Depois das perguntas do DN, o
governo decidiu viabilizar a lei que estava "bloqueada" no Conselho
Europeu há dois anos.
O assunto estava
"bloqueado" no Conselho há muito tempo. Desde julho de 2017, data em
que o Parlamento Europeu aprovou, com emendas, a proposta lançada pela Comissão
em abril de 2016, que não havia condições para que o Conselho desse luz verde à nova
legislação sobre transparência fiscal das multinacionais.
A lei prevê, entre outras coisas, que as multinacionais tornem públicas informações sobre o local
onde realizam os seus lucros e onde pagam os seus impostos na União
Europeia, país por país. E terão de divulgar, também, pormenorizadamente, a
atividade que praticam nas "jurisdições fiscais que não respeitam as
normas de boa governação fiscal" (os chamados paraísos fiscais).
Por várias razões, os Estados
europeus divergiam sobre a necessidade de se aprovar tal legislação (que a
Comissão e o Parlamento queriam). A favor da lei da transparência estavam a
Espanha, a França e a Itália, por exemplo. Contra estavam os Estados que mais
beneficiam com as operações de planeamento fiscal das grandes empresas, como o
Luxemburgo, a Irlanda e Malta. E era ao lado deste grupo que Portugal aparecia, graças a uma
leitura "jurídica" do processo.
Por isso, o governo de
António Costa foi acusado por um deputado alemão dos Verdes, Sven Giegold, de
estar "a proteger os evasores fiscais". "Com as suas
preocupações legais, o governo português está a proteger os evasores fiscais.
As preocupações manifestadas quanto à base jurídica estão, de facto, a matar a
proposta da Comissão. A unanimidade dos Estados membros da UE para a transparência
fiscal pública das grandes empresas nunca será alcançada e não é
necessária", criticou Giegold, em declarações ao DN, na passada sexta-feira.
Duas mudanças rápidas
Mas, nesse mesmo dia, a posição
portuguesa mudou. As dúvidas jurídicas, que levavam o país a fazer parte de uma
"minoria do bloqueio" no grupo de representantes permanentes no
Conselho (Coreper), foram ultrapassadas. Na última reunião deste grupo, na passada sexta-feira, 22,
Portugal votou ao lado dos países que defendem a diretiva, ou que permitem que
ela seja apreciada e votada como "assunto interno", ou seja, sem a
obrigatoriedade de ser aprovada por unanimidade.
Foi uma mudança significativa -
desde logo porque Portugal defendeu, até essa data, a unanimidade, por se
tratar de uma matéria fiscal, mas também porque ao mudar a sua posição acabou a
"minoria de bloqueio" que impedia a lei de continuar o seu caminho.
Por isso, na próxima quinta-feira, em Bruxelas, o Conselho de Ministros da
Economia vai discutir a sua aprovação. E, segundo garante ao DN fonte oficial
do ministério liderado por Pedro Siza Vieira, Portugal vai votar a favor da
diretiva.
Essa é outra novidade recente. Na
quarta-feira da semana passada, o DN enviou perguntas sobre o sentido de voto
do país à Reper (representação permanente em Bruxelas) e ao Ministério das
Finanças (por ser uma matéria relativa a impostos). O governo decidiu que a
resposta deveria ser dada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, que
comunicou ao DN, na noite de quinta-feira, que Portugal ainda não decidira como
votaria. "No âmbito desta discussão, Portugal tem tido uma postura de
observação atenta da argumentação dos Estados membros e da Comissão, não tendo
havido qualquer tomada de posição até ao momento, nem qualquer matéria a que se
tenha obstado."
Em nenhum momento, a Reper
considerou útil informar o que defendia, em nome de Lisboa, nas reuniões sobre
este assunto. Mesmo com as perguntas enviadas pelo DN: quem é o representante
de Portugal nas reuniões sobre a diretiva CBCR? Qual é a posição de Portugal
sobre a proposta de diretiva? O porta-voz dos Verdes, Sven Giegold, inclui
Portugal entre os países que têm bloqueado, no Conselho, a aprovação da
diretiva: esta informação é correta?
Ao não responder, a Reper
pretendeu manter secreta uma posição que, a todos os títulos, deveria ser
pública. Como vota um país num órgão legislativo da UE é, evidentemente,
uma informação pública, como
já defendeu a provedora Europeia, Emily O'Reilly. Mais estranho se torna
este caso quando o DN manteve contactos, por escrito, na sexta-feira 22, com a
Reper, até às 17.00, bem depois de terminar a votação em que Portugal deixou de
se opor ao voto maioritário (e não unânime) do Conselho.
BE quer audição
"urgente"
Esta é uma das razões que
levaram, nesta terça-feira, a deputada Mariana Mortágua (BE) a pedir uma "audição urgente" ao governo sobre esta
matéria. Não só por Portugal não ter estado entre os defensores do conteúdo
"político" da diretiva mas também porque o "método" de
decisão em Bruxelas é "opaco". "À questão de princípio acresce
ainda um problema de método, uma vez que todo este processo de (não) tomada de
posição pelo governo português e de alinhamento com os argumentos dos países
que se opõem à diretiva ocorreu de forma opaca. Desde 2017, ano em que a
iniciativa foi aprovada pelo Parlamento Europeu, o governo não forneceu
qualquer informação sobre esta matéria ou sobre a sua posição nas negociações
ao Parlamento português ou aos cidadãos. No dia 22 de novembro de 2019, o tema
foi incluído na agenda de uma reunião de um grupo de trabalho do Conselho sobre
impostos, sem que em Portugal se saiba quem são os representantes do governo
português e qual a posição que defenderam em sede de negociações. Este método
de atuação a nível europeu, pautado pela opacidade, não pode ser tolerado em
qualquer situação."
Entretanto, o assunto passou
a ser da competência estrita do ministro da Economia, Siza Vieira. Ultrapassadas
as dúvidas jurídicas que existiam, seguiu-se a avaliação "política"
do tema. E a garantia oficial, agora, é que Portugal votará a favor da diretiva.
Paulo Pena | Diário de Notícias
| Imagem: © Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens
Sem comentários:
Enviar um comentário