É sinal dos tempos que as
mentiras triunfem. Os britânicos, novamente, decidiram dar um voto de apoio à
saída do país da União Europeia. Isso definirá o futuro papel do Reino Unido no
mundo. Uma transformação histórica.
Robert Mudge (rpr) | opinião
Bem, todo mundo sabia que
isso ia acontecer, não?
Só para pôr em perspectiva:
a última vez em que os conservadores obtiveram uma vitória tão esmagadora no
Reino Unido foi em 1987, com Margeret Thatcher. Ela, que tão alegremente
empunhava a sua bolsa contra a UE, proferindo frases como "queremos o
nosso dinheiro de volta".
Desta vez, tudo se resumiu às
seguintes palavras: "Vamos concluir logo o Brexit." Só que isso
não vai acontecer num futuro previsível.
É um sinal dos tempos em que
vivemos que as mentiras, as promessas não cumpridas e o racismo mal dissimulado
triunfem sobre o conteúdo e a política. Educação, crime, desabrigados e um
serviço nacional de saúde moribundo – nada importa quando se atravessa uma
parede com uma escavadeira ou se esconde em uma geladeira, como Johnson
fez. Isso é muito mais atraente para o eleitorado.
Boris Johnson adotou quase todos
os truques do livro de jogo de Donald Trump. E ninguém se indignou. Ele
continuará a mentir que a saída do Reino Unido da UE será fácil e rápida e que
um acordo comercial estará em vigor até o final do período de transição, em
dezembro de 2020. Só para lembrar: a UE e o Canadá demoraram sete anos para
finalizar seu acordo comercial.
Então, onde é que a coisa deu
errado para os trabalhistas? A resposta é simples: Jeremy Corbyn. Talvez nunca
tenha havido um líder trabalhista mais desprezado e polarizador. Será que ele
realmente pensou que poderia fazer barulho como fez nas eleições de 2017,
quando conseguiu evitar uma maioria dos conservadores de Theresa May?
Corbyn não terá escolha, senão
renunciar, como último serviço a seu partido. Ele já disse que não vai liderar
a legenda nas próximas eleições. Algo que ele, na verdade, já deveria ter
considerado fazer para esta eleição.
Devastadoramente, os trabalhistas
perderam para os conservadores em redutos eleitorais – o chamado muro
vermelho: grandes áreas do Norte da Inglaterra pós-industrial, onde os
cortes de austeridade dos conservadores paralisaram a sociedade e a economia,
tornando os pobres ainda mais pobres.
O partido de Corbyn atribui o
resultado das eleições ao cansaço gerado pelo Brexit. Isso é fácil, ainda que a
ambiguidade do seu líder sobre o assunto não tenha ajudado. É necessário um
exame de consciência sério quando um manifesto, como o lançado pelos
trabalhistas antes desta eleição, que poderia ter gerado uma revisão de
uma economia e uma sociedade arruinadas por anos de má gestão conservadora, não
provoca praticamente nenhum tremor político.
O partido está em farrapos e
caminha para o esquecimento, tal
como o Partido Social-Democrata aqui na Alemanha.
De forma deprimente, foi mais uma
competição de impopularidade do que uma eleição – e Johnson conseguiu vencer o
desafio de ser o menos odiado. Alguém no seu perfeito juízo esperava que ele
cumprisse as suas promessas? Dificilmente, mas os eleitores estavam mais
preocupados com as promessas feitas por Corbyn.
O que mais dói, no entanto, é o
dano irreparável que este resultado terá num país já profundamente dividido e
polarizado.
É um reino desunido. A Escócia
parece ter dado ouvidos ao apelo do líder do Partido Nacional Escocês (SNP)
para que a legenda retome o controle – parece que ela ficará com 48 dos 59
assentos aos quais os escoceses têm direito na Câmara. Haverá, assim, um grande
impulso a favor de um segundo referendo sobre a independência escocesa.
O governo conservador vai, claro,
opor-se a tal medida. A batalha parece já anunciada, com o chefe do governo
escocês, Nicola Sturgeon, dizendo que Johnson não tem mandato para
retirar seu país da UE. Será que os nacionalistas irlandeses, que fizeram
mais progressos do que os sindicalistas pró-britânicos pela primeira vez,
insistirão numa votação para se separarem do Reino Unido?
O resultado desta eleição
definirá o futuro papel do Reino Unido no mundo. E marca uma transformação
histórica da política britânica, que vai repercutir no país durante vários anos
ainda.
Robert Mudge (rpr) | Deutsche
Welle | opinião
Sem comentários:
Enviar um comentário