sábado, 14 de dezembro de 2019

Hungria dá mais um passo em direção à ditadura


Parlamento húngaro aprova uma série de leis antidemocráticas visando calar e limitar ainda mais a oposição. É preciso não se iludir a respeito de Viktor Orbán, opina o correspondente da DW Keno Verseck.

Há pouco, talvez nada, que seja mais importante para o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, do que ser o real número um no poder e no Estado. Por isso, ele considera as derrotas eleitorais como algo muito pessoal. Após a eleição de 2002, em que perdeu surpreendentemente, Orbán disse uma de suas frases mais famosas: "A pátria não pode estar na oposição!"

Pátria, nesse caso, significava seu partido, seus eleitores e acima de tudo, ele próprio. Em seus círculos mais próximos, diz-se que a derrota o atingiu traumaticamente, mergulhando-o numa crise pessoal. Consta também que ele jurou a si próprio fazer todo o possível para, caso se tornasse novamente chefe de governo, impossibilitar a própria saída do poder.

Agora isso aconteceu novamente: pela primeira vez em 13 anos, Orbán sofreu uma derrota eleitoral. Em outubro, o partido Fidesz de Orbán perdeu as eleições locais de forma inesperada e sensível. Embora tenha conseguido manter sua base eleitoral genérica e tenha se saído bem principalmente nas áreas rurais, a perda de votos em muitas das principais cidades do país, incluindo Budapeste, foi de grande importância simbólica. Pois o sistema Orbán, com seus numerosos e pequenos mecanismos para paralisar a oposição, era considerado praticamente impossível de derrotar. Pôde-se perceber o quanto a derrota doeu no premiê, que antes da eleição desdenhara bastante da oposição, tachando-a de "chorona".


Agora Orbán contra-ataca, para imunizar ainda mais a si mesmo e a seu sistema, intitulado "Ordem da Cooperação Nacional", contra a perda de poder. Uma expressão disso são as novas disposições legais que o Parlamento Húngaro está aprovando neste início de dezembro. Elas variam de restrição à formação de bancadas partidárias no Parlamento, passando por maiores opções de controle no setor cultural até novos cortes na soberania fiscal dos municípios. Particularmente drásticos são os novos regulamentos sobre possíveis infrações administrativas de membros do Parlamento durante as sessões. São tão amplos e dão ao presidente do Parlamento tanto poder e tantas opções de sanções financeiras, que ele pode praticamente amordaçar a oposição.

E isso num Parlamento que, após alterações em seu regulamento interno nos anos 2013 e 2014, se tornou, em grande parte, uma mera máquina de votação, onde o papel da oposição é praticamente decorativo. O presidente László Kövér, um propagandista de teorias de conspiração extremistas de direita, quase não deixa passar uma oportunidade de punir parlamentares da oposição e jornalistas atuantes no Parlamento.

O premiê da Hungria vinha se comportando de maneira relativamente moderada nos últimos meses. A principal razão é que ele queria garantir para seu país o cargo de comissário da Ampliação da UE, um dos postos de mais repercussão pública da Comissão Europeia, que lhe dá muita margem de manobra em sua política para os Bálcãs Ocidentais e em seu apoio aos líderes autoritários da região. Nessa manobra, Orbán teve sucesso.

Desde o dia em que Olivér Várhelyi foi confirmado como novo comissário para Ampliação da UE, Orbán reativou sua metralhadora giratória: contra o bilionário Soros, contra a sociedade civil e a oposição, contra o Ocidente moralmente decadente e liberal, com palavras ou com leis. Isso mostra novamente que não é recomendável nutrirem-se ilusões a respeito de Orbán: a transformação antidemocrática da Hungria continuará; Orbán empurrará ainda mais os limites de sua pseudodemocracia em direção a um sistema autoritário e ditatorial.

A apreciação de Orbán pela UE e seus valores fundamentais fica evidente quando se vê o Parlamento da Hungria ser degradado mais uma vez justamente nesta terça-feira, quando Bruxelas debate sobre os procedimentos disciplinares contra a Hungria por violações do Estado de direito, segundo o Artigo 7º do Tratado da União Europeia.

Keno Verseck (md) | Deutsche Welle | opinião

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