Pedro Tadeu | TSF |
opinião
A notícia de hoje do JN e da TSF
sobre as falhas na organização das mensagens por sms dos alertas da Proteção
Civil preocupa-me bastante.
Primeiro, quero sublinhar isto:
temos de ser exigentes com o Estado, não só por ser nosso direito, não só por
pagarmos quantias significativas de impostos, mas sobretudo porque os serviços
que o Estado nos deve prestar só podem ter qualidade e quantidade suficientes
se não tiverem como primeira prioridade a obtenção do lucro. Quando se trabalha
para o lucro, como fazem as empresas privadas, a lógica de funcionamento é
outra e o bem comum é, por isso, mais facilmente sacrificado, por muitas
garantias que os contratos com o Estado assegurem, por muita fiscalização que
se faça ou por muito ação regulatória que se prometa.
Além disso, fiscalizar a
atividade de empresas privadas é mais difícil e menos transparente pois o
direito de sigilo ou de reserva é, por definição, maior.
É por isso que não posso esquecer
que a Proteção Civil falhou dramaticamente nos incêndios de 2017 e que tem na
consciência o peso das quase 100 mortes que então se registaram.
Uma das deficiências da altura
era o sistema de comunicações de emergência designado por SIRESP, que estava
entregue a privados.
O SIRESP não funcionou como devia
e acabou por voltar a ser nacionalizado. O Estado pagou pela nacionalização
sete milhões de euros, apesar ter pago às empresas que tinham a concessão, de
2006 a 2018, 487 milhões de euros por um serviço claramente insatisfatório.
Mais tarde veio o escândalo das
70 mil golas de proteção contra fumos distribuídas por mais de mil aldeias e
que, por um lado, não serviam para nada e, por outro, deram azo a que alguém
ligado ao partido do governo ganhasse 125 mil euros, cuja justificação é mais
do que discutível. O negócio está, aliás, a ser investigad pelo Ministério
Público.
Quanto ao caso de hoje das falhas
nos SMS de alerta à população, segundo a explicação do Jornal de Notícias,
acontece que o Estado paga 900 mil euros por ano às operadoras de
telecomunicações para ter o serviço disponível, usa-o com regularidade durante
o período de incêndios mas este mês, com as cheias e inundações, não o
utilizou.
A explicação dada pela Proteção
Civil é que, nesta altura do ano, não há pessoal suficiente para atender as
milhares de chamadas telefónicas que, a seguir a cada SMS enviado, são feitas
pelos cidadãos para a linha de apoio dos serviços de emergência.
O JN conta que, em 5 de setembro
passado, foi enviado um destes SMS de alerta por causa dos incêndios mas, para
o fazer, a direção da Proteção Civil mandou um e-mail aos funcionários a pedir
a sua participação voluntária no atendimento da linha de apoio.
Não sei avaliar se o problema é
mesmo falta de pessoal ou falta de organização da Proteção Civil. Nem sei dizer,
sequer, se os SMS eram mesmo necessários para prevenir as populações das cheias
e rebentamentos de diques dos últimos dias.
Mas sei avaliar que a Proteção
Civil continua a gastar dinheiro mal gasto, o que é irresponsável e deixa-nos,
pelas experiências anteriores que já relatei, desconfiados.
Quem tomou a decisão de contratar
o serviço de envio de mensagens às operadoras de telecomunicações - MEO,
VODAFONE e NOS - e aceitou pagar, por isso, 900 mil euros por ano, mas não
preveniu a necessidade de organizar os serviços para responderem ao acréscimo
de chamadas telefónicas dos cidadãos, foi certamente incompetente.
Ser incompetente, neste caso, é a
suspeita mais benévola que podemos ter sobre quem manda nesta matéria da
Proteção Civil.
É que se não houve incompetência,
então houve algo de muito mais grave: decidir colocar o Estado a pagar 900 mil
euros por ano a empresas privadas por um serviço que não pode ser efetuado com
eficácia necessária cheira a esturro, atira-nos para a possibilidade da
propaganda demagógica e da negociata esquisita que, infelizmente, tantas vezes
nos surpreende, como aconteceu no caso das golas antifumo.
Depois das mortes de 2017 nos
incêndios, a Proteção Civil foi (e ainda está) a ser reorganizada mas continua
a deixar-nos inseguros sobre a fiabilidade do seu trabalho. Com os cidadãos tão
desconfiados ela não pode falhar, nem nas coisas grandes nem nas mais pequenas.
Para proteger o Estado das suas
próprias fragilidades e para, um dia, não acabarmos por achar boa ideia
privatizar a Proteção Civil, temos de exigir respostas claras às questões
estranhas que esta falha nos SMS de alerta suscitam e a correção imediata dos
erros cometidos... até porque nesta matéria, convém não esquecer, há vidas em
risco.
Bom Natal.
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