Manuel Carvalho Da Silva*
| Jornal de Notícias | opinião
Estão aí as discussões sobre o
salário mínimo nacional (SMN) e sobre política de rendimentos, temas que tenho
pontualmente tocado neste espaço, mas que merecem aprofundamento.
O Governo parece querer fazer a
gestão destes dois dossiers confinada ao espartilho da agenda e dos
equilíbrios/desequilíbrios da Concertação Social. Tenho como certo que, se o
debate e compromissos não forem muito para além desse espaço, não teremos
acordos a puxar pelo desenvolvimento do país e das condições de vida da
generalidade dos portugueses, mas sim a consolidar travagens.
O SMN pode ser atualizado ano a
ano mas essas atualizações devem inserir-se numa estratégia, onde não cabe mais
a estagnação salarial que ainda marcou a última legislatura. O Governo, até
agora, limitou-se a perspetivar um valor do SMN insuficiente para 2023 (750
euros), sem nada avançar de concreto sobre cinco grandes desafios cruciais para
o país, que balizarão muito os conteúdos de uma verdadeira política de
rendimentos: i) subida generalizada dos salários associada a rápida melhoria
das qualificações e das carreiras profissionais; ii) alteração cirúrgica de
mecanismos estruturais e legais que sustentam a injusta distribuição do
rendimento do trabalho, condição necessária para se concretizar o aumento geral
dos salários; iii) combate ao enviesamento e enfraquecimento das estruturas
produtivas e incremento de atividades com maior valor acrescentado e emprego
qualificado; iv) melhoria das mobilidades/transportes e da gestão do
território; v) valorização e qualificação dos serviços públicos e dos seus
profissionais, sendo imperioso que o Governo encare duras realidades que entram
pelos olhos dentro de qualquer cidadão português atento: o SNS continua a
degradar-se perigosamente e a escola portuguesa debate-se com bloqueios em
vários patamares.
A política de rendimentos não é
um exclusivo da Concertação Social. O que ali (por direito) for discutido tem
de ser bem balizado pelo Governo e também pelo Parlamento. Acresce que a nossa
Concertação é muitas vezes mal municiada pelo Governo e influenciada pela
estreita solidariedade dos afetos, está refém de representantes patronais que
continuam a reclamar do Estado "contrapartidas", nomeadamente pelo
cumprimento do SMN como se este fosse um subsídio social, e por práticas de
parte dos representantes dos trabalhadores viciada em cortar as unhas até ao
sabugo antes de ir à luta, para não magoar o adversário.
Hoje, o primeiro-ministro e
vários setores patronais reconhecem que há escassez de mão de obra. Chegámos a
esta situação em resultado dos salários de miséria para a maioria de quem
trabalha, do enfraquecimento da negociação coletiva, do aumento do emprego num
quadro de enorme redução da população ativa decorrente da emigração.
Enquanto alguns empresários
afirmam ser necessário romper com este quadro, surgem múltiplos interesses
patronais, instalados na matriz de baixos salários e na pedinchice ao Estado, a
recearem que a concorrência interempresas possa desencadear uma "tendência
altista" dos salários e toca de se precaverem com a reclamação de acordos
travão, quer no SMN quer na política de rendimentos.
Está nas mãos do Governo a
possibilidade de impedir esses oportunismos e de construir propostas e gerar
maiorias políticas que promovam o desenvolvimento do país.
*Investigador e professor
universitário
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