Grupos de justiceiros vêm
"patrulhando" áreas de cidades alemãs que supostamente não contam com
presença regular da polícia. Mas analistas apontam que os motivos dos
participantes da iniciativa são mais tenebrosos.
Um grito rompe o silêncio de uma
tarde de terça-feira em frente à Catedral de Berlim, no centro da cidade.
"Ei, você!", grita Oliver Niedrich, um patrulheiro de uma milícia
local, antes de perseguir duas mulheres que pediam esmolas. Ele acredita que
elas são batedoras de carteiras, mas não fornece provas.
As mulheres fogem antes que
Niedrich as apanhe. Mas a perseguição é suficiente para atrair a atenção de
espectadores nervosos – e policiais que patrulham a área.
"Às vezes, encontramos
pessoas que não gostam particularmente muito de nós", afirma Niedrich,
depois de a polícia checar sua identificação e mandá-lo embora. "A polícia
vem por nossa causa, mas nós não nos importamos – pelo menos eles vêm para a
área."
Ele sabe que suas ações –
incluindo a utilização de coletes vermelhos que dão um ar oficial – são
tecnicamente legais, desde que não resultem na detenção de alguém ou envolvam
violência.
Niedrich é um dos cerca de 20
milicianos em Berlim que fazem parte da iniciativa "patrulha cidadã".
Em grupos de dois ou três, os homens vestidos com coletes vermelhos patrulham
bairros na capital alemã onde pequenos delitos são frequentes.
A iniciativa se chama
"Estabelecendo zonas de proteção" (Schafft Schutzzone, em alemão). É
abreviada por "SS", o que na Alemanha traz imediatamente à mente
a famosa "SS" da era nazista – organização paramilitar
"Esquadrão de Proteção" (Schutzstaffel, em alemão) que perseguiu
milhões de pessoas e foi diretamente responsável por genocídios. Niedrich rejeita
qualquer ligação.
Iniciativa de extrema direita
A iniciativa "Estabelecendo
zonas de proteção" foi lançada pelo Partido Nacional-Democrático
(NPD), uma legenda de extrema direita da Alemanha que abriga vários
neonazistas. A organização diz que as áreas patrulhadas são muitas vezes regiões
turísticas populares, bem como aquelas que tiveram um aumento do número de
imigrantes.
"Muita coisa mudou com o
fluxo de estrangeiros", afirma Sebastian Schmidtke, vice-presidente do NPD
em Berlim, que organiza a milícia. "Essa é, infelizmente, a realidade. E
você não pode fechar os olhos para a realidade."
Schmidtke tem várias condenações
penais por "incitação ao povo", um crime de ódio frequentemente
aplicado em casos de negação do Holocausto e insultos raciais, religiosos ou
étnicos.
Porém, sua declaração esbarra com
os fatos: na realidade, de acordo com dados oficiais, a criminalidade está
caindo de forma generalizada tanto em Berlim como em toda a Alemanha.
Juntamente com o fato de que a
presença da polícia aumentou, os formuladores de políticas públicas e analistas
estão preocupados que o número crescente de milícias em toda a Alemanha tenha
objetivos mais tenebrosos do que eles deixam transparecer: intimidar os
estrangeiros e manipular o medo dos alemães para obter ganhos
políticos.
As milícias cidadãs não são um
fenômeno novo na Alemanha. Após a Reunificação da Alemanha, em 1990, os
governos regionais, especialmente dos novos estados rurais do leste do país,
aplaudiram as iniciativas dos cidadãos para manter a paz em suas cidades.
Mas o fluxo de refugiados e
requerentes de asilo em 2015 trouxe uma nova dinâmica à prática, afirma Berndt
Wagner, criminólogo e diretor da Exit Deutschland, uma organização sem fins
lucrativos que auxilia as pessoas a saírem de grupos neonazistas.
"As pessoas ficam inflamadas
devido à perspectiva de criminalidade nas mãos de estrangeiros e um declínio
das circunstâncias – apesar do fato de que a criminalidade parece ter se
estabilizado", sublinha Wagner.
Em 2018, a criminalidade em todo
o país caiu 3,5%, especialmente em relação a abusos sexuais, roubos e fraudes,
de acordo com estatísticas nacionais. Só em Berlim, os casos de batidas de
carteiras caíram 26,2% em 2018.
O número de perpetradores não
alemães em Berlim mal se mexeu ao contabilizar pequenas violações da lei de
imigração, e as estatísticas federais indicam que o número de policiais
empregados atingiu um pico de duas décadas em 2017.
Dados esses números, não é a
criminalidade que os alemães temem, mas sim uma sociedade diversificada, afirma
Wagner. É por isso que esses grupos de milícias – que podem se reunir
legalmente, mas não podem prender suspeitos se não forem atacados – atraem ideólogos
de extrema direita. Alguns os veem como "equipes de limpeza" da
sociedade.
"O NPD está entrando no
espírito público para seguir suas políticas", conta Wagner.
"Eu realmente não me
importo"
O primeiro subtítulo da
plataforma partidária do NPD em Berlim é "o problema gerado pelos
estrangeiros" e estabelece formas de fechar as fronteiras da Alemanha,
impedir os imigrantes de receber empregos e benefícios sociais e preservar a
identidade nacional alemã.
O site do partido também exibe
imagens de suas patrulhas, sobrepostas com slogans como "proteja os
alemães!" e "alemães ajudando alemães!". Múltiplas tentativas de
dissolver ou banir o partido completamente falharam nos tribunais.
Mas a seção berlinense do
Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV) – a agência de segurança
interna da Alemanha – tem observado de perto as milícias do partido desde que
elas começaram a se formar em 2018, confirmou um porta-voz. No início deste
mês, o governo declarou que essas milícias tinham "potencial para o terrorismo
de direita".
"É ingênuo nos comparar com
terroristas", afirma Schmidtke, enquanto espera que seus colegas regressem
de uma perseguição a duas mulheres de pele escura. "Estamos fazendo uma
patrulha, dando uma olhada ao redor [para garantir] que a área está
segura", frisa.
As pessoas reagem positivamente
às suas patrulhas, insiste Schmidtke. De fato, pouco antes da chegada da
polícia, um funcionário de um estabelecimento veio agradecer-lhes.
Cerca de 300 membros do partido
realizam “patrulhas” em quase todos os estados alemães, afirma Schmidtke. Em
Berlim, eles receberam até pedidos de pais para levar seus filhos à escola.
"Pessoalmente, eu não me
importo como eles nos chamam", frisa Schmidtke. "Nós estamos fazendo
por convicção e vemos isso como uma coisa razoável para ser feita. Se isso é
'extremismo de direita', eu realmente não me importo."
Mas uma aposentada de 65 anos de
Berlim, que viu a cena em frente à Catedral da cidade, diz que sim. "Claro
que há pessoas em todos os lugares que te querem roubar", conta Gabrielle,
que se recusou a dar seu sobrenome por questões de privacidade. "Mas
proteção extra para isso? Não, obrigado."
Mas nem todos se sentem tão
seguros quanto Gabrielle. Um estudo sobre os maiores medos da sociedade alemã
divulgado no início deste ano pelo Centro de Ciências Sociais de Berlim mostrou
que um em cada três entrevistados temia "infiltração estrangeira" por
causa do grande número de imigrantes. Mais da metade temia a criminalidade.
As patrulhas do grupo estão
obviamente "polarizando", afirma Oliver Niedrich, um pouco sem fôlego
após a sua recente perseguição. "Mas sabemos exatamente quem somos."
Austin Davis (fc) | Deutsche
Welle
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