segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Brasil | Não sobrará muito deste pobre país


Se os progressistas visam a um projeto estratégico, faz-se cada vez mais urgente contar com educação cidadã

No regime de exceção em que vivemos, os demônios interpretam a bíblia em proveito próprio, como William Shakespeare bem previra, há cinco séculos.

De fato, até mesmo o “uti possidetis”, princípio invocado por Rio Branco para defender um nono do território nacional – pretensão de países vizinhos – acabou conspurcado pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região, ao sentenciar que a simples utilização confere a alguém a posse.

Trata-se, evidentemente, de “law fare” – quando a lei é utilizada com finalidade político-partidária; uma prostituição do direito; um vilipêndio da justiça.

Coerentemente – os bordéis não são posse de quem os frequenta mas por eles são mantidos, o “conselheiro” (agente da CIA, na verdade) da “embaixada” dos Estados Unidos da América visitou recentemente a referida repartição, onde foi recebido com sorrisos e fotografias.

Vale recordar que, segundo Edward Snowden – que montou o atual sistema de espionagem eletrônica dos EUA, as embaixadas americanas atualmente nada mais são do que agências de arapongajem (os consulados, inclusive).

Na capital do império decadente, o secretário de Estado, Mike Pompeo, afirmou que o governo dos EUA está pronto a intervir na América Latina para reprimir manifestações. Se havia alguma dúvida sobre a condição neocolonial que o império busca impor à região, as duas intervenções dissipam-nas.

A semana também trouxe a derrota da Frente Ampla no Uruguai. Mais um pleito que confirma a acuidade da análise política de Antonio Gramsci, para quem a cultura se sobrepunha à economia na interpretação social.

De fato, tanto a Bolívia quanto o Uruguai cresciam a taxas altas – para a região, há mais de uma década. Entretanto, ambos os governos foram vítimas de revezes, por meio de golpe de estado e nas urnas, respectivamente.

Portanto, se os progressistas visam a um projeto estratégico para a região, faz-se cada vez mais urgente contar com educação cidadã.

Um projeto que explicite, por exemplo, como o imperialismo busca reduzir-nos à condição de colônia, novamente.

A recusa do sinistro da “educação” (sic) em participar das reuniões de ministros da educação do Mercosul deixa clara a obediência canina do atual desgoverno à cartilha da recolonização, pela qual as relações exteriores devem se limitar à metrópole ou por elas serem mediadas.

Outro ponto que o desgoverno segue à risca é a desindustrialização do país. Após ceder a Embraer praticamente de graça para a decadente Boeing, o desgoverno quer que até a moeda nacional seja impressa por empresa estrangeira, razão pela qual já iniciou a privatização da Casa da Moeda.

O Banco do Brasil, instituição criada por D. João VI, em 1808, também está na mira das privatizações, deixando claro que o projeto é de retornarmos ao período colonial, anterior à chegada da família real – em fuga da Europa – e, por isso, obrigada a revogar algumas das interdições coloniais, como a criação de manufaturas e a emissão de crédito.

Pior, a cessão de território continua: após a cessão de Alcântara aos EUA, serão privatizados o Parque Nacional de Iguaçu (segundo destino internacional no Brasil), os Lençóis Maranhenses e Jericoaquara.

Não sobrará muito deste pobre país.
Aliás, ao “reagir” à imposição de taxação sobre o aço e o alumínio brasileiros, por Trump, o desgovernante disse: “O que fazer, somos pobres”.

Na verdade, pobres são eles, seus eleitores, correligionários, família e milicianos com os quais ele e família mantêm estreitas relações.

De fato, a inexistência de política externa é uma das principais marcas de uma colônia, o que somos atualmente, cabendo indagar se embaixadores e embaixadoras são meros mercenários, pois têm consciência da própria inutilidade.

Outra característica de uma colônia é não contar com política de defesa. Como as colônias da atualidade não podem dizer seu nome – para parafrasear Oscar Wilde e a definição dele de homoafetividade, as forças armadas nacionais foram simplesmente cooptadas pelo invasor, a preço de aumento da remuneração, inclusive aposentadoria integral sem limite de idade, bem ao contrário dos demais servidores, cidadãos e cidadãs do país.

Seria de corar, se já não tivessem sido coniventes com a entrega da Embraer, do pré-sal e demais riquezas, inclusive da Amazônia, sem falar das diárias milionárias embolsadas nas intervenções “fake” no Rio de Janeiro e na Amazônia, pois como diriam os colegas, diária é bom e todo mundo gosta.

Por outro lado, assistimos reação institucional e da sociedade civil: juiz de Brasília sentencia “law fare” e isenta Lula, Dilma e Guido Mantega de processo absurdo. O presidente indicado, racista, da Fundação Palmares é impedido de tomar posse (sim, negros racistas existem); e o esquema de distribuição maciça de “fake news” pelos desgovernantes atuais acaba de ser desmascarado.

O Natal se aproxima, que cessem os genocídios em São Paulo e no Rio; que a denúncia do desgoverno brasileiro de genocídio indígena, ao Tribunal Penal Internacional da ONU, possa ser apreciada no contexto dos genocídios socioeconômicos e raciais que promovem os governadores de São Paulo e Rio; que a justiça volte e que deixemos de ser colônia, para que também a paz possa retornar.

Milton Rondó | Carta Capital

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