Os cotrins figueiredos e os
venturas são faces da mesma perigosíssima moeda. O fascismo está sempre no
horizonte dos liberais, se a desenfreada exploração capitalista for posta em
causa.
Manuel Augusto Araújo |
AbrilAbril | opinião
As intervenções de dois dos
novos partidos com representação na Assembleia da República (AR), Chega e
Iniciativa Liberal, são bem elucidativas da sua raiz, que os faz percorrer, por
caminhos diversos, o objectivo comum de pôr em prática políticas económicas
e sociais para que a exploração desbragada do capital sobre o trabalho não
conheça fronteiras. Há quem lhes cole o selo edulcorado de extrema-direita para
não os identificar com o que na realidade são: fascistas. O que também é uma
forma de não reconhecer que o fascismo, nas diferentes expressões, é o alfa e o
ómega do capitalismo.
Brecht afirmou-o com clareza, «o
fascismo é a verdadeira face do capitalismo». Como fascista é, nos nossos dias,
um termo pejorativo, não têm a coragem de se apresentarem como fascistas e os
regimes fascistas são objecto de branqueamento. Uma desonestidade que faz jus à
desonestidade dos seus protagonistas e dos seus argumentários. Da Alemanha nazi
de Hitler ao Chile de Pinochet, não esquecendo a Itália de Mussolini, a Espanha
de Franco, o Portugal de Salazar, outros poderiam ser referidos, o fascismo,
adaptando-se às circunstâncias internas e externas, tem o traço comum da
promiscuidade das grandes empresas com o Estado, favorecendo-as,
subsidiando-as, cartelizando o sector privado, apoiando-o com violentas
políticas repressivas.
O deputado do Iniciativa Liberal
(IL), Cotrim Figueiredo, e o do Chega, André Ventura, apresentam-se como
democratas travestindo o fascismo que é a sua marca. Álvaro Garcia Linera, com
lucidez afirma que «num momento de crise, por trás de qualquer liberal moderado
há um fascista». Refira-se que Garcia Linera é o vice-presidente da Bolívia
deposto por um recente golpe de estado que ainda não mereceu condenação pela
ONU, União Europeia (UE) ou pelo nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, sempre tão
lesto e interventivo desde que em linha com os EUA, o que os torna
objectivamente cúmplices do fascismo que emerge com dureza e crueldade nesse
país. O que também não é uma novidade nas políticas demo-liberais, recordem-se
as tergiversações dos sociais-democratas da República de Weimar que conduziram
os nazis ao poder ou as submissões de Chamberlain e Daladier a Hitler.
As últimas intervenções destes
dois deputados são sintomáticas. André Ventura, experimentado nos debates
futeboleiros, usa o estilo de atirar a bola para a frente sabendo que, diga o
que disser e como disser, o que conta é o ter chutado primeiro, que é esse
chuto que vai ficar nas retinas. As suas últimas intervenções, uma dentro e outra
fora da AR, são ilustrativas.
Na manifestação das forças
segurança aparece na AR envergando uma t-shirt do Movimento Zero, um movimento
até agora sem rostos (é anónimo, dizem. Quem encomendou as t-shirts? Não deixam
nas rasto nas redes sociais? Com que cumplicidades contam? Qual o passo
seguinte? Onde já vimos isto?) que trouxe para o exterior quando os
eufemisticamente chamados de radicais lhe deram palanque para fazer afirmações
desabusadas atirando-se ao «sindicalismo tradicional», subvertendo as justas
reivindicações das associações sindicais das forças de segurança para fazer
propaganda e incitar subrepticiamente (até quando?) à violência.
A 13 de Novembro, usando as
prerrogativas de deputado, na sua primeira intervenção na AR, fez declarações
incendiárias sobre a compra de equipamentos pelas forças de segurança, a
expensas pessoais, para suprirem as que o Estado não garantia. Foi contestado
pelo primeiro-ministro. Sete dias depois afirmou que«tivemos aqui nesta casa um
primeiro-ministro que mentiu aos portugueses» enquanto exibia um lote de
facturas que dizia ser de coletes anti-balas, algemas, latas de gás pimenta,
que iria disponibilizar aos deputados dos outros partidos. Até hoje não o fez.
Quando um jornal lhe solicitou cópias das facturas, o assessor do senhor
deputado enviou algumas que não comprovavam as afirmações.
André Ventura não precisa de
mudar de informador como lhe sugeriu António Costa. Ele sabe, até bem de mais,
quem são os seus informadores e pouco lhe interessa que sejam ou não fiáveis. O
que ele melhor sabe, pela sua experiência de comentador desportivo, é que
chutar para a baliza, marque-se ou não golo, seja a bola real ou uma farsa, o que fica na
outiva são as insinuações, verdadeiras ou falsas. São as lições
Goebbels, mal ou bem aprendidas, que correm pelos subterrâneos do Chega.
Cotrim Figueiredo tem outro
estilo correndo na mesma pista. Agora «quer que os custos do empregador surjam
no recibo de vencimento». Apresentou mesmo um projecto de lei que pretende que
«passem a estar plasmados no recibo de vencimento dos trabalhadores por conta
de outrem os custos suportados pela entidade patronal no âmbito das
contribuições para a Segurança Social» (ou seja, os 23,75%, para além dos
11,00% descontados pelos trabalhadores). Um trabalhador que fique a ganhar o
salário mínimo nacional estabelecido para 2020, 635 euros, ficaria a saber
(será que não sabe?) que o seu patrão paga – quando paga, evidentemente –
150,80 euros à Segurança Social.
O que ele não fica a saber é quanto o seu empregador ganha em honorários acrescidos de
outros valores, cartões para pagamentos de despesas, automóveis atribuídos,
combustíveis para os movimentarem, seguros de saúde e outros, etc., etc., para
conhecer a brutal desigualdade que nos torna uns dos países mais desiguais da
Europa. Essa é que seria uma verdadeira medida da transparência que o IL não
quer que seja conhecida porque à transparência diz nada.
O liberalismo, no seu melhor,
nunca confiou na democracia. Mesmo os liberais que aderiram ao reformismo
social-democrata, nos países mais desenvolvidos, fizeram-no sempre com os dois
pés atrás. Nos países periféricos então é um ver se te avias. É ver os elogios
ao Chile de Pinochet e às suas políticas liberais que os cotrins figueiredo
plantam órgãos de comunicação social que, de forma cada vez mais explícita, os
apoia.
Atribuem ao liberalismo todos os
avanços civilizacionais e científicos atropelando todas as evidências,
começando pela do pai do liberalismo, John Locke, justificar a escravatura (Dois
Tratados do Governo Civil, Edições 70), um dos grandes esteios da afirmação do
capitalismo. Para essa gente são os empreendedores, é o empreendedorismo que
fomenta a inovação. Uma mentira ainda recentemente desmentida por Bárbara Reis
no texto «Sem Estado não há Startups»:
«Mariana Mazzucato (...) diz que
“todas as grandes inovações recentes” — dos carros sem condutor à tecnologia de
armazenamento de bateria — “vieram do Estado”. “O que seria da Google sem a Internet e sem o GPS? Nada". Basta
dar um passo atrás. Quem inventou a Internet? Cientistas da Defesa
norte-americana. Quem inventou o GPS? Cientistas financiados pela Marinha
norte-americana e pela NASA. Que ideia essencial usa o GPS? A teoria da relatividade de
Albert Einstein, sem a qual o GPS teria um erro de 11,2 quilómetros. Quem
financiou Einstein durante anos? O Instituto de Estudos Avançados de Princeton.
Quem financia hoje muita dessa investigação? Agências da Administração Trump.
Foi financiamento do Estado que pagou a investigação que permitiu à Apple
inventar os seus melhores produtos; a tecnologia touch-screen baseou-se em
investigação feita em laboratórios financiados pelo governo americano nos anos
1960 e 1970; foi com fundos do Estado que dois cientistas europeus descobriram
a magnetorresistência gigante (que lhes valeu o Prémio Nobel da Física 2007) —
Steve Jobs disse que “foi isso que tornou o iPod possível”. Mazzucato vai mais
longe: “Tudo o que é inteligente no iPhone foi financiado pelo Governo.” Isto é
o que toda a gente sabe. Como é em Portugal? Sendo muito diferente, é muito
igual. O Estado tem um papel fundamental no “ecossistema” onde nascem as
startups. Isso vai do INESC (TEC) (Porto) ao Hub Criativo do Beato (Lisboa),
que não financiam com cash, aos milhões investidos a fundo perdido nas
startups. A formação dos engenheiros do Instituto Superior Técnico de Lisboa
custa 70 milhões de euros por ano, dos quais 50 milhões vêm do Orçamento do
Estado. Noutra escala, mas com a mesma lógica, o MIT recebe “dezenas de
milhares de milhões” de fundos federais de 26 agências do Estado».
Sempre foi assim ao longo dos
séculos e em todos os países do mundo. A investigação fundamental é que faz
avançar a ciência, mesmo enfrentado os poderosos lobbies privados que
pretendem uma investigação aplicada orientada para determinados objectivos industriais,
esquecendo-se o quanto são devedores e o muito que beneficiaram e beneficiam
com a investigação fundamental.
O liberalismo só tem aumentado o
fosso entre ricos e pobres. Vende a ideia que a liberdade do mercado seria mais
igualitária quando não há nada mais desigual do que o tratamento igual entre
desiguais. Desde 1980 os 1% com mais rendimentos capturaram duas vezes mais
ganhos do que os 50% mais pobres. Entre 1988 e 2008, os 10% mais ricos da
população mundial apropriaram-se de mais de 60% de todo o crescimento do
rendimento mundial. Em 2010, 1% dos mais ricos do planeta controlavam 46% de
toda a riqueza mundial. Com tamanha desigualdade de poder económico a
democracia é subvertida. A liberdade dos azevedos, amorins, salgados não é a
mesma de um trabalhador precário, de um trabalhador sujeito à herança da troika
na área das relações laborais ou mesmo dos que se situam nas classes médias.
Os cotrins figueiredos e os
venturas são faces da mesma perigosíssima moeda. O fascismo está sempre no
horizonte dos liberais, se a desenfreada exploração capitalista for posta
em causa, e nunca estão satisfeitos.
Há que sempre relembrar a
assertiva afirmação de um personagem do filme de João César Monteiro, Le
Bassin de John Wayne: «hoje os novos fascistas se apresentam como democratas».
Nos oceanos das democracias, como nos outros, todos bem sabemos que não há
tubarões vegetarianos, com que talvez – talvez – só o PAN sonhe.
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