terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Portugal | Andam a gozar com a nossa cara


Paulo Baldaia | Jornal de Notícias | opinião

Que o país arda no verão e se afunde no inverno não pode ser uma inevitabilidade, mesmo que secas e dilúvios pareçam castigo de Deus. Que tenha de morrer gente até que se descubra uma forma de mudar o nosso destino deveria ser causa para uma penitência coletiva, mesmo que às vezes pareça que isto são só alguns políticos a gozar com a nossa cara. Será apenas incompetência?

Apenas dois factos:

1 - Em 2016, foi anunciado, com pompa e circunstância, um investimento superior a 30 milhões de euros na linha do Norte. Agora, que a estação de Alfarelos acabou debaixo de água, ficamos a saber que fomos vítimas do enésimo embuste governamental. Entre o anunciado e o executado vigora a lei da cativação, onde estava previsto um alteamento da via-férrea, houve uma simples renovação da via. Se as gravuras não sabiam nadar, imaginem os comboios.

2 - Como bem notou o JN, o Estado depois de ter pago quase um milhão de euros por um sistema que devia avisar a população, através de SMS, sempre que o perigo estivesse iminente, optou por não utilizar o dito sistema no momento da passagem da tempestade Elsa. Explicação do responsável pela Proteção Civil: havia outros meios de alerta mais eficazes. Com a garantia de que não se tratou de enviar sinais de fumo, nada eficazes no meio do dilúvio, imagino que Duarte da Costa se estava a referir ao serviço público que os órgãos de Comunicação Social prestam nestas alturas. Voltamos a sentir a diferença entre o anunciado e o executado, só que desta vez o que ficou cativo foi o serviço que já estava pago.

Assim sendo, o que esperam que o povo pense? Que é tudo obra de Deus e do Diabo? Se chove é porque chove, se não chove é porque não chove. É tão demagogo considerar que só há cheias e incêndios porque os políticos não fazem o seu trabalho, como é a tentativa de desculpabilizar os governantes, como se fosse mesmo inevitável acontecer tudo o que acontece. Os dois exemplos que deixo neste texto são isso mesmo, apenas dois exemplos. A ação dos governantes, ou a inação em muitos casos, é tão flagrantemente contrária aos interesses do povo, que já era tempo de haver penalizações para determinados comportamentos.

P.S. Há responsabilidade do Governo que tem a obrigação de atenuar ao máximo as consequências destas alterações climáticas profundas e há a responsabilidade geral dos políticos que devem cooperar para avançar com uma revolução na política ambiental.

*Jornalista

Portugal | Os Sinais de Fernando Alves, na TSF. E que sinais!

Fernando
Como Sérgio Godinho: "Eu hoje venho aqui falar”… de um prazer, audição e introspeção quase quotidiana. Abrangente. São Sinais.

Na TSF há Sinais, por Fernando Alves. Um histórico da fundação da TSF, jovem do passado da RDP para aquela que viria a ser e ainda é (não tanto) a melhor emissora de rádio em Portugal. Uma rádio notícias que mudou a rádio ensombrada e tantas vezes inamovível no seu estilo bolorento a invadir o éter, a ocupá-lo quase sem vida, fruto de um também cinzentão salazarista.

Fernando Alves, os Sinais, no seu corre-corre peculiar, a dizer e a fazer-se perceber sílaba por sílaba, toca-nos e entrega tarefa cerebral a quem o ouve. Já “entradote”, agora, refinou-se por bem no balanço tantas vezes quase cantado do seu dizer e passar-nos humanidade, conhecimento, cultura... Rádio de palavras ferradas no desafio de pensar a quem o escuta. 

Hoje, como há décadas idas, a escalpelizar e a questionar a RDP dirigida por Igrejas Caeiro… Até que um bem caiu no éter, a TSF, que Fernando também fundou juntamente com um grupo de profissionais da rádio de que não há memória por outros se terem voltado a juntar, tantos e tão bons.

É este Fernando Alves que nos traz Sinais com David Mourão Ferreira neste Natal. Muito dignos um do outro, apesar de cada um morar no seu galho e no seu tempo. Bem hajam.

Bom Natal. Obrigado aos melhores.

Redação PG

David
 Natal, e não Dezembro

Nos próximos dias escolherei quatro poemas de Natal de David Mourão Ferreira. Esses poemas integram o Cancioneiro de Natal que o poeta foi reunindo ao longo de três décadas e meia e que surge incluído na Obra Poética agora editada pela Assírio e Alvim.

Para hoje proponho o poema "Natal, e não Dezembro", de 1962.

Fernando Alves | TSF - 23 Dezembro, 2019

Guterres pede investigação imparcial à morte de Khashoggi após sentença saudita



O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu esta segunda-feira uma investigação imparcial sobre o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, depois de Riade ter anunciado a condenação à morte de cinco sauditas.

"O secretário-geral continua a sublinhar a necessidade de uma investigação independente e imparcial do assassinato, para assegurar uma análise geral e uma responsabilização por todas as violações de direitos humanos cometidas neste caso", disse, numa conferência de imprensa, o porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric.

O representante também referiu que António Guterres reitera "o compromisso da ONU para assegurar a liberdade de expressão e a proteção dos jornalistas", insistindo também na histórica oposição à pena de morte por parte das Nações Unidas.

Estas declarações surgem depois de hoje o procurador-geral da Arábia Saudita ter anunciado que cinco sauditas foram condenados à morte pelo assassínio do jornalista Jamal Khashoggi, em outubro de 2018, no consulado saudita em Istambul, Turquia.

Luxemburgo pede à UE para debater reconhecimento da Palestina


O chefe da diplomacia do Luxemburgo pediu hoje aos seus homólogos da União Europeia um debate sobre o reconhecimento da Palestina para ajudar, segundo ele, a salvar a solução de dois Estados que os colonatos israelitas ameaçam.

"Assistimos, dia após dia, ao desmantelamento da solução de dois Estados, peça por peça. A viabilidade dessa solução é corroída pelas atividades de colonização, as demolições, os confiscos e os deslocamentos forçados, todos ilegais face ao direito internacional, em particular a quarta Convenção de Genebra", lamentou Jean Asselborn num correio eletrónico dirigido ao chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, ao qual a agência France-Presse teve acesso.

A solução de dois Estados -- o de Israel e a criação de um Estado da Palestina, que viveriam lado a lado - é aceite por grande parte da comunidade internacional como uma hipótese de solução para o conflito israelo-palestiniano.

"Um modo de ajudar a salvar esta solução seria criar uma situação mais equitativa para os dois lados. Neste sentido, penso que é tempo de iniciar um debate no seio da União Europeia (UE) sobre a conveniência de um reconhecimento do Estado da Palestina por todos os seus Estados membros", defende.

Asselborn fez chegar hoje uma cópia daquela carta a cada um dos seus homólogos da UE durante uma reunião em Bruxelas e pediu a Josep Borrell para organizar o debate "no quadro de uma próxima reunião do Conselho de Negócios Estrangeiros da União Europeia".

"O reconhecimento da Palestina enquanto Estado não seria nem um favor, nem um cheque em branco, mas um simples reconhecimento do direito do povo palestiniano ao seu próprio Estado", assinala.

"Não seria em qualquer caso dirigido contra Israel. De facto, se queremos contribuir para resolver o conflito entre Israel e a Palestina nunca devemos perder de vista as condições de segurança de Israel, bem como a justiça e a dignidade do povo palestiniano", afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros luxemburguês.

A criação de dois Estados -- um judeu e um árabe - na região da Palestina foi aprovada pelas Nações Unidas em 1947. Em maio do ano seguinte, Israel declara a sua independência e um dia depois é invadido por cinco exércitos árabes, que não aceitam o novo país.

Os palestinianos designam de Nakba (catástrofe), o período posterior ao da criação do Estado hebraico, quando cerca de 700.000 mil fugiram ou foram expulsos das suas casas devido à guerra israelo-árabe, até março de 1949.

Notícias ao Minuto | Lusa, em 09.12.19

O NATAL NA PALESTINA


Presépio de Bansky na Palestina ocupada pelos nazi-sionistas. A instalação encontra-se no hotel The Walled Off, na Cisjordânia.

Resistir.info |Imagem: Ahmad Gharabli / AFP

Em busca da funda de Davi


Uma análise estratégica da conjuntura. Como a esquerda deixou de enfrentar o capital no terreno dos projetos de mundo, da cultura e da formação política e se limitou à disputa institucional. Por que isso leva à derrota certa

Maurício Abdalla | Outras Palavras

“Saul vestiu Davi com sua própria armadura, colocou-lhe na cabeça um capacete de bronze, revestiu-o com a sua couraça, e pôs a espada na cintura dele, sobre a armadura. Em vão Davi tentou andar, pois nunca tinha usado nada disso. Então falou a Saul: «Não consigo nem andar com essas coisas. Não estou acostumado». Tirou tudo, pegou o cajado, escolheu cinco pedras bem lisas no riacho e as colocou no seu bornal. Depois pegou a funda e foi ao encontro do filisteu.[…] Enquanto o filisteu se aprumava e se aproximava de Davi pouco a pouco, Davi correu depressa para se posicionar e enfrentar o filisteu. Davi enfiou a mão no bornal, pegou uma pedra, atirou-a com a funda e acertou na testa do filisteu. A pedra afundou na testa do filisteu, que caiu de bruços no chão. Assim Davi foi mais forte que o filisteu, apenas com uma funda e uma pedra: sem espada na mão, feriu e matou o filisteu” (1Sm 17, 38-40.48-50).

Uma lição de estratégia

Todos conhecem a história do jovem pastor de ovelhas israelita que derrotou um guerreiro gigante, experiente e fortemente armado usando apenas uma funda. A luta de Davi contra Golias é sempre evocada como metáfora para a possibilidade de alguém ou um grupo mais fraco vencer adversários grandes e poderosos. Contudo, na maioria das vezes, ela só é usada como narrativa motivacional ou, no contexto religioso, apenas para dizer que Deus ajuda e dá a vitória aos que creem. Mas há, também, uma lição estratégica fundamental embutida na história que pode ser bastante útil para ajudar a pensar nossa ação na atual conjuntura mundial.

Sob um olhar não teológico, o grande ensinamento da vitória do jovem pastor sobre o guerreiro gigante está na maneira como ele conseguiu derrotá-lo. Quando Davi decidiu enfrentar Golias, o rei Saul o equipou com armadura e armas de guerra tradicionais, equivalentes às que usavam o filisteu e todos os soldados nas batalhas. Porém, sob o peso daquele equipamento, Davi, que era pastor e não soldado, não conseguiu sequer andar. Sabiamente, o jovem preferiu abdicar das armas e armaduras tradicionais para usar o instrumento de ataque que ele manejava com mais destreza: a funda e as pedras que, em seu ofício de pastoreio, usava para proteger o rebanho de predadores como leões e ursos.

Golias era considerado invencível tanto pelos israelitas, quanto pelos filisteus, pois eles só concebiam a luta contra o gigante com o uso das armas convencionais. Portanto, só o venceria quem se igualasse a ele em força, qualidade da armadura e destreza no manuseio das armas ofensivas e defensivas tradicionais: lança, espada, couraça, elmo, armadura e escudo. Na ausência de alguém assim, ninguém o derrotava.

Davi, porém, teve outra concepção de luta. O caminho não seria disputar força com o inimigo no seu contexto de batalha, onde a derrota seria certa. No seu contexto, o gigante venceria tanto o mais destemido israelita que quisesse vingar sua nação dos insultos dos filisteus, quanto o mais piedoso crente em Javé, o que mostra que a lição maior da história não repousa apenas sobre um ato de coragem ou fé. Embora ambas não tenham faltado a Davi, não foi por elas que ele saiu vencedor. De maneira perspicaz, Davi deslocou a luta para um contexto de ação que neutralizou a superioridade da força e das armas do gigante e que lhe permitiu usar suas habilidades de pastor de forma eficaz.

Em um combate convencional, Davi seria derrotado por dois motivos. Primeiro porque o peso dos equipamentos de guerra, com os quais não estava acostumado, eliminaria toda sua mobilidade e capacidade de luta. Ao invés de ser um meio que facilitaria a vitória, a armadura e as armas tradicionais e equivalentes às que Golias usava anularia suas habilidades. Segundo, porque a destreza e força do inimigo no uso dessas armas eram superiores e jamais seriam igualadas por Davi, mesmo que ele se esforçasse o máximo e conseguisse suportar seu peso. Ou seja, além do inimigo ter a vantagem inicial, o combate convencional imobilizaria o jovem israelita e impediria seu progresso. Era, portanto, um contexto duplamente desvantajoso.

Assim, a única chance de vitória baseava-se em três ideias gerais: impedir a aproximação do inimigo para evitar o combate corpo a corpo, não permitir o prolongamento da luta e derrotar o inimigo à distância. Isso eliminaria a possibilidade de que o gigante usasse suas armas e sua força. Essas ideias gerais constituíram a estratégia de Davi. Para colocá-las em prática, a tática utilizada foi recusar as armas tradicionais, pois elas o colocavam em uma insuperável condição de inferioridade, e usar a funda, uma arma que ele conhecia e manejava muito bem.

Portanto, o que deu a vitória ao jovem pastor sobre aquele que consideravam invencível não foi apenas seu ímpeto, coragem e fé, mas a estratégia e a tática utilizadas. Davi foi ao encontro de Golias com sua roupa de pastor, um cajado, uma funda e as pedras no bornal. Sua arma era simples, mas além de ter peso suportável, tratava-se de um instrumento que ele sabia usar com destreza e que já demonstrara eficácia contra animais ferozes que ameaçavam os rebanhos que estavam sob seu cuidado. E o seu uso era fundamental para concretizar sua estratégia.

Por ser um texto bíblico, a vitória é, obviamente, interpretada como um sinal da predileção de Deus pelos israelitas. Mas, apesar disso, a vitória do jovem pastor sobre o gigante é narrada sem adicionar qualquer interferência divina ou sobrenatural na ação. Davi venceu Golias por ter sido capaz de neutralizar as forças e a ação do adversário e de potencializar a sua própria força com uma decisão sábia e fora do padrão tradicional das batalhas militares.

A luta dos explorados e oprimidos em todo o mundo, principalmente nos países periféricos, sempre foi a luta dos fracos contra gigantes poderosos e bem armados. A história registra vitórias e derrotas, mas, no geral, enfrentamos poderes que muitos julgam invencíveis e cuja dominação é planetária. Com que força eles dominam? Qual o seu contexto de batalha em que nós estamos sendo derrotados? Conseguiríamos derrotá-los em uma luta “corpo a corpo” no contexto em que eles têm vantagem? Como poderíamos refletir sobre estratégias e táticas de lutas fundadas não apenas na coragem e vontade de lutar, mas na eficácia de nossa ação em relação às forças do gigante e nas armas que, mesmo não tendo o mesmo poder que as do inimigo, sabemos manejar com destreza?

O primeiro passo nessa reflexão é saber quem é o “Golias” que enfrentamos, quais são suas armas e seu contexto de luta e onde está fundada a vantagem que tem sobre nós.

Mais lidas da semana