Resgate de Sheldon Wolin, o
cientista político que descreveu a fusão entre Estado e corporações. Resultado:
precariedade e insegurança constantes, para impor a tirania dos mercados; e
violência, quando as multidões despertam…
Chris Hedges, em Trutthdig | Outras
Palavras | Tradução: Eleutério F. S. Prado
Sheldon Wolin, o mais
importante teórico contemporâneo no campo da ciência política nos Estados
Unidos, morreu há pouco mais de quatro anos, aos 93. Em seus livros Democracia
Incorporada: democracia administrada e o espectro do totalitarismo invertido1 e Política
e visão2 –
uma vasta pesquisa sobre o pensamento político ocidental que o seu ex-aluno,
Cornel West, considera “magistral” –, Wolin expõe a realidade da democracia
falida dos Estados Unidos, as causas por trás do declínio do império americano
e a ascensão de uma nova e aterrorizante configuração política, formada pelo
poder das corporações, que ele chama de “totalitarismo invertido”.
Wendy Brown, professora de
ciência política na Universidade da Califórnia, em Berkeley, ex-aluna também de
Wolin, disse-me num correio eletrônico: “resistindo aos monopólios do marxismo,
na esquerda, e da teoria democrática, pelo liberalismo, Wolin desenvolveu uma
análise distinta – distintamente americana – da atualidade política e das
possibilidades da democracia radical. Ele foi especialmente presciente ao
teorizar sobre o forte estatismo do que hoje chamamos de neoliberalismo; eis
que revelou a existência de uma nova fusão do poder econômico com o poder
político, a qual considerou que envenena a democracia em sua raiz.”
Wolin, ao longo de sua vida
acadêmica, mapeou a involução da democracia e, em seu último livro, Democracia
incorporada, detalhou a forma peculiar que o totalitarismo corporativo assumia
nos Estados Unidos. “Não é possível apontar para qualquer instituição nacional
que possa ser descrita com precisão como democrática” – escreveu ele nesse
livro – “certamente não nas eleições altamente gerenciadas e saturadas de
dinheiro, no Congresso infestado por lobistas, na presidência imperial, no
sistema judicial e penal classista e, muito menos, na mídia.”
O totalitarismo invertido é
diferente das formas clássicas de totalitarismo. Ele não encontra a sua
expressão em um demagogo ou líder carismático, mas no anonimato sem rosto do
Estado corporativo. Esse totalitarismo invertido mantém uma fidelidade aparente
à política eleitoral, à Constituição, às liberdades civis, à liberdade de
imprensa, à independência do judiciário e à iconografia das tradições e da
linguagem do patriotismo americano, mas aproveita em efetivo todos os mecanismos
de poder existentes para tornar o cidadão impotente.
“Ao contrário dos nazistas, que
tornaram a vida incerta para os ricos e privilegiados, que proporcionaram
programas sociais para a classe trabalhadora e os pobres, o totalitarismo
invertido explora os pobres, reduzindo ou enfraquecendo os programas de saúde e
os serviços sociais, regrando a educação para formar uma força de trabalho
insegura, sempre ameaçada pela importação de trabalhadores de baixa
remuneração” – escreveu Wolin. “O emprego em uma economia de alta tecnologia,
volátil e globalizada, afigura-se normalmente tão precário quanto durante uma
depressão à moda antiga. O resultado é que a cidadania, ou o que resta dela, é
praticada sob um estado contínuo de preocupação. Hobbes tinha, pois, razão: quando
os cidadãos se sentem inseguros e, ao mesmo tempo, se veem impulsionados por
aspirações competitivas, eles passam a desejar a estabilidade política e não o
envolvimento cívico, a proteção e não o envolvimento político.”
O totalitarismo invertido, disse
Wolin (…) numa entrevista, constantemente “projeta o poder para cima.” É, pois,
“a antítese do poder constitucional”. É construído para criar instabilidade,
para manter passiva e em desequilíbrio a cidadania.
Ele também escreveu: “A redução e
a reorganização das empresas, o estouro de bolhas, os sindicatos
desestruturados, as habilidades que rapidamente são ultrapassadas, a
transferência de empregos para o exterior, tudo isso cria não apenas medo, mas
uma economia de medo, um sistema de controle cujo poder se alimenta da
incerteza. Porém, segundo os seus defensores, trata-se de um sistema
eminentemente racional.”
O totalitarismo invertido
“alimenta, sim, a política o tempo todo”, disse Wolin, “mas uma política que
não é política”. Os ciclos eleitorais intermináveis e extravagantes, disse ele,
são um exemplo de política sem política.
“Em vez de participar do poder”,
escreve ele, “o cidadão virtual é convidado a ter “opiniões”, isto é, a
fornecer respostas mensuráveis a perguntas premeditadas que suscitam respostas
determinadas”.
As campanhas políticas raramente
discutem questões substantivas. Centram-se em personalidades políticas
manufaturadas, em retórica vazia, em relações públicas sofisticadas, em
anúncios artificiais, em propaganda, no uso constante de grupos de teste, de
pesquisas de opinião que visam laçar os eleitores e dizer o que eles querem
ouvir. O dinheiro substituiu efetivamente a votação. Cada candidato
presidencial atual – incluindo Bernie Sanders – sabe bem, para usar as palavras
de Wolin, que “o tema “império” é tabu nos debates eleitorais.” O cidadão é
irrelevante. Ele ou ela não é nada mais do que um espectador, autorizados a
votar, mas, esquecido tão logo o carnaval eleitoral termina e as corporações e
os seus lobistas voltam ao negócio de influir na legislação.
“Se o principal objetivo das
eleições é fornecer legisladores flexíveis para que os lobistas os direcionem,
tal prática merece ser chamada de “deturpada ou clientelística” – escreve
Wolin. Trata-se de um poderoso sistema produtor de despolitização e de redução
da cidadania. Com essa feição, ele apenas pode ser caracterizado como
antidemocrático.”
O resultado, escreve ele, é que
“o uso do poder do Estado é negado ao cidadão comum”. Wolin deplora a
banalização do discurso político, uma tática usada para confundir e fragmentar
o público, deixando-o perplexo, para que o poder corporativo e o próprio
império permaneçam incontestados.
“As guerras culturais parecem
indicar que estão em curso fortes batalhas políticas” – escreve ele. “Na verdade,
não passam de distração. A atenção que recebem da mídia, assim como dos
políticos ansiosos para firmar posição sobre questões não substantivas, serve
apenas para distrair a atenção e para contribuir para uma política
inconsequente.”
“As facções agora no poder podem
operar na suposição de que não precisam mais do chamado público no sentido
amplo de um todo coerente – uma noção tradicional”, disse ele. “Agora, eles têm
as ferramentas para lidar com as disparidades e as diferenças que eles mesmos
ajudaram a criar. É um jogo em que conseguem minar a coesão necessária para que
o público não possa ser politicamente eficaz. E, ao mesmo tempo, criam
diferentes e distintas facções, as quais se põe inevitavelmente em tensão, ou
em desacordo, ou mesmo em concorrência umas com as outras. Deste modo, o
processo político parece mais uma briga do que uma forma de formar maiorias.”
Em regimes totalitários
clássicos, como os do fascismo nazista ou do comunismo soviético, a economia
era subordinada à política. Mas no totalitarismo invertido, o inverso é
verdadeiro – escreve Wolin. “A economia domina a política e com essa dominação
surgem formas diferentes de crueldade.” E, assim, continua: “Os Estados Unidos
tornaram-se a vitrine de como a democracia pode ser gerenciada sem parecer que
foi suprimida.”
O Estado corporativo, disse
Wolin, é “legitimado pelas eleições que controla.” Para extinguir a democracia,
reescreve e distorce as leis e a legislação que outrora protegiam a democracia.
Os direitos básicos são, em essência, revogados por meio de decretos judiciais
e legislativos. Os tribunais e os órgãos legislativos, a serviço do poder
corporativo, reinterpretam as leis para despojá-los de seu significado
original, a fim de fortalecer o controle corporativo e suprimir a supervisão
sobre as corporações.
Ele escreve: “por que negar a
Constituição, como os nazistas o fizeram, se é possível explorar
simultaneamente a porosidade e o poder legítimo por meio de interpretações
judiciais. Pois, protege-se agora as enormes contribuições das campanhas
eleitoras por meio da “Primeira Emenda”; trata-se os lobbies fortemente
financiados e organizados pelas grandes corporações como simples aplicação do
direito do povo de peticionar ao seu governo!”
O sistema norte-americano de
totalitarismo invertido evitará medidas duras e violentas de controle
“enquanto… a dissidência permanece ineficaz” – disse ele. “O governo não
precisa acabar com a dissidência. A uniformidade da opinião pública imposta
através da mídia corporativa faz um trabalho muito eficaz.”
As elites, especialmente a classe
intelectual, foram compradas. “Por meio de uma combinação de contratos
governamentais, fundos corporativos e fundações, projetos conjuntos envolvendo
pesquisadores universitários e corporativos, doações de indivíduos muito ricos,
universidades (especialmente as chamadas universidades de pesquisa), os
intelectuais, os estudiosos e os pesquisadores foram perfeitamente integrados
ao sistema” – escreve Wolin. “Nenhum livro é queimado, nenhum Einstein
permanece na condição de refugiado”.
Mas – adverte – se a população –
constantemente despojada de seus direitos mais básicos, incluindo o direito à
privacidade, cada vez mais empobrecida e desprovida de esperança – tornar-se
inquieta, o totalitarismo invertido se tornará tão brutal e violento quanto os
Estados totalitários do passado. “A guerra contra o terrorismo, com sua ênfase
na segurança interna, presume que o poder do Estado, agora inflado pelas
doutrinas de guerra preventiva e liberado das obrigações constitucionais e das
restrições judiciais, pode se voltar para dentro” – escreve ele. “Confiante de
que, em sua busca doméstica de terroristas, os poderes agora reclamados, tal
como os poderes projetados no exterior, seriam medidos, não pelos padrões
constitucionais comuns, mas pelo caráter sombrio e onipresente do terrorismo
tal como foi oficialmente definido.”
A violência policial
indiscriminada em comunidades pobres de negros e de hispânicos é um exemplo da
capacidade do Estado corporativo “legalmente” assediar e matar cidadãos de modo
impune. As formas mais cruas de controle – da polícia militarizada e da
vigilância por atacado, bem como a polícia funcionando como juiz, júri e
carrasco – é agora uma realidade para a classe baixa e vai se tornando uma
realidade para todos. É preciso começar a resistir à canalização continuada de
poder e de riqueza para os de cima. Somos tolerados como cidadãos, adverte
Wolin, apenas enquanto participamos da ilusão de que vivemos numa democracia
participativa. No momento em que nos rebelamos e nos recusamos a participar
dessa ilusão, o rosto do totalitarismo invertido parecerá o rosto dos sistemas
totalitários do passado.
“O significado da enorme
população carcerária afro-americana é político” – escreve. “O que é mais
notável sobre essa população é que, em geral, ela é altamente sofisticada
politicamente. De longe, é o único grupo social que, ao longo do século XX,
manteve vivo um espírito de resistência e de rebeldia. Nesse contexto, a
justiça criminal é tanto estratégia de neutralização política quanto um canal
de racismo instintivo.”
Em seus escritos, Wolin expressa
consternação pelo fato de que toda uma população foi excluída do mundo das
ideias e das publicações sutis. Ele vê o cinema, assim como a televisão, como
“tirânicos”. Eis que têm a capacidade de “bloquear, eliminar muito do que pode
introduzir qualificação, ambiguidade ou diálogo”. Ele protesta contra o que
chama de “mídia monocromática”, formada por especialistas aprovados pelas
empresas e usados para identificar “os problemas e os seus parâmetros, criando,
assim, uma parede contra a qual os dissidentes lutam em vão. O crítico que
insiste em mudar o contexto é descartado como irrelevante, extremista, como de
“esquerda” – sendo, assim, ignorado completamente.”
A disseminação constante de ilusões
permite que mito em vez de realidade domine as decisões das elites poderosas. E
quando o mito domina, os desastres caem sobre o império, tal como ocorreu nos
quatorze anos de guerra fútil no Oriente Médio. A incapacidade dos Estados
Unidos de reagir às mudanças climáticas ilustram isso. Eis o que Wolin escreve:
Quando o mito começa a governar
os tomadores de decisão em um mundo onde a ambiguidade e os fatos teimosos
abundam, o resultado é uma desconexão entre os atores e a realidade. Estão
convencidos de que as forças das trevas possuem armas de destruição em massa e
capacidades nucleares, que a sua própria nação é privilegiada, que um deus
inspirou os “pais fundadores” e que eles escreveram a Constituição da nação; e
que, ademais, inexiste uma estrutura de classe de grandes e teimosas
desigualdades. Uns poucos, sombrios, mas aparentemente alegres, veem sempre
presságios de que o seu mundo que está vivendo “os seus últimos dias.”
Wolin atuou, no passado, como
piloto e navegador de avião bombardeiro pesado, o B-24, no Pacífico Sul, na II
Guerra Mundial. Ele participou de 51 missões de combate. Os aviões em que
viajou tinham tripulações de até 10 soldados. De Guadalcanal, ele avançou com
as forças norte-americanas que capturaram ilhas no Pacífico. Durante a
campanha, o alto comando militar decidiu dirigir os bombardeiros B-24, os quais
eram enormes e difíceis de voar, além de ter pouca manobrabilidade, contra os
navios japoneses, uma tática que produziu enormes perdas de aviões e de vidas
americanas. O uso do B-24, apelidado de “caixão voador”, para atacar navios de
guerra munidos com armas antiaéreas, mostrou para Wolin a insensibilidade dos
comandantes militares. Eles, alegremente, sacrificaram as tripulações aéreas e
as máquinas de guerra em missões que tinham pouca chance de sucesso.
“Foi terrível” – disse ele a
respeito das ordens para bombardear os navios japoneses. “Tivemos perdas
terríveis, porque essas aeronaves eram grandes e pesadas e, particularmente,
porque tinham de voar baixo para tentar atingir a marinha japonesa – nós
perdemos inúmeras pessoas assim, inúmeras.”
“Tivemos também algumas vítimas
psicológicas… homens, meninos, que simplesmente não aguentavam mais” – disse
ele – “simplesmente não suportavam a tensão de se levantar às 5 da manhã para
continuar a entrar nesses aviões, tomar tiros e depois voltar para descansar
por mais um dia.” Wolin percebeu que os militaristas e os corporativistas
formavam uma coalizão profana para orquestrar a ascensão de um império
americano global no pós-guerra, assim como para extinguir a democracia
americana. Para ele, o totalitarismo invertido era “a verdadeira face da
superpotência”. Aqueles que ganham com a guerra e os militaristas, advogando a
doutrina da guerra total durante o período da Guerra Fria, sangraram o País de
seus recursos. Trabalharam, também, em conjunto para desmantelar as
instituições e as organizações populares, como sindicatos, para descapacitar
politicamente e empobrecer os trabalhadores. Eles “normalizaram” a guerra.
Wolin adverte que, como em todos os impérios, eles eventualmente serão
“eviscerados por seu próprio expansionismo”. Nunca haverá um retorno à
democracia, adverte, até que o poder descontrolado dos militaristas e
corporativistas seja drasticamente reduzido. Um Estado guerreiro não pode ser
um Estado democrático.
Wolin escreve:
A defesa nacional foi declarada
inseparável de uma economia forte. A fixação na mobilização e no rearmamento
inspirou o desaparecimento gradual da agenda política nacional voltada à
regulação e controle das corporações. O defensor do mundo livre precisava do
poder da globalização, expansão das corporações, não uma economia que
promovesse a confiança. Além disso, uma vez que o inimigo era raivosamente
anticapitalista, cada medida que fortalecia o capitalismo era um golpe contra o
inimigo. Uma vez que as linhas de batalha entre o comunismo e a “sociedade
livre” foram desenhadas, a economia tornou-se intocável para outros fins que
não um capitalismo “forte”. Pensa-se, pois, numa fusão entre o capitalismo e a democracia.
Porém, uma vez que a identidade e a segurança da democracia foram identificadas
com sucesso na Guerra Fria e com os métodos para a empreender, o palco estava
pronto para promover a intimidação da maioria no campo da política, à esquerda
e à direita.
O resultado é uma nação dedicada
quase exclusivamente a travar a guerra.
“Quando um governo
constitucionalmente limitado utiliza armas de poder destrutivo horrendo,
subsidia o seu desenvolvimento e se torna o maior traficante de armas do mundo”
– escreve Wolin –, “a Constituição só pode ser usada para servir a esse poder,
em vez de servir à consciência.”
Mas ele continua:
Como o cidadão patriótico apoia
incansavelmente os militares, assim como o seu enorme orçamento dedicado à
guerra, isto significa que os conservadores conseguiram persuadir o público de
que tais gastos merecem um tratamento diferenciado. Assim, o elemento mais
substancial do poder do Estado é removido do debate público. Da mesma forma, o
cidadão norte-americano em seu status de cidadão imperial, sempre desdenhoso da
burocracia, não hesita em obedecer às diretrizes emitidas pelo Departamento de
Segurança Interna, o maior e mais intrusivo departamento governamental da
história da nação. A identificação com o militarismo e o patriotismo, juntamente
com as imagens do poder americano projetadas pela mídia, serve para fazer o
cidadão individual se sentir mais forte, compensando assim os sentimentos de
fraqueza que decorrem de uma economia baseada em excesso de trabalho, força de
trabalho exausta e insegura. O totalitarismo invertido, que é antipolítico,
requer crentes, patriotas e trabalhadores não sindicalizados.
Sheldon Wolin foi muitas vezes
considerado como um pária entre os teóricos políticos contemporâneos. Pois eles
se concentravam na análise quantitativa e no estudo do comportamento, evitando,
assim, o exame amplo das teorias e das ideias políticas. Wolin insistiu que a
filosofia, mesmo aquela escrita pelos gregos antigos, não era uma relíquia
morta, mas uma ferramenta vital para examinar e desafiar os pressupostos e as
ideologias dos sistemas contemporâneos de poder e de pensamento político.
Trabalhar com a teoria política, argumentou, constituía-se “primeiro numa
atividade cívica e, apenas em segundo lugar, acadêmica”. Eis que ela tem um
papel “não apenas como disciplina histórica que lida com o exame crítico dos
sistemas de ideias” – disse – mas também é uma força que “ajuda a moldar as
políticas públicas e as diretrizes governamentais, contribuindo acima de tudo
para a educação cívica e para alcançar os objetivos de uma sociedade mais
democrática, mais igualitária e mais educada.” Em seu ensaio de 1969, Teoria
política como vocação, defendeu esse imperativo, castigando os seus colegas
acadêmicos que concentraram seu trabalho na coleta de dados, assim como em
minúcias acadêmicas. Nesse ensaio, ele escreveu, com sua lucidez habitual e
floreios literários, o seguinte:
Em um sentido fundamental, o
mundo atual é um produto da deliberação como talvez nenhum mundo anteriormente;
um produto de teorias sobre as estruturas humanas deliberadamente criadas, ao
invés de historicamente articuladas. Porém, em outro sentido, a concretização
das teorias no mundo resultou em um mundo impermeável às próprias teorias. As
estruturas gigantes e perpassadas por rotinas desafiam as mudanças fundamentais
e, ao mesmo tempo, apresentam uma legitimidade incontestável, pois os
princípios racionais, científicos e tecnológicos em que se baseiam parecem
perfeitamente de acordo com uma era comprometida com a ciência, o racionalismo
e a tecnologia. Acima de tudo, afigura-se como um mundo que parece ter tornado
a teoria épica supérflua. A teoria, como Hegel havia previsto, assume a forma
de “explicação”. Na verdade, parece que chegou o tempo em que coruja de
Minerva já voou.
A obra-prima de Wolin, Política
e visão, de 1960, tem como subtítulo “A continuidade e a inovação no pensamento
político ocidental”, baseou-se num vasto estudo de teóricos políticos e de
filósofos, incluindo Platão, Aristóteles, Agostinho, Immanuel Kant, John Locke,
John Calvin, Martinho Lutero, Thomas Hobbes, Friedrich Nietzsche, Karl Marx,
Max Weber, John Dewey e Hannah Arendt. O seu objetivo foi o de refletir, a
partir deles, sobre a realidade política e cultural contemporânea. A sua
tarefa, como afirmou no final do livro, era a de “nutrir a consciência cívica
da sociedade” na “era da superpotência”. O imperativo de amplificar e de
proteger as tradições democráticas das forças contemporâneas que tentam
destruí-las permeou todo o seu trabalho, incluindo seus livros Hobbes e a
tradição épica na teoria política3 e Tocqueville
entre dois mundos: a realização de uma vida política e teórica4
1 Tradução
de Democracy Incorporated: Managed Democracy and the Specter of Inverted
Totalitarianism.
2 Tradução
de Politics and Vision.
3 Em
inglês: Hobbes
and the Epic Tradition of Political Theory.
4 Em
inglês: Tocqueville between two words: the making of a political and
theoretical life.
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