terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Para virar os bancos de cabeça para cima


Velhos mitos sobre finanças estão em xeque. Movimentos como o Green New Deal começam a mostrar que é possível apropriar-se da moeda para distribuir riqueza e garantir serviços públicos de excelência para todos

Ann Pettifor, no site do Transnational Institute | Outras Palavras

Foi apenas uma montagem de palavras, inseridas num vídeo no final de 2018. Logo as palavras se tornaram virais. Eles ajudaram a derrubar um membro do Partido Democrata favorável a Wall Street preparado para ser o próximo líder do Congresso dos EUA. Foram proferidos por Alexandria Ocasio-Cortez. 

É uma disputa de pessoas versus dinheiro. Nós temos pessoas. Eles têm dinheiro. Uma Nova York para muitos é possível — e não são necessários cem anos. É preciso coragem política.

Ela estava certa. Não foram precisos cem anos. Bastaram um verão, coragem política, uma grande ideia — o Green New Deal – e duro. Uma nova ordem econômica subordinaria o sistema financeiro aos interesses da sociedade e do ecossistema, e ajudaria a afastar a economia de seu vício em combustíveis fósseis, argumentou Alejandria.

A grande ideia, sua coragem e trabalho duro eram tudo o que era preciso para aproveitar o poder latente: o poder do povo do Bronx.

Sua história irá sustentar o tema que se segue. O poder latente e inexplorado dos cidadãos — em países com sistemas de tributação sólidos — para responsabilizar as elites financeiras e implementar um Green New Deal. Pode ser usado para transformar a correlação de forças entre a sociedade e o setor financeiro privado. Este poder social continua desaproveitado. A classe dominante e endinheirada o reprime. Mas ele também é reprimido pela visão estreita e míope que nós, e nossos políticos, temos sobre poder econômico potencial dos cidadãos.

Para aproveitar o poder dos cidadãos é importante compreender que os contribuintes possuem capacidade de ação [orig: “agency“] sobre os mercados financeiros globais. Em todo o mundo, os contribuintes subsidiam, estimulam e enriquecem centros de poder financeiro como os da Wall Street e da City de Londres.

Os salvamentos de grandes bancos após a Grande Crise Financeira demonstraram que os cidadãos e suas instituições financiadas pelo poder público têm o poder de proteger os rentistas do capitalismo financeirizado da disciplina do “livre mercado”. Graças ao apoio e poder de fogo fornecidos por milhões de cidadãos honestos, os bancos centrais empregaram imenso poder financeiro e resgataram o sistema bancário globalizado — resultando em uma cascata de desalavancagem da dívida que poderia ter contraído a oferta monetária, o crédito e a atividade econômica e aprofundado a crise.

Graças aos contribuintes os banqueiros centrais preveniram outra Grande Depressão. Foi um grande poder empregado em nome dos cidadãos, embora sem sua autorização – ou mesmo seu conhecimento.

Para compreender e empregar esse poder financeiro no interesse da sociedade e da natureza, os cidadãos precisam entender que este poder era e é, em última instância, nosso. É o poder latente, não utilizado pelos cidadãos para defender o interesse público, mas pelos tecnocratas para defender os interesses da riqueza privada.

Dinheiro e Dívida

A razão de nossa impotência política pode ser encontrada na névoa e no mistério que cercam a criação do dinheiro e a operação do sistema monetário. Graças à negligência dos economistasem relação ao dinheiro, às dívidas e aos serviços bancários, há uma grande quantidade de mal-entendidos e confusão sobre dinheiro e o sistema financeiro.

Os argumentos giram em torno de se dinheiro é criado a partir do nada — ou se ouro ou bitcoin são dinheiro real. Se banqueiros e/ou governos podem simplesmente imprimir dinheiro ad infinitum. Ou se há limites para a impressão de dinheiro. A ignorância e a confusão provavelmente não são por acaso. Isso ajuda a proteger o setor financeiro privado do exame público: “É para seu próprio bem”, para citar o lobo no conto de fadas.
As pessoas sensatas (incluindo o Banco da Inglaterra) concordam que o dinheiro, como Joseph Schumpeter explicou, nada mais é do que uma promessa de pagamento, como em “Eu prometo pagar ao portador”. Ou seja, o dinheiro é uma construção social, baseada na confiança ou promessas de pagamento e sustentada pela lei.

Quando alguém solicita um empréstimo, o dinheiro não está no banco. Em vez disso, os bancos comerciais licenciados “criam” dinheiro toda vez que um tomador de empréstimo promete pagar. Eles abrem o crédito digitando números em um computador e (digitalmente) depositando fundos na conta do tomador. Este promete devolver o dinheiro criado pelo banqueiro. Como garantia, o mutuário oferece bens (“colateriais”), em linguagem financeira, assina um contrato e concorda em pagar juros sobre o empréstimo.

Para que a confiança no negócio seja sustentada, as instituições que criam dinheiro (bancos comerciais autorizados) são apoiados e regulados por um Banco Central com respaldo público, que emite a moeda. A regulação garante que a confiança entre o banqueiro e o devedor seja mantida.

Os banqueiros privados só podem criar dinheiro novo e operar efetivamente quando são parte de um sistema monetário — o que inclui um Banco Central. Embora os banqueiros comerciais possam criar digitalmente dinheiro novo a pedido de um tomador de empréstimo, eles não podem imprimir moeda. Apenas o Banco Central pode fazer isso. O grande poder do Banco Bentral é emitir a moeda — dólar, euro, yuan, real — em que o dinheiro novo é criado. E para ajudar a determinar o valor da moeda.

Esse poder só pode ser exercido pelos bancos centrais por causa do colateral que sustenta a moeda que eles criam. Essa garantia é composta pelas receitas fiscais dos cidadãos. Quanto mais contribuintes contribuírem com a moeda, mais sólido o sistema de cobrança de impostos, maior será o valor da moeda.

Esta noção fica mais clara se compararmos a garantia que sustenta o Federal Reserve dos EUA com o do Malawi. O banco central do Malawi, como o Federal Reserve, emite uma moeda. Mas o Malawi tem muito menos contribuintes e poder arrecadatório do que os EUA.

Graças, em grande medida, ao colonialismo e às políticas do FMI, o Malawi também carece de instituições públicas importantes: um banco central independente; um sistema sólido de coleta de impostos; um sistema para fazer cumprir contratos ou promessas de pagamento (justiça civil criminal); e um sistema contábil bem regulado para avaliar ativos e passivos. Consequentemente, a moeda do Malawi — o kwacha — tem pouco valor comparado ao dólar.

Ainda pior: devido à ausência ou fraqueza das instituições públicas, o Malawi depende do dinheiro de outras pessoas — obtido através de outros sistemas monetários. O acesso a sistemas monetários estrangeiros assume principalmente a forma de empréstimos em dólares, libras esterlinas ou ienes – que incluem condições. Embora parte do dinheiro possa beneficiar o povo do Malauí, o custo do pagamento a instituições financeiras estrangeiras invariavelmente invalida os recursos financeiros da nação, seus ativos humanos e ecológicos.

É a falta da autonomia monetária proporcionada por instituições públicas sólidas, incluindo um sistema de arrecadação de impostos, que torna cidadãos em países como o Malawi relativamente sem poder e vulneráveis a credores estrangeiros predatórios. Isso também explica como e por que os países pobres continuam dependentes e subordinados aos países ricos.

Lamentavelmente, o FMI e o Banco Mundial desencorajam ativamente os países de baixa renda a investir nas instituições públicas vitais essenciais a um sistema monetário sólido — que restauraria sua autonomia financeira e econômica.

Cidadãos em países com instituições monetárias e sistemas tributários sólidos possuem um considerável poder potencial e capacidade de agir sobre o sistema financeiro globalizado.
Os constribuintes — não os bancos — sustentam o sistema financeiro

Entender como os impostos sustentam o valor da moeda de uma nação para financiadores privados é um primeiro passo para entender o poder potencial dos cidadãos. Os especuladores e rentistas financeiros globais preferem negociar em moedas sustentadas por instituições públicas estáveis, financiadas e apoiadas por milhões de contribuintes. Embora, é claro, haja negociação em muitas moedas de mercados emergentes, os especuladores preferem manter dólares, libras esterlinas, euros e ienes. Estas moedas são apoiadas por economias fortes. Mas seu valor é, em última análise, derivado dos contribuintes — dispostos, honestos e cumpridores da lei — que fornecem as receitas que sustentam a moeda.

Os contribuintes não apenas pagam impostos diretos e indiretos todos os dias, meses ou anos. Como novos contribuintes nascem todos os dias, os cidadãos pagarão taxas por décadas no futuro. Se nossas instituições estatais financiadas publicamente permanecerem estáveis, os recém-nascidos de amanhã continuarão pagando impostos no futuro.

Para entender a duração do poder do contribuinte, vale a rever a história do sistema financeiro britânico. Em 1748, o governo britânico emitiu bônus perpétuos, que eram dívidas sem data de vencimento para pagamento, mas que pagavam juros aos credores a 3% ao ano. O governo não teve dificuldade em vender esses títulos (conhecidos como “consols“) ao público. A confiança em que o governo britânico cumpriria suas obrigações de pagar juros sobre os empréstimos de modo perpétuo – era alta. Essa confiança foi justificada, já que os juros eram pagos a cada ano até que finalmente foram resgatados, em 2015.

Nenhum outro ativo tem esse tipo de suporte seguro e de longo prazo.

A ambiciosa e manipuladora Becky Sharp, em Feira das Vaidades, um romance satírico britânico do século XIX, escrito por William Thackeray, desejou que pudesse

Trocar minha posição na sociedade e todas as minhas relações por uma quantia confortável em consoles de três por centos … pois assim foi [escreveu Thackeray] que Becky sentiu a Vaidade dos assuntos humanos, e era naqueles títulos que ela teria gostado lançar âncora.

A inveja de Becky derivava da segurança concedida àqueles com fundos suficientes para investir na dívida do governo britânico – conhecida então, e por vários séculos, como Three Per Cent Consols (abreviação de dívida consolidada, ou consolidated). Com uma herança 10 mil libras, mulheres jovens e ricas do século XIX podiam viver com a quantia de 300 libras por ano; 25 mil libras gerariam uma confortável renda de £ 750 por ano.

A dívida pública é um ativo que gera renda — assim como um imóvel comprado com o objetivo de gerar aluguel para seu dono. Mas enquanto um investidor que compra para uma casa para locação tem que suar para manter, anunciar e alugar o ativo, a dívida ganha renda sem esforço para os ricos e para os especuladores. Faz isso pagando juros, a uma determinada porcentagem por ano

Ao contrário de uma propriedade de um investidor, a dívida é leve como o ar, intangível, invisível. A única evidência de sua existência é encontrada em entradas de banco de dados, números em um balanço ou em palavras em um “título de portador”.

As diferenças não terminam aí. Um edifício ou propriedade estão sujeitos às leis da física. Pode envelhecer, desmoronar ou ser destruído. Clubes de futebol são ótimos ativos — porque os torcedores se comprometem a longo prazo, e de bom grado e regularmente pagam “rendas” ao dono do ativo, pelo privilégio de assistir a sua equipe ou pela compra de uma camiseta do clube. Mas os clubes podem perder valor caindo nas tabelas de classificação. Obras de arte — digamos, uma pintura de Rembrandt — são ativos com maior longevidade, mas também tendem a se deteriorar e, de qualquer forma, estão sujeitas aos caprichos da moda.

Não é assim com os títulos do governo de países como a Grã-Bretanha. Enquanto as dívidas soberanas podem ser inadimplentes, as dívidas seguras do governo não apodrecem com a idade, como o professor Frederick Soddy (1877-1956) explicou uma vez. Isso porque as dívidas não estão sujeitas às leis da termodinâmica, mas às leis da matemática. Como tal, a dívida produz, sem esforço, renda para os aplicadores, a taxas matemáticas. E se a dívida é a dívida pública segura de nações como a Grã-Bretanha, os EUA ou o Japão, isso pode prosseguir por longos período de tempo.

O governo inglês tem honrado suas obrigações de dívida desde 1694, sem falhas. Em um mundo de fluxos de capitais globalizados, nos quais o capital flui de uma parte do mundo para outra, o preço dos títulos do governo britânico pode subir e cair, mas sua segurança e longevidade nunca estão em questão. Isso ocorre porque o sistema é administrado pela autoridade pública, não abandonado à “mão invisível do mercado” — mas principalmente porque a maioria dos cidadãos britânicos paga regularmente e fielmente os impostos.

É a Garantia, estúpido

E para entender por que a segurança é uma questão tão importante para o setor financeiro privado, lembre-se disso: o sistema financeiro global congelou em agosto de 2007 e depois entrou em colapso. Não porque os financistas ficaram sem dinheiro. Não por causa de uma corrida aos bancos. Mas porque todos no setor — todos — perderam a confiança no valor dos ativos usados como garantia, particularmente o valor das hipotecas de propriedades sub-prime nos balanços dos bancos.

Por que isso importava? Porque o valor dos ativos sub-prime (hipotecas) tinha sido usado para alavancar quantidades excessivas de financiamento adicional através de empréstimos. Se o ativo ou a garantia contra a qual o empréstimo tinha sido oferecido não valesse nada — então a dívida provavelmente não seria paga com a venda da garantia prometida.

O colapso da confiança nos valores dos ativos (ou colaterais) levou ao colapso do sistema financeiro globalizado.

E é aí que nós, cidadãos pagadores de impostos, entramos. A garantia do cidadão, na forma de receitas fiscais, não entrou em colapso na crise. Em vez disso, as garantias públicas mantinham a autoridade dos bancos centrais e davam-lhes o poder de emitir nova moeda (liquidez) em troca de ativos de banqueiros privados. O processo foi chamado de Quantitative Easing (QE).

O apoio dos contribuintes permitiu que os banqueiros centrais socorressem Wall Street e a City de Londres. A segurança e a solidez de nossos impostos sustentaram o valor das moedas, apesar da crise. Isso foi mais evidente nos EUA. Mesmo quando a economia global despencou e a turbulência financeira aumentou, o valor do dólar subiu.

Os bancos centrais usaram a garantia oferecida pelos cidadãos para alavancar grandes quantidades de dinheiro — cerca de US$ 16 trilhões – para socorrer o sistema bancário global.

A dívida pública como presente para os financistas e rentistas

Para entender inteiramente o poder exercido pelos banqueiros centrais é importante entender que cada vez que o governo solicita um empréstimo ou emite um título, ele cria uma dívida – uma obrigação (passivo) — para o governo. Ao mesmo tempo, ao contrair empréstimos, o governo cria um ativo financeiro valioso para o setor privado.

Os governos regularmente (uma ou duas vezes por mês) convidam os financiadores privados a financiar seus títulos ou empréstimos, em troca de promessas de pagar juros anualmente, e reembolsar o principal integralmente ao final do prazo do empréstimo.

Esse processo na verdade não é diferente do de uma mulher contraindo uma hipoteca. Ela convida um banqueiro a aceitar seu “bônus” — a promessa de repagamento — respalda esta atitude com “colaterais” (as garantias) e se compromete a pagar juros anualmente e o principal integralmente ao fim do prazo do empréstimo.

Uma vez que o banqueiro comercial tenha concedido o financiamento e aceitado o bônus, a mulher tem uma obrigação (passivo) – de pagá-lo. O banqueiro, por outro lado, tem um “ativo” – o bônus ou hipoteca da mulher. Isso é valioso para o banco privado porque, ao contrário do ouro, o empréstimo gera renda para cada ano em que a mulher paga juros. É provavelmente amparado pela garantia do seu apartamento existente. Além disso, o principal em seu empréstimo provavelmente valerá mais em termos reais quando for finalmente pago.

Os governos levantam financiamento tanto do setor financeiro privado, quanto de um banco central, exatamente da mesma maneira que um devedor comum levanta dinheiro de um banco comercial. O governo promete pagar juros e oferece garantias. A diferença entre o título de um governo e a hipoteca da mulher é que um título emitido por um governo com um bom histórico de pagamento é um ativo mais valioso. Como tal, serve como garantia vital para o sistema financeiro privado.

A hipoteca da mulher também é um ativo, mas será menos valiosa porque ela pode não ter construído um bom histórico de crédito, e em alguns casos pode ser respaldada apenas uma renda (a sua própria). O Estado, ao contrário, é respaladado por um fluxo de receita de milhões de contribuintes.

Isso explica por que os títulos do governo (ou dívida do governo) são ativos extremamente valiosos para o setor financeiro privado. Eles são seguros e confiáveis. Eles geram renda (pagamento de juros) regularmente. A dívida como garantia ou ativo pode ser usada para emprestar (ou “alavancar”) financiamento adicional.

Assim como o título de uma propriedade permite que um proprietário a re-hipoteque e obtenha quantias adicionais, garantidas por essa propriedade, ativos financeiros seguros e valiosos agem como garantia para o levantar novos financiamentos. Dinheiro recém-emprestado, garantido pelo fluxo de pagamentos de juros decorrentes da dívida, pode então ser investido ou emprestado a uma taxa de retorno mais alta.

Para entender a alavancagem, pense em uma proprietária que toma 80.000 libras emprestadas com apenas £ 20.000 em capital. Ela tem um índice de alavancagem de quatro. Em outras palavras, ela tomou empresto quatro vezes o capital de seu ativo.

No momento de sua quebra, dizia-se que o banco Lehman Brothers possuía um índice de alavancagem de 44. É como ter um ativo que rende 10.000 libras por ano e, em seguida, contratar um empréstimo de 440.000 libras para fazer uma farra de apostas. De acordo com o Banco de Compensações Internacionais (BIS)k for International Settlements, os bancos de investimento de Wall Street começaram com um índice de alavancagem de 22 em 1990, que subiu para “a vertiginosa altura de 48 no pico”.

A alavancagem nessa escala é mais facilmente alcançada contra garantias que são tão seguras quanto a dívida pública. A escala de riqueza gerada seria inimaginável para um Creso dos dias de hoje.

O “Shadow Banking” e a Fábrica de Garantia

Há outro aspecto para garantias públicas seguras que não é amplamente compreendido. Trata-se das formas como são usadas no sistema financeiro paralelo (ou shadow banking), que opera na “estratosfera” financeira, além do alcance dos estados e das regulações democráticas.

As entidades para-bancárias não regulamentadas, que concentram as economias do mundo (por exemplo, fundos de gestão de ativos, fundos de pensão, companhias de seguros) mantêm imensas quantidades de dinheiro. Uma delas — a BlackRock, por exemplo — tem US$ 6 trilhões em ativos.

Essas quantias não podem ser depositadas com segurança em um banco tradicional, onde apenas uma quantia limitada é garantida pelos governos. Para proteger o valor do dinheiro, um fundo de gestão de ativos poderá, por exemplo, fazer um empréstimo temporário de dinheiro a outro que dele necessite, em troca de garantia. Essa bolsa é conhecida como um acordo de recompra ou recompra.

Como argumentou Daniela Gabor, os mercados de recompra dos EUA e da Europa, os maiores do mundo, são construídos sobre dívidas de governos. Em outras palavras, “o Estado tornou-se uma fábrica de garantia para o sistema financeiro paralelo (Shadow banking)”

Os riscos deste mercado não regulamentado para o sistema financeiro global são assustadores. Uma das razões é que, enquanto alguém operando no mundo real — digamos, um proprietário de imóvel — pode re-hipotecar apenas uma vez seu ativo ou propriedade, os gestores de bancos que atuam no sistema paralelo não regulamentado podem usar uma única unidade de garantia para re-alavancar um sem número de vezes. Manmohan Singh, do FMI, estimou que, no final de 2007, as garantias eram usadas aproximadamente três vezes para alavancar empréstimos adicionais em mercados especulativos.

É como usar o valor de um único ativo — a propriedade de alguém — para garantir empréstimos adicionais de três bancos diferentes. No mundo real da regulação financeira, os proprietários não podem fazer isso.

Se quisermos entender a história de como os ricos se tornaram imensamente, grotescamente, mais ricos em rendas capturadas, enquanto os rendimentos médios da maioria caíram em termos reais, devemos olhar para os índices de alavancagem com base em ativos públicos nos setores bancário real e no shadow banking.

Em suma, a capacidade de drenar regularmente um governo fazendo-o pagar juros e usar o ativo da dívida pública para alavancar financiamentos adicionais é a razão pela qual os bancos, especuladores financeiros, seguradoras, empresas de gestão de ativos, empresas de private equity e fundos de pensão aumentaram maciçamente seus ganhos de capital. É também por isso que aos títulos da dívida pública jamais faltam demanda. Os financiadores privados precisam muito deles.

A escassez de dívida pública e as políticas de “austeridade”

A Grande Crise Financeira (GCF) desencadeou uma fuga da dívida privada em direção à segurança proporcionada pela dívida pública — especialmente as mais seguras: a britânica, a europeia e a norte-americana.

Este enorme choque financeiro levou a uma contração maciça da oferta monetária global e ameaçou a deflação — uma queda generalizada nos preços, que por sua vez levaria a falências, desemprego e cortes salariais.

Para neutralizar essa ameaça, os bancos centrais — em nosso nome — expandiram seus balanços e, em troca de garantias recebidas do sistema financeiro privado (muitas das quais eram “tóxicas”), forneceram a este níveis extraordinários de novo crédito ou liquidez. No processo, os tecnocratas do funcionalismo público nos bancos centrais protegeram os participantes do livre mercado da bancarrota e da disciplina do mercado livre — causando um golpe considerável na ideologia liberal.

O choque da deflação exigiu uma resposta fiscal maciça. Houve uma expansão fiscal inicial, mas limitada, que levou ao que o banco Credit Suisse chamou de “fluxo de garantia segura que fez com que o dinheiro público público (Treasuries, títulos lastreados em hipotecas, agências do governo dos EUA) subisse, compensando totalmente a contração no “dinheiro sombra” privado (obrigações de empresas, títulos garantidos por ativos e hipotecas não relacionadas com agências públicas).

Como resultado da demanda em pânico por dívida pública, o preço dos títulos do governo subiu e, devido à maneira como o mercado de títulos opera, o rendimento (taxa de juros) dos títulos caiu drasticamente. A demanda por dívida pública aliviou muito os custos de empréstimos (juros) do governo.

Rapidamente, porém, políticos e autoridades do tesouro dos governos, aplaudidos por economistas ortodoxos, think tanks de direita e pela mídia, voltaram à teoria neoliberal ou ordoliberal e impuseram contração fiscal — ou “austeridade”. O investimento público — gastos do governo — foi cortado ou impedido de aumentar.

Esses padrões duplos – a expansão das finanças para o setor financeiro privado e a contração para o setor público — são intrínsecos à economia ortodoxa, mas raramente desafiados pela profissão de economista.

Como resultado, a produção de garantias do governo (dívida pública) caiu.

Desde 2010, a “austeridade”, simultânea aos congelamentos e cortes de salários, agravou a crise. O efeito dessa política econômica atrasada foi aumentar o emprego inseguro, de baixa remuneração, pouco qualificado e improdutivo, ao mesmo tempo em que reduzia os salários em todos os setores.

Nos EUA, o estímulo inicial determinado por Obama evitou a depressão mas foi insuficiente para restaurar a estabilidade a longo prazo. Ao invés disso, houve severos cortes de gastos do governo estadual e local, não houve socorro às famílias que haviam hipotecado suas casas e os salários caíram em termos reais. Entre 2009 e 2014, os salários ajustados à inflação nos EUA ficaram estacionados ou decresceram, após uma série de decisões polítias. Mais recentemente, os salários reais cresceram, mas as taxas de crescimento para a recuperação como um todo ainda estão muito atrás das taxas anuais de 2,0 a 2,2% de 1947 a 1979.

Como resultado da austeridade, a emissão de dívida pública segura diminuiu. Por que isso deveria importar? Porque a baixa oferta de dívida do governo tende a impulsionar (na verdade, “deslocar para”) a criação de dívida privada insegura, ou ativos. Esses ativos privados inseguros são usados ​​pelo sistema bancário e pelo sistema bancário “das sombras” para expandir os empréstimos e o crédito. Os bancos centrais preocupam-se, com razão, com o fato de que essa expansão do crédito sobre ativos desregulamentados e desregulados provavelmente levará a outra crise financeira.

Observando a dívida pública pelo lado errado de um telescópio

Entender o valor da dívida pública muda nossa visão sobre o assunto. Como um empréstimo obtido para um projeto que criará emprego e gerará renda, a dívida pública, se investida em atividade produtiva, é uma coisa boa. Gerará renda. Não apenas salários para os empregados; não apenas lucros para o setor privado, quando os salários são gastos em seus bens e serviços; mas também receitas fiscais. Impostos sobre as rendas das corporações e dos consumidores, usados pelo governo para pagar a dívida.

Os empréstimos e os gastos públicos são especialmente importantes depois de uma crise, quando o setor privado está fraco e não tem confiança para fazer dívidas, investir e gastar. No entanto, a maioria dos economistas das escolas de Chicago vê a dívida pública como uma ameaça à economia. Governos que não podem “equilibrar as contas” são considerados incompetentes e perseguidos pela mídia

A hostilidade à dívida pública varia, mas o medo está embutido na psiqué alemã, porque a palavra para dívida – “Schuld” – é o mesmo que a palavra para “culpa”. A frase de São Mateus — “perdoa-nos as nossas dívidas, pois perdoamos aos nossos devedores” — foi interpretado por São Lucas como “perdoa os nossos pecados como perdoamos aqueles que pecam contra nós”.

Culpa, pecado e dívida pública estão profundamente conectados, mas apenas nas mentes dos economistas, jornalistas e do público. Dívida torna-se algo bem diferente nas mentes dos financistas e rentistas. Para Wall Street e a City de Londres, a dívida pública segura da Grã-Bretanha, da Europa e dos EUA é um presente verdadeiramente impressionante e fenomenal.

Nunca é suficiente para eles.

Enquanto não compreendermos plenamente a importância da dívida pública para o setor financeiro, as corporações imensamente abastadas e globalizadas continuarão a extrair parasitariamente renda de ativos públicos; a desigualdade mundial continuará a aumentar; e nós, os muitos, ficaremos relativamente mais pobres e sem poder.

Quando um número suficiente de pessoas vier a entender esse poder oculto, descobriremos que outro mundo é realmente possível.

Esquerda e Sistema Financeiro

No coração da ideologia neoliberal — ideias compartilhadas por aqueles que o historiador econômico Quinn Slobodian define como “globalistas” — está a crença de que a participação do Estado na economia deve encolher. Além disso, os mercados privados de capital devem permanecer “livres” para vagar globalmente e sem restrições. Em outras palavras, os mercados de capitais globalizados devem ter a “liberdade” de se desvincular dos Estados do mundo e da regulação democrática.

Como explicado acima, a profunda ironia da obsessão ideológica com os mercados de capital auto-regulados, “austeridade” e o encolhimento do Estado é que os mercados financeiros privados não podem funcionar sem o apoio dos governos, seus contribuintes e a segurança da dívida pública.

O “rato tímido”, que é o setor financeiro privado, não pode operar sem a proteção do “leão que ruge”, que é o setor público, para citar Mariana Mazzucato.

Dado que os ativos públicos seguros são tão fundamentais para a estabilidade do sistema financeiro privado, por que políticos e funcionários de direita querem reduzir sua oferta? A resposta só pode ser: a ignorância, alimentada pela ideologia oposta ao papel coletivo do Estado.

Mas e a da esquerda? A Grande Crise Financeira foi recebida com choque e descrença à esquerda. Muitos economistas progressistas concentraram-se na economia doméstica e tangível — Estado, mercados, trabalho e comércio –, ignorando amplamente a economia intangível, o setor financeiro globalizado.

E muitos abraçaram a “globalização” — a capacidade de viajar amplamente e atrair dinheiro em qualquer parte do globo; a facilidade com que a globalização facilitou a importação de frutas e vegetais exóticos; smartphones baratos; e os presentinhos oferecidos pela tecnologia no sistema globalizado. Tudo isso foi recebido com entusiasmo por partidos social-democratas, que fecharam os olhos a um sistema financeiro global e desregulamentado que facilitou essas atividades, mas também criou a ameaça de desastre sistêmico.

Como resultado, a esquerda não teve uma resposta coerente ao colapso dos mercados de capitais globalizados. Durante todo o período de “austeridade”, a esquerda — tanto nos EUA quanto na Europa — viu-se em desvantagem, na defensiva diante dos governos social-democratas que haviam acumulado dívidas como resultado da Grande Crise Financeira. Os governos social-democratas endossaram o Quantitative Easing para os banqueiros e “austeridade” para a maioria. Essa abordagem garantiu sua queda e até a extinção. (O Partido Socialista Francês não existe mais como uma força política ou organização, e foi obrigado a vender sua própria sede.)

Esses fracassos enfraqueceram a capacidade da esquerda de argumentar que, em um momento de fracasso catastrófico da economia privada, o investimento público em empregos era essencial para restaurar a estabilidade social, política e econômica. Em vez disso, subsídios e ativos apoiados pelos contribuintes foram implantados pelos bancos centrais via QE para proteger os lucros privados e os ganhos de capital.
Não é de se admirar que a população tenha se revoltado.

O que Fazer?

Um primeiro dos muitos passos que devem ser dados para transformar a economia é a compreensão. As pessoas não podem agir para transformar o que não entendem.

A compreensão de como os contribuintes garantem e endossam as atividades do setor financeiro privado globalizado e desregulamentado deve ser mais difundida. Só então poderemos começar a exigir “termos e condições” para subsídios e garantias públicas — e usar esse poder para regular e subordinar o setor financeiro globalizado aos interesses da sociedade como um todo. Exigir que os ativos financeiros públicos sejam usados ​​para benefício público, não privado.

Esse entendimento é fundamental se quisermos responder à maior ameaça à segurança que a humanidade enfrenta: o colapso climático.

Armados de compreensão, precisaremos de um plano. O New Deal Verde é esse plano.

O New Deal Verde

A genialidade do New Deal Verde de Alexandria Ocasio Cortez é que ele fornece um plano amplo e abrangente para transformar a economia dos EUA e enfrentar o colapso do clima. Se os esforços do Partido Democrata norte-americano levarem a uma campanha internacionalmente coordenada para implementá-lo, o plano tem o potencial de transformar muitas economias em todo o mundo e garantir um planeta habitável no futuro.

Mas — e é um grande mas — um plano abrangente para a transformação econômica exigirá financiamento em grande escala, comparável ao de uma nação que está entrando em guerra. Nós sabemos que isso pode ser feito. Os governos sempre encontraram dinheiro para financiar guerras.

Em 1933, o plano do presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt — o New Deal — encontrou dinheiro para uma guerra contra o desemprego e a pobreza. Seu governo fez isso revertendo a economia neoliberal e implementando a teoria e as políticas monetárias keynesianas. Ao garantir que o sistema monetário e financeiro fosse administrado por autoridades públicas, e não privadas, seu governo levantou o financiamento necessário para tirar os EUA da catástrofe econômica da Grande Depressão. O New Deal de Roosevelt não apenas criou empregos e gerou renda nacional. Ele também abordou a catástrofe ecológica que foi o Dust Bowl, popularmente conhecido pelas enormes tempestades de areia.

A implementação do New Deal foi alcançada, em primeiro lugar, porque o governo de Roosevelt tinha uma compreensão clara da natureza do dinheiro e do sistema monetário com respaldo público. Mas seu sucesso em lidar com os interesses de Wall Street deveu-se à mobilização política, organização e ação. Roosevelt teve a coragem e o lastro político para confrontar e subordinar os interesses do Wall Street aos da sociedade e do meio ambiente.

Qualquer movimento internacional para um New Deal Verde terá que reunir a mesma coragem política em muitos países no mundo. Os ativistas terão que mobilizar, organizar e agir para superar a ideologia econômica que permite que os 1% enriqueçam incrivelmente com subsídios, salvamentos e garantias apoiados pelos contribuintes — enquanto negam recursos financeiros para investimentos públicos, transformação econômica e ecológica. Os ativistas terão que descobrir, e então implantar, seu poder latente para subordinar as finanças globais aos interesses da sociedade e do ecossistema.

Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade: OUTROS QUINHENTOS

Regionalização pt. | Quem quer que mil Terreiros do Paço floresçam?


Portugal é constituído por um só Povo, que fala uma só Língua. Não está dividido por quaisquer conflitos étnicos ou religiosos. Não tem sequer nenhuma tradição de administração regional autárquica – a menos que alguém queira tomar como exemplo, ou termo de comparação, o poder arbitrário e quase absoluto exercido pelos senhores feudais sobre os camponeses, na Idade Média

Alfredo Barroso | jornal i | opinião

1. Quanto custarão os “feudos”? – Claro que ainda ninguém fez as contas, até porque, em rigor, só poderão ser feitas depois de sabermos em quantos feudos políticos os adeptos da regionalização tencionam retalhar Portugal. Mas uma coisa é certa: regionalizar o país iria custar os olhos da cara. Basta pensarmos, desde logo, no brutal aumento da despesa pública que resultaria dos vencimentos a pagar aos deputados de cada mini-parlamento e aos membros de cada mini-executivo em cada região político-administrativa (que seria bem mais política do que administrativa), assim como os vencimentos a pagar aos vários assessores, consultores, adjuntos e et cetera que iriam preencher os respectivos gabinetes dos políticos regionais, além das mordomias que acompanham sempre o pessoal político, tanto o nacional como o local, que já são bastantes.

E nem será bom falar das despesas ainda maiores que teriam de ser feitas pelo poder central, para colmatar as inevitáveis assimetrias económicas, financeiras, sociais e culturais, com as regiões mais pobres a protestar e a sublevar-se, dando-se conta de que as regiões mais ricas tinham, é claro, receitas bem maiores. Com tantas soberanias regionais em acção, lá iria pelo cano abaixo o que ainda nos resta de soberania nacional, depois da UE já nos ter tirado uns bons bocados. Um sarilho dos diabos, digo-vos eu, se a regionalização fosse avante.

Disse-o em 1998 e repito-o agora: a regionalização político-administrativa do país é uma divisão completamente arbitrária e artificial, absolutamente desnecessária e, além disso, extremamente perigosa. Não corresponde a qualquer necessidade de autonomia política, económica ou cultural reivindicada pelas populações. Não tem qualquer justificação histórica. Não se fundamenta em quaisquer diferenças absolutamente contrastadas, de natureza geográfica, política, cultural ou outra.

Portugal é constituído por um só Povo, que fala uma só Língua. Não está dividido por quaisquer conflitos étnicos ou religiosos. Não tem sequer nenhuma tradição de administração regional autárquica – a menos que alguém queira tomar como exemplo, ou termo de comparação, o poder arbitrário e quase absoluto exercido pelos senhores feudais sobre os camponeses, na Idade Média.

Portugal tem, isso sim, uma fortíssima tradição municipalista, que é multisecular e anterior à própria nacionalidade. E o seu povo também tem, há muitos séculos, aquilo que José Mattoso designa por “uma inequívoca consciência da identidade nacional”. Portugal é o mais velho e o mais sólido Estado-Nação da Europa - é ele próprio um Estado-Região perfeito, com as fronteiras mais antigas e mais estáveis do Velho Continente. Por isso digo que a regionalização é uma pura ficção política. E é uma péssima solução artificial para um problema que só seria agravado pela divisão de Portugal em “quadradinhos”. Se alguma vez for por diante, poderá, até, provocar uma perigosa dinâmica de desagregação do Estado e de fragmentação do País. Iria transformá-lo numa autêntica manta de retalhos, pondo seriamente em causa a coesão nacional e diminuindo o peso específico de Portugal na União Europeia e no Mundo. É contra isso que continuo a bater-me, como republicano e patriota. Quem quer que mil Terreiros do Paço floresçam? Eu não!

2. Nada de confusões – Digo sempre que não há que confundir regionalização com descentralização. Em Portugal, qualquer proposta de regionalização político-administrativa do continente não é, de maneira nenhuma, o procedimento mais adequado para pôr em prática uma política de descentralização mais racional e melhor coordenada, que vise tornar as diferentes administrações públicas mais eficazes, mais desburocratizadas e mais acessíveis aos cidadãos. Pelo contrário, tais propostas são reveladoras de incapacidade e impotência.

A tentativa de regionalizar é, de facto, uma verdadeira confissão de impotência. É um reconhecimento envergonhado da incapacidade dos sucessivos governos para fazerem o ‘trabalho de casa’ que lhes compete e promoverem uma reforma séria e profunda do Estado – tornando-o mais organizado, mais ágil e mais moderno – sem pôr em causa a sua unidade essencial, a autoridade democrática e a sua credibilidade interna e externa. Por isso, acho incompreensível:

- Que não seja seriamente incentivada a cooperação intermunicipal;

- Que não seja mais estimulada a criação de novas Associações de Municípios;

- Que não seja devidamente apoiada a actividade das Associações de Municípios já existentes, conferindo-lhes poderes efectivos de coordenação e planeamento em áreas específicas de intervenção;

- Que não sejam adequadamente exploradas todas as potencialidades das Áreas Metropolitanas já existentes - e que não seja seriamente estudada a possibilidade de criação de novas Áreas Metropolitanas - encarando-as como verdadeiros pólos de desenvolvimento do País;

- Que não haja acordo entre os partidos para aprovar a sempre tão proclamada e reclamada reforma da lei eleitoral da Assembleia da República, com o objectivo de aproximar os eleitores dos eleitos e de tornar os deputados mais responsáveis perante os cidadãos que representam no Parlamento.

3. Desequilíbrios brutais – A regionalização político-administrativa do continente é, de facto, a forma mais perigosa e preguiçosa de concretizar a descentralização. É precisamente aquele tipo de tratamento que, ao pretender curar um doente, corre o risco de fazer com que ele morra da cura. Isto porque: por um lado, divide artificialmente o País entre regiões mais ricas e regiões mais pobres; por outro lado, divide arbitrariamente o País entre regiões do litoral e regiões do interior; e, por fim, divide politicamente o País entre regiões com vários milhões de votos e regiões com escassos milhares. Vale pena avaliar alguns exemplos concretos retirados de um dos mapas apresentados em 1998:

– Se porventura viessem a ser instituídas, a região de Lisboa e Setúbal e a região de Entre Douro e Minho ficariam, cada uma, com cerca de dois milhões e 300 mil eleitores. E a da ‘Beira Litoral’ com cerca de um milhão e 200 mil eleitores. Estas três regiões do litoral concentrariam, só nelas, quase seis milhões de votos;

– Em contrapartida, as restantes cinco regiões concentrariam pouco mais do que dois milhões de votos, no seu conjunto. A região da Estremadura e Ribatejo teria cerca de 700 mil eleitores. A região do Alentejo teria cerca de 450 mil. A região de Trás-os-Montes e Alto Douro teria cerca de 400 mil.

A região da Beira Interior teria cerca de 350 mil. A região do Algarve teria cerca de 300 mil.

Como se vê, os desequilíbrios seriam brutais - e fontes de injustiça, desigualdade, egoísmo e falta de solidariedade. Isto, para já nem falar na famosa querela das capitais ou sedes das regiões, onde ficariam instalados, além do parlamento e do executivo, os diferentes serviços e organismos públicos regionais.

4. Invocando Mário Soares - Cabe aqui, neste ensaio contra a regionalização, uma justa homenagem a Mário Soares, citando algumas das mais significativas afirmações sobre o tema, na importante entrevista que concedeu ao “Diário de Notícias” em Abril de 1998. Ontem como hoje, tais afirmações continuam a ser um sério aviso à navegação. Disse, então, Mário Soares:

– “Relativamente à proposta de regionalização que será submetida a referendo, sou absolutamente contra.

A partilha do território em regiões, quase regiões-Estados, com o pessoal político intermédio eleito, portanto legitimado pelo voto e a partir de então incontrolável, parece-me insensata, inútil, perigosa e altamente lesiva dos interesses portugueses no seu conjunto”;

– “Portugal é um Estado-Nação, com esplêndida e exemplar unidade nacional, há quase nove séculos. Com as mesmas fronteiras, os mesmos valores e a mesma língua. Nessa matéria, não temos de copiar nada do estrangeiro. É um Estado-Nação perfeito. Por isso mesmo é que sou contra que se criem artificialmente regiões politicamente legitimadas, que poderão ser embriões de futuras divisões do nosso Estado-Nação. Acho que a regionalização que se anuncia é um perigo para Portugal”.

– “Ninguém poderá dizer, com segurança, onde nos conduzirá a regionalização e que consequências nos trará. Sabemos, isso sim, que cada região criará imediatas conexões directas com as autonomias espanholas vizinhas - por exemplo: o Norte com a Galiza; as Beiras com La Mancha-Léon; o Alentejo com a Extremadura; o Algarve com a Andaluzia - com reflexos centrífugos óbvios em relação a Lisboa e a Madrid”.

– “Temo a eclosão de ‘patriotismos’ regionais, que podem vir a assanhar-se com a regionalização. Já vimos algumas antecipações desse tipo com as ‘guerras’ locais entre Guimarães e Vizela, para dar um exemplo recente... Tais ‘guerras’ podem repetir-se em muito maiores proporções. E eu pergunto: com que vantagem?”.

5. O futuro radioso – Termino, com algumas pitadas de humor, recordando um lindo sonho que tive sobre o futuro radioso, na noite de 12 de Setembro de 1998. Digo-vos que, nessa noite admirável, sonhei com a reforma do século (XX, claro!). Não, não foi um pesadelo, foi mesmo um sonho. Estava na “Praça Sony”, no meio de esmagadora multidão de portuguesas e portugueses. No palco, o novo bardo lusitano, Quim Barreiros, interpretava – cheio de coesão – uma canção deveras patriótica sobre a Internet. Às tantas, a sua voz foi abafada por um coro celestial oriundo do alto da Torre de Cabo Ruivo. A multidão olhou para cima e para trás: numa nuvem tão amarela como as bandeiras do PS, o “nosso primeiro” (António Guterres) descia suavemente à Terra, rodeado por querubins com a pronúncia do Norte. Logo se ouviram trombetas do lado da Torre Vasco da Gama: noutra nuvem – esta, porém, cor-de-rosa – o “nosso presidente” (Jorge Sampaio) também descia suavemente à Terra, rodeado por querubins com um ar muito british. Calou-se o Quim Barreiros e calou-se a multidão. E o palco transformou-se numa gigantesca Tenda dos Milagres. Só então o “nosso presidente” rompeu o silêncio e proclamou, certamente inspirado pelos Monty Python, e num inglês irrepreensível: “And now for something completely different, here we have the Regionalization!” Loucura na praça – na da Expo-98, não na de Barrancos. Finalmente a regionalização e, com ela, um futuro radioso para todas as portuguesas e portugueses!

Em sonhos, eu vi esse futuro radioso e quero dar testemunho. A regionalização é a varinha de condão, a poção mágica, a banha da cobra, a panaceia que dá vida aos mortos e saúde aos enfermos, faz crescer o cabelo aos carecas e torna as feias bem bonitas. Com regionalização, nada é impossível. Os cegos vêem, os mudos falam, os surdos ouvem. A regionalização lava mais branco e não faz pregas no peito nem rugas no colarinho. Com a regionalização, passará a haver “sol na eira e chuva no nabal”, brotará petróleo aos borbotões no Beato e todos os eucaliptos se transformarão em árvores das patacas. Cada português passará a ter uma casa, à porta de cada casa vai passar uma autoestrada (ou um IP, ou um IC). E também passará a haver uma escola em cada esquina, uma universidade em cada bairro, um hospital em cada freguesia. E haverá metropolitanos para todos – não só em Lisboa e no Porto, mas também em Aljezur, Cacilhas e Freixo-de-Espada-à-Cinta. E Ferraris. E micro-ondas. E smartphones. E, evidentemente, antenas parabólicas e descodificadores para a malta do pontapé-na-bola ver futebol na TV.

A regionalização, meus amigos, é o novo milagre das rosas, que se transformam em pãezinhos (e não estes em rosas) no regaço dos presidentes dos executivos regionais (tal como já sucedia, aliás, no regaço do doutor Alberto João Jardim). E assim, com tanto pão, é uma autêntica revolução gastronómica que se prepara. De fazer inveja a Galileu e a Copérnico. Porque a regionalização, digo-vos eu, é o novo Sol da Terra, em volta do qual passarão a girar os estômagos de todas as portuguesas e portugueses. Sim, eu vi o futuro radioso. Nele haverá acepipes de arromba e iguarias prodigiosas - até hoje desconhecidas do homo lusitanus, mas absolutamente dignas de Pantagruel - tais como o cozido à portuguesa, a feijoada à transmontana, as tripas à moda do Porto e a açorda à alentejana (sem esquecer as favas com chouriço e entrecosto, evidentemente). E também haverá vinho, a rodos e a granel, de fazer estalar o céu-da-boca. E o vinho será tinto e será branco – mas, atenção, em algumas regiões do país também será verde. Como o Sporting, que voltará, finalmente, a ser campeão, logo que o Porto e o Benfica comecem a jogar na Superliga Europeia (o que é tão certo como Bill Clinton passar a ter juízo e Boris Ieltsin deixar de beber vodka). E haverá, ainda, o Boi Ápis de Barrancos: será morto e renascerá todos os anos – para gáudio dos nossos estômagos, iracúndia dos juízes, repouso da GNR e sossego do ministro Armando Vara.

Sim, eu vi o futuro radioso. E digo-lhes que a regionalização há-de ser - sobretudo quando cantada por Quim Barreiros - o “Viagra” dos portugueses. Com ela, haverá um espantoso incremento da procriação, que é tão necessária ao povoamento do Portugal interior, recôndito e desertificado. Sem ela, o desastre demográfico seria inevitável, e os portugueses tornar-se-iam uma “espécie em vias de extinção” - e o homo lusitanus passaria a ser tão raro como o lince da Malcata… Por isso eu digo:

“Vão por mim. Não estejam assim tão carrancudos. Façam como os Monty Python. Divirtam-se à brava com tudo isto. Não deixem que o ar fique tão carregado como nos tempos do ‘cavaquismo’. Olhem que uma reforma destas não se faz todos os séculos. E, feita esta, não será preciso fazer mais nenhuma...”

De resto, quanto ao que ela custaria, “é só fazer as contas”, como diria Guterres.

*Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

Portugal | Regulador acusa CTT de enganar o público


Regulador acusa Correios de divulgar taxa de reclamações falsa

É uma acusação grave e mais um capítulo na história de acusações mútuas entre os Correios e a Autoridade Nacional de Comunicações: a ANACOM escreve que "os CTT divulgaram informação enganosa".

O caso remonta a dia 13, quando em comunicado, a empresa afirma que as "reclamações totais de serviços postais recebidas pelos CTT caíram 7% em 2018 face a 2017,". Na opinião da ANACOM, essa frase "induziu a conclusão de que tal redução respeitaria apenas a reclamações, quando, na verdade, correspondia à soma das reclamações e dos pedidos de informação relativos a serviços postais recebidos pelo Grupo CTT".

Dados recolhidos pela ANACOM permitem concluir que na verdade, ao contrário do que afirmam os CTT, houve "um aumento de 9% das reclamações recebidas (e uma redução de 40% dos pedidos de informação recebidos)". É na soma destas duas vertentes que há uma queda de 7%.

O regulador conclui que "em 2018 existiu um aumento do volume de reclamações sobre serviços postais recebidos pelo Grupo CTT, tanto no caso daquelas que são registadas no Livro de Reclamações físico e eletrónico (19,9 mil em 2018 face a 14,6 mil em 2017, o que corresponde a um aumento de 35,8%), como das que o Grupo CTT classificou como reclamações no seu sistema interno e que recebeu por diversos canais (196 mil em 2018 face a 180 mil em 2017, o que corresponde a um aumento de 9%)."

A TSF contactou os CTT e aguarda uma reação da empresa.

Hugo Neutel | TSF

PR Cabo Verde: Devolução de bens culturais não está na agenda da CPLP


O Presidente em exercício da comunidade lusófona e chefe de Estado cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca, considera legítima a reivindicação de devolução de bens culturais a países africanos, mas adiantou que o tema não está na agenda da organização.

O Presidente em exercício da comunidade lusófona e chefe de Estado cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca, considera legítima a reivindicação de devolução de bens culturais a países africanos, mas adiantou que o tema não está na agenda da organização.

“A nível da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) não é uma questão que esteja na agenda ou no debate, pelo menos ao nível das lideranças”, disse Jorge Carlos Fonseca aos jornalistas, no âmbito da sua visita a Portugal, que hoje termina.

Segundo a Lusa, o chefe de Estado cabo-verdiano, que assume a presidência rotativa da organização lusófona, adiantou que tem acompanhado, sobretudo pela comunicação social, mas também em conversa com alguns chefes de Estado, o debate em torno desta questão.

“Pode ser legítima a reivindicação, mas também como homem de cultura, além de chefe de Estado, espero que, a realizar-se esse tipo de transferência, se traduza em benefícios para a Humanidade e para os países e povos que querem legitimamente receber o que é seu”, disse.

O debate sobre a devolução de bens culturais, obras etnográficas, de valor artístico ou documental pela Europa aos países de origem ganhou força, no final do ano passado, quando o Presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou a decisão de devolver ao Benim uma coleção de bronzes, retirados do país no final do século XIX no âmbito de uma expedição militar na África Ocidental.

Entre as antigas colónias portuguesas, Angola anunciou a intenção de trabalhar com Portugal no levantamento e possível recuperação dos objetos culturais angolanos que integram o acervo dos museus portugueses.

Questionado sobre se Cabo Verde irá seguir o mesmo caminho, o chefe de Estado cabo-verdiano adiantou que, de momento, este assunto tão pouco “está em cima da mesa” no país.

“Somos um país feito de bocados, de pedaços do mundo, de culturas, de partilha e temos um modo de diálogo e concertação um pouco diferenciado. Privilegiamos sempre o diálogo, o consenso, a concertação e só faríamos uma reivindicação deste tipo através de processos negociados e que não sejam conflituais”, disse.

O Presidente da República de Cabo Verde termina hoje, na Póvoa do Varzim, uma visita oficial de três dias a Portugal.

O chefe de Estado vai proferir a conferência inaugural no evento literário Correntes d’Escritas, durante o qual será lançado oficialmente o seu novo livro de poesia “A sedutora tinta das minhas noites”, conclui a Lusa.

Jornalistas da CPLP dizem que há censura em Código de Ética na rádio e televisão públicas cabo-verdianas


Praia, 19 fev (Lusa) - A Federação dos Jornalistas de Língua Portuguesa (FJLP) notou hoje que o Código de Ética aprovado pela rádio e televisão públicas cabo-verdianas contém "um conjunto de medidas de censura", considerando que "não se concebe num Estado democrático de direito".

Numa carta enviada à Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) e ao Conselho de Administração da Radiotelevisão Cabo-verdiana (RTC), a FJLP indicou que tomou conhecimento que as empresas públicas aprovaram, em assembleia geral, no dia 15 de fevereiro, o seu Código de Ética e de Conduta, a ser cumprido pelos trabalhadores, inclusive jornalistas.

"O referido Código da RTC, ao contrário do que se propaga como justificativa da criação, ou seja, para incentivar nos profissionais uma postura de responsabilidade ético-profissional conducente, de forma a tranquilizar o público sobre o cumprimento da função social de mediador independente e responsável, se reveste de um conjunto de medidas de censura que não se concebe em um Estado democrático de direito", lê-se na nota da FJLP.

Na missiva assinada pelo presidente da direção, Alcimir António do Carmo, os jornalistas lusófonos consideram que o Código de Ética da RTC "ignora que a profissão [de jornalista] se paute, essencialmente, pelo princípio constitucional de liberdade de expressão e de opinião".

"Nenhuma corporação pode exigir que seu funcionário/empregado repercuta e/ou conjugue em sua vida particular/privada os seus conceitos da administração do veículo, independentemente do âmbito (credo religioso, privado, público, coletivo ou personal)", entendeu a FJLP.

O órgão considera que a empresa, seja ela pública ou privada, pode ter as suas regras administrativas, mas "devem limitar-se às relações laborais" e de condições técnicas de exercício profissional.

"A RTC em seu arrazoado de regras chega à absurda e delirante proposta de que este código pretende ser um guia orientador para que saibam exatamente o que a sua empresa espera deles em termos de conduta e preveni-los sobre possíveis conflitos de interesse, inclusive resultantes da sua atuação nas redes sociais", prosseguiu a FJLP.

A Federação dos Jornalistas de Língua Portuguesa considerou que é preciso que sejam tomadas medidas que impeçam que "regras restritivas da liberdade de expressão e de imprensa, típicas de regimes de exceção e ditaduras, possam viger sequem um único dia".

A FJLP congrega como membros filiados representações de jornalistas de todos os países e comunidades de língua portuguesa, nomeadamente Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e, ainda, Macau (China) e Goa (Índia).

O órgão internacional tem sede administrativa no Brasil e que em setembro próximo passará a ser dirigida pela Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC), por um período de quatro anos.

No ano passado, a proposta de um Código de Ética da RTC foi contestada pelos jornalistas, que a consideraram atentatória das liberdades individuais, e levou a tutela a pedir entendimento entre as partes.

Perante a contestação, o Conselho de Administração da RTC sublinhou que se tratava de uma proposta que estava na sua primeira fase "de socialização" junto dos trabalhadores para a recolha de contribuições.

A RTC disse ainda que o texto foi elaborado com base num estudo comparativo entre os códigos de ética das "mais prestigiadas empresas de comunicação social", incluindo a BBC, New York Times ou RTP, e negou qualquer intenção de "perseguir, limitar ou ferir a liberdade dos trabalhadores da empresa".

Na altura, o ministro da Cultura e Indústrias Criativas, Abraão Vicente, que tutela a comunicação social, pediu diálogo e entendimento entre as partes, adiantando que o Código de Ética a aprovar não podia representar um retrocesso em relação aos ganhos conseguidos pelos jornalistas.

Entre outras questões, o documento defendia que os jornalistas e apresentadores da RTC não devem expressar publicamente posições políticas, devem separar as páginas pessoais e profissionais nas redes sociais e ao seguirem a página de um partido político nas redes sociais, têm que seguir as de todos os demais partidos cabo-verdianos.

O código recomendava ainda que, salvo com autorização expressa do Conselho de Administração, os trabalhadores não podem ser parentes de subordinados diretos ou indiretos.

RYPE (CFF) // VM

São Tomé | PM Jorge Bom Jesus em dúvida sobre a duração do seu mandato


 Após dois meses como Primeiro Ministro e Chefe do Governo de São Tomé e Príncipe, Jorge Bom Jesus, que ainda beneficia do período de graça, proferiu no contacto com a população do distrito de Lobata, uma declaração que despertou a atenção do Téla Nón, e de alguns cidadãos atentos. «Eu tenho dito que não estou preocupado com o número de dias que eu vou permanecer no Governo, ou a testa do Governo. Cada dia vai ser um dia de realização, seja quanto tempo for, quererei é sair disto com o sentimento do dever cumprido», afirmou o Chefe do Governo.

Jorge Bom Jesus fez tais declarações no âmbito da auscultação das populações do distrito de Lobata com vista a elaboração do orçamento geral do Estado de 2019.

De repente, para a opinião pública nacional atenta, o Chefe do Governo são-tomense, deixou entender que já não tem certeza se cumprirá os 4 anos, que a constituição política define como tempo de mandato de um governo constitucional.

Jorge Bom Jesus é Presidente do partido MLSTP, que tem 23 assentos no parlamento. O acordo de incidência parlamentar com a coligação PCD-MDFM-UDD com 5 deputados, gerou uma nova maioria de 28 mandatos que governa o país desde 3 de Dezembro de 2018. Do outro lado da barricada está o partido ADI na oposição com 25 assentos e o Movimento Caué (ligado a Cervejeira Rosema), com 2 assentos.

O Téla Nón sabe que a forma como o novo líder do MLSTP e Primeiro Ministro tem repartido os cargos ou “tachos” na administração pública, está a provocar tensão e crispação no seio do MLSTP. Muitos militantes de cúpula estão zangados com o Primeiro Ministro, por terem ficado de fora na distribuição das pastas ministeriais ou na repartição dos “tachos estratégicos” na administração pública.

O Téla Nón apurou que os militantes de cúpula do MLSTP que ficaram à margem do “bolo” Estatal, estão a agir no sentido de pressionar o Chefe do Governo, para travar uma alegada “influência exagerada” que a coligação PCD-MDFM-UDD, está a ter em alguns sectores ditos estratégicos da governação e, sobretudo na casa parlamentar.

Um clima de pressão que com o andar do tempo, poderá gerar choques entre o MLSTP e a Coligação. Um cenário de crispação que a agudizar-se nesta legislatura, inevitavelmente causará por um lado, a queda do Governo “JBJ”antes do final do mandato legal de 4 anos, e por outro lado, poderá garantir o regresso imediato do partido ADI ao poder.

Com 25 mandatos, e mais 2 do movimento Caué, sem necessidade de novas eleições, o Partido ADI pode encontrar na coligação (PCD-MDFM-UDD), que é da sua linhagem política(Família da Mudança), o apoio parlamentar alargado para voltar a governar o país, e redistribuir os “Tachos”que o MLSTP partilhou nos últimos meses.

O clima de pressão por causa de interesses pessoais em tachos e outras regalias do poder, se abate sobre a Nova Maioria(MLSTP/Coligação), e certamente tira discernimento a qualquer Primeiro Ministro, para avaliar e com exactidão, o tempo em que permanecerá no governo, ainda mais quando se trata de uma maioria muito curta, que desfaz-se com apenas a vacilação de um deputado.

O cenário político actual, em que o Chefe do Governo já não sabe o tempo em que permanecerá no governo, transforma o congresso do partido ADI marcado para 30 de Março próximo, num farol que vai pôr luz sobre cenário futuro. Se Patrice Trovoada, que acabou por ser o factor da União dos Partidos que formam a actual nova maioria, deixar a liderança da ADI, e passar o testemunho para a nova geração- Esperança da ADI, o tempo da actual nova maioria, pode ficar mais curto.

Ainda mais, quando o clima de tensão que muitos militantes de cúpula do MLSTP, estão a lançar no ambiente político, deverá aumentar de intensidade nas próximas semanas, caso o Supremo Tribunal de Justiça de São Tomé e Príncipe, avance com o processo de devolução da cervejeira Rosema, ao seu proprietário original o empresário angolano Melo Xavier.

Trata-se de um caso judicial que em 2018, quase matava o partido MLSTP. Alguns militantes de cúpula do MLSTP auferem rendimentos significativos, fruto da venda de centenas de grades de cervejas, que há vários anos a administração da cervejeira concede a tais militantes de cúpula do MLSTP.

A passagem da cervejeira para outro proprietário significará a bancarrota para tais militantes de cúpula do MLSTP, ainda mais por terem sido afastados dos “tachos estratégicos” partilhados pelo Governo. Certamente vão-se rebelar, e o MLSTP vai tremer. Resta saber se o Presidente do partido e Primeiro Ministro JBJ, conseguirá conter os abalos que em curto prazo, sacudirão o MLSTP.

Para já JBJ, pediu aos militantes do partido, sobretudo os militantes de base, que amam o MLSTP de forma incondicional, sem quaisquer interesses ou busca de dividendos, para que sejam a retaguarda segura do seu Governo. Foi na reunião do Conselho Nacional do partido realizada no último sábado.

Abel Veiga | Téla Nón

São Tomé | Mais de 69 mil filhotes de tartarugas foram lançados ao mar


Entre Setembro de 2017 e julho de 2018, o Programa Tatô, que promove a melhoria do estado de conservação das espécies ameaçadas de tartarugas marinhas na ilha de São Tomé, lançou ao mar 69.407 filhotes de 4 espécies ameaçadas de tartarugas.

Fruto de uma forte acção de protecção e de sensibilização das populações nas principais áreas costeiras da ilha de São Tomé, onde as tartarugas desovam.

O  programa Tatô, registou significativo aumento da desova de tartarugas no período entre Setembro de 2017 e julho de 2018, em comparação com o mesmo período dos anos anteriores.

Segundo o Programa Tatô, são 4 as espécies de tartarugas que nidificam na ilha de São Tomé, nomeadamente a tartaruga verde (Chelonia Mydas), vulgarmente conhecida em São Tomé e Príncipe por Mão Branca. Segue-se a tartaruga Oliva (Lepidochelys Olivacea), com nome vulgar em São Tomé de Tatô. A tartaruga de Pente (Eretmochelys Imbricata), vulgarmente conhecida por Sada, e por fim a tartaruga de Couro (Demochelys Coriacea), em São Tomé chamada de Ambulância.


«Foram registados neste período ( de setembro de 2017 a julho de 2018) 3466 ocorrências de nidificação, dos quais 70%(cerca de 2435 ocorrências) pertencem a tartaruga Verde. A tartaruga Oliva registou 19 % de ocorrências (cerca de 659). A tartaruga de Pente registou 7% de ocorrência em termos de nidificação, (cerca de 248 vezes), e a tartaruga de Couro realizou cerca de 124 ocorrências correspondendo a 4%», explica o programa Tatô.

Os colabores do Programa Tatô operam dia e noite em 31 praias da ilha de São Tomé monitorizando o processo de nidificação e desova das tartarugas.  Boa parte das fêmeas que desovam nas praias é marcada para permitir o acompanhamento das mesmas. No ano passado, o programa marcou 636 fêmeas de tartarugas.

Os colabores vigiam o processo de postura e desova, e registaram 1772 ninhos, dos quais 746 ninhos considerados em risco foram transferidos 6 horas após a postura, para os centros de incubação construídos nas praias. Por outro lado 1026 ninhos considerados seguros foram deixados nos respectivos locais de desova.

Segundo o Programa Tatô os centros de incubação desempenham papel importante no processo de protecção das espécies de tartarugas. Tudo porque homens e animais vadios devoram os ninhos. «Dos 1026 ninhos deixados no local e camuflados, 69 foram roubados pela população local e 265 foram predados por animais domésticos maioritariamente porcos e cães», explica o Programa Tatô.


A colecta de ovos de tartaruga para alimentação é prática em São Tomé e Príncipe. A carne da tartaruga também continua a ser consumida, apesar da lei nacional de protecção das tartarugas proibir tais práticas. 

«Apesar da aprovação da lei nacional de protecção (decreto lei nº8/2014) pelo Governo Nacional, e embora tenha havido uma redução da captura de tartarugas marinhas, produtos derivados de tartarugas marinhas(carne, ovos e carapaça) continuam a ser comercializados no mercado local», denuncia o Programa Tatô.

No final da temporada de nidificação e desova do ano 2018, sempre muito acompanhada pelos turistas, o Programa Tatô, lançou ao mar 69.407 filhotes de tartarugas, que representam um património nacional e mundial, a ser preservado.

A monitorização das praias de nidificação e desova das tartarugas, continua em 2019. Os agentes envolvidos na protecção das tartarugas esperam que os resultados de 2019, superem os dados de Setembro de 2017 à Julho de 2018.

Abel Veiga | Téla Nón

Fotografias de Carlos Bernardo da Costa e de Ana Besugo (Programa Tatô)

Angola | Cobardia e destruição


O presidente João Lourenço levantou, dissemo-lo várias vezes, alto (bem alto, embora a altura não seja sinónimo de eficiência e adequação às necessidades), a promessa, ou estratégia, de combate à corrupção. Foi meritório, em tese. Era mesmo isso que todos esperávamos, que todos continuamos a esperar.

William Tonet | Folha 8 | editorial

Mas o grande problema foi, e é, o de a teoria da estratégia nem sempre (foi o caso) se coadunar com a realidade pragmática de um país gerido pelo mesmo partido desde a independência, onde os seus principais responsáveis blindaram, neste caso, a corrupção, tornando-a quase inexpugnável e, dessa forma, afastando todos quantos a queiram combater.

A luta (até lhe podemos chamar guerra) contra a corrupção em Angola está a ser conduzida de uma forma enganosa, deliberadamente ou não, que falseia a realidade e criminaliza todo um Povo que nada tem a ver com ela.

De facto, esta luta protagonizada por João Lourenço dá a sensação de que a corrupção é algo congénito no país quando – como muito bem sabe, até por experiência própria, o próprio Presidente – o seu epicentro esteve, está e parece continuar a estar no MPLA. Apenas e só no MPLA.

O próprio João Lourenço demonstra isso mesmo ao direccionar o combate cerrado contra os seus antigos camaradas, com quem tinha desinteligências. Mas as desinteligências, que se tornaram públicas com a chegada ao Poder, resultam de visões diferentes, antagónicas, quanto à racionalidade e transparência da gestão do país, ou apenas correspondem a mais do mesmo? Isto é, substituir alguns dos poucos que têm muitos milhões, mantendo tudo na mesma para os muitos milhões que hoje, tal como ontem, nada têm?

De facto, se ao longo de 43 anos o MPLA nada mais nos conseguiu dar do que a prova, inequívoca e mensurável, da sua criminosa incompetência, da sua canibalesca forma de alguns roubarem o que a todos devia pertencer, o mal não está no pacífico Povo angolano mas, apenas e só, no partido que nos desgoverna desde 1975, o MPLA.

O problema é o programa do MPLA, que não deve merecer a confiança dos angolanos, se bem que aos mais de 20 milhões de pobres criados pelo MPLA seja difícil pensar sem ser com a barriga. Na verdade, até mesmo para bem do MPLA, um real combate deve levar os eleitores a considerar João Lourenço como líder de uma nova força politica, nova depois da destruição do mal maior do país; o partido do regime, que ora preside, mas não parece orgulhar-se, tal a sujeira em que navega…

Os membros, a maioria dos seus dirigentes, principalmente, a maioria do comité central e do bureau político, são covardes e tal como ontem metem o rabo entre as pernas, diante do líder, ao invés de o criticar nos excessos, mesmo quando está o partido e o país a definhar. Não fossem esses membros autómatos ao serviço, exclusivo e bajulador, de quem está no Poder, e saberiam que um líder sério prefere ser salvo pela crítica do que assassinado pelo elogio.

Mais grave, na actual onda de processos de combate à corrupção com viés político ao invés de jurídico, a PGR surge como uma muleta do Titular do Poder Executivo, que tudo controla e a todos órgãos pode manietar, por deter o poder absoluto. Um presidente não tendo órgãos de contra poder, abeira-se ou navega em barcos da ditadura, logo a salvação do país, reside ou residiria se os demais, principalmente, o órgão legislativo, assumisse o seu verdadeiro papel de fiscalização da actividade do TPE e da Constituição e das leis, mas este, também, está domado e os seus integrantes, pensam mais nas vaidades umbilicais do que no país e nos milhões de pobres.

No actual contexto, ninguém visualiza, no partido no poder, um deputado corajoso e defensor de um verdadeiro programa de combate à corrupção de pendor jurídico ou capaz de apontar caminhos para a lei actuar e a Constituição respeitar. Todos, qual sublime traição ao eleitor, parecem ambicionar, nomeação para qualquer coisa que lhes permita gerir, não a ética, a moral, nos órgãos públicos, não os tostões da dignidade, mas os milhões da perversão e depravação do erário público.

Neste momento, a coragem de João Lourenço não deve ser minimizada, até por conseguir colher simpatia na comunidade internacional de direita, que aplaude líderes dos países subdesenvolvidos submissos aos desígnios das suas organizações financeiras. Estas “oferecem” pacotes de ajuda monetária, que não passam de “algemas” controleiras, para subjugar a economia e poder político dos respectivos países.

Nesta fase de implantação da “agenda lourenciana”, de combate à corrupção, o pecado capital é o de não criando emprego (prometidos 500 mil, na campanha eleitoral), estar a meter “MEDO AO DINHEIRO” e, quando uma liderança age dessa forma, a interpretação geral pode ser ou de cegueira ou de irresponsabilidade política, porquanto o dinheiro, atemorizado, esconde-se, esvai-se, nas profundezas do submundo e, não embarca de nenhum porto ou aeroporto, para o país, salvo para hipnotizar ainda mais o regime, a ser submisso, com as elevadas taxas de juros, que colonizam a soberania dos povos.

Mais grave ainda é quando não se aproveita o potencial financeiro interno, para que este possa alavancar, não só o emprego como a economia, mas se atenta contra quem pode gerar empregos e estabilidade social.

Seria bom o Titular do Poder Executivo controlar muitos dos excessos de combate à corrupção, por violadores da Constituição e das leis, dando-lhes um cariz verdadeiramente jurídico e de abrangência político-partidária, comprometendo os políticos de todos os quadrantes, para fazerem dela (corrupção) um compromisso de engajamento geral, qualquer que seja o regime, visando emprestar a ética e a moral, na função pública.

Finalmente, João Lourenço com coragem ímpar, está a despertar os angolanos a não mais continuarem a apostar e confiar, votando no MPLA, por estarem os autóctones, diante de uma “quadrilha partidária”, que nos governa há 43 anos, com o desplante (segundo o actual líder) de incluir nas listas de deputados, alegadamente, corruptos, ladrões e vilões, com apetência voraz de meter a mão na massa, locupletando dinheiro público.

Por tudo isso e por a corrupção ser sistémica no MPLA, este partido, para higiene intelectual e moral da sociedade, deverá, também, ser levado ao banco dos réus, por inclusão de “gentalha indigna”, que desqualificou os órgãos do poder e afundou o país e a maioria dos 29 milhões de autóctones.

*William Tonet é diretor de Folha 8

Mais lidas da semana