sábado, 14 de dezembro de 2019

Brexit | O voto vítima de violência


Inês Cardoso *| Jornal de Notícias | opinião

Descrita numa das muitas reportagens sobre os resultados das eleições britânicas, a imagem da mulher vítima de violência doméstica é uma das mais eficazes para ajudar a interpretar o que aconteceu.

A exaustão levou a melhor, como quando uma mulher agredida prefere acreditar que o marido vai mudar, apenas para ter um pouco de paz. Três anos e meio de impasse em relação ao processo de saída da UE deixaram o Reino Unido profundamente dividido e tomado pela frustração. Um sentimento a que Boris Johnson respondeu com um slogan de extrema eficácia: "Get Brexit done".

O Brexit, contudo, não explica tudo e é essencial analisar a responsabilidade pessoal de Jeremy Corbyn. Pela falta de clareza em relação ao processo e ao prometido segundo referendo, pela conotação que lhe foi colada de posicionamento "muito à esquerda", pela pobreza da imagem e do discurso mesmo quando poderia ter capitalizado as fragilidades de um governo altamente disfuncional.

A votação dos trabalhistas, a pior desde 1935, é tão importante para ler os resultados como a vitória sonora dos conservadores, a maior desde a terceira vitória de Margaret Thatcher, em 1987. Os britânicos votaram contra o que não gostaram, mais do que por uma agenda positiva. O que merece reflexão e ajuda a explicar o crescimento de fenómenos que frequentemente minimizamos ou temos dificuldade em compreender.

Agora entramos no tempo de descobrir se Boris Johnson é, como mostra ser, muito mais inteligente e capaz de liderar do que Donald Trump. Já se percebeu o quando, fica a faltar o como do Brexit. E os termos da negociação fazem toda a diferença, sobretudo no plano comercial, numa altura em que Trump lhe acena com um acordo com os EUA. Há ainda outro risco, o da desunião interna. Mas esse, no fundo, tem sido o estado de alma do Reino Unido.

*Diretora-adjunta

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