016
que abriu caminho para a eleição de Trump. A política racialista dos democratas
explodiu na cara deles em 2016, mas eles estão intensificando-a agora.
A origem política da linguagem
utilizada pelo Times é a direita política, não a esquerda. Como o
WSWS escreveu na
época, a coluna de Taub “faz de maneira improvisada e imprudente afirmações
sobre as crenças e os medos da ‘branquitude’ e das ‘pessoas brancas’ que se
assemelham muito mais ao entusiasmo de uma figura como o ideólogo nazista
Alfred Rosenberg do que a qualquer tradição democrática nos EUA”.
Em um estágio anterior do
liberalismo estadunidense, Martin Luther King Jr. expressou opiniões amplamente
compartilhadas quando disse em 1961 que a ideia de “diferenças intrínsecas”
entre as raças “foi inventada por pessoas de fora que procuram desunir ao
dividir os irmãos porque a cor de sua pele tem um tom diferente”.
As ideias têm consequências, e a
promoção da política racial – de ambos os lados do establishment político –
está se transformando em atos evidentes de violência. Se o Times está
certo de que o mundo está dividido em raças separadas com interesses distintos
e antagônicos, a conclusão lógica seria alguma forma de separatismo racial, que
é exatamente o que Patrick Crusius, o atirador de tendência fascista de El
Paso, propõe.
A promoção da política racial é
impulsionada por uma agenda política muito consciente, que foi teoricamente
preparada ao longo de décadas. Essa política tem suas origens nos pensadores
antimarxistas e pós-modernistas que insistem que classe foi substituída por
raça e gênero como os mecanismos centrais da repressão. Essas negações
reacionárias da “primazia ontológica da classe trabalhadora” não só provaram
ser politicamente erradas – os antagonismos de classe hoje são mais intensos do
que nunca – como tornaram-se centrais no funcionamento da política burguesa.
A política racial é a política da
oligarquia. Nem o racismo de Trump nem a política de identidade do Times representam
os interesses de qualquer “raça” da classe trabalhadora. Trata-se de uma
política da classe dominante que está, de uma forma ou de outra, procurando
colocar os trabalhadores uns contra os outros. A luta contra o fascismo e o
racismo é a luta para unificar todas as seções da classe trabalhadora contra o
capitalismo. Todos os esforços para negar essa verdade fundamental são
politicamente reacionários.
*Joseph Kishore
*WSWS -- Publicado originalmente em 6 de
Agosto de 2019
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